sábado, 11 de fevereiro de 2017

Harley-Davidson traduz modo de vida, doação e liberdade


O harleyro Glauco, de 60 anos, conversou com crianças do Moinho
Parece incrível, mas a moda de motorizar bicicletas, comum nas ruas de Ladário e Corumbá, está relacionada com a criação, há 103 anos, das potentes motos Harley-Davidson. Dois jovens dos Estados Unidos, Harley e Davidson, tiveram a ideia de colocar um motor no aro de uma bicicleta para se divertir, sem noção de que estavam criando uma das máquinas mais cobiçadas e incrementadas do mundo moderno. Hoje, mais do que um meio de transporte ou sonho de consumo, essas máquinas significam para milhares de pessoas um estilo vida despojado, a mais pura manifestação de liberdade. Quem compra uma Harley, nova ou usada, por preços que variam de 30 a 60 mil reais, entra automaticamente para clubes com sócios e filiais em todo o planeta. Ser harleyro é um estado de espírito.

Um desses clubes, o Harley Owers Group (HOG Pantanal), passou neste fim de semana por Corumbá arrancando suspiros dos fãs e sorrisos afetuosos das crianças do Moinho Cultural. Com sede em Campo Grande, ponto de concentração, os rapazes e garotas do HOG romperam os 420 km da Capital até Corumbá e foram recebidos com todas as honras no Moinho, para de cara saborearem um quebra-torto, prato típico da culinária pantaneira, e assistirem a uma apresentação de dança e música pelos integrantes do Moinho. Para alguns como Glauco Oliveira, de 60 anos de idade e mais de 30 de estrada, ser chamado de rapaz é força de expressao. "Andar sem regras, sobre moto, é minha paixão", diz.

Harleyros recebidos no Moinho com quebra-torno e música
É a terceira vez que o grupo vem a Corumbá para o HOG Pantanal Weekend, mas é a primeira vez que escolhem o Moinho como parceiro para doação. A filantropia é uma das missões do grupo. Todo o dinheiro arrecadado em leilões de peças originais Harey – suporte de capacete, tanque de combustível e casaco de couro – os harleyros, como são conhecidos, doaram para o Moinho, que mantém 280 crianças, adolescentes e jovens de Corumbá, Ladário e da Bolívia em aulas de dança, música, cidadania, tecnologia e apoio escolar, e anualmente realiza o espetáculo Moinho in Concert.

Criado em 1982 em Campo Grande, o HOG Pantanal Weekend trouxe a Corumbá 120 pessoas, de diferentes pontos do País. Além da Capital, havia harleyros de São Paulo, Cuiabá, Maracaju, Dourados e Santa Cruz de la Sierra (Bolívia). Para o próximo encontro, em 2017, o diretor do HOG, Reinaldo Castilho, pretende trazer pelo menos 150 harleyros.

Grupo HOG visitou Moinho dia 10 de fevereiro
Entre o grupo estão advogados, comerciantes, empresários, publicitários, sozinhos ou formando casais, alguns com crianças. O advogado Sebastião Rolon Neto e a terapeuta ocupacional Alessandra trouxeram a filha Luana mas a família vai receber em breve mais duas meninas. Alessandra está grávida de gêmeas e desta vez, por precaução, não veio na garupa da moto do marido, preferiu o carro. “Sou parceira dele em todas as viagens de Harley-Davidson e não podia deixar de vir de novo a Corumbá”, afirmou a gaúcha Alessandra. “Sempre me emociono muito quando venho ao Moinho e vejo as crianças”, acrescentou.

O antropólogo paulista Adalto Carneiro veio com sua Harley de Cuiabá, Mato Grosso, prepara um artigo focalizando “a tribo nos motociclistas” e, como historiador, certamente vai se lembrar das aparições de astros do cinema como Marlon Brando e James Dean em cima de uma Harley-Davidson em filmes dos anos 50 que começavam a associar motociclistas à fama de cauboys do asfalto, rapazes rebeldes e amantes da aventura. Menos rebeldes e mais caritativos, os harleyros entram neste século XXI cultivando o velho lema da calça jeans desbotada e o intenso desejo de liberdade.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Em oficina no Moinho, teatrólogo aplica a descolonização do corpo

Iván Nogales (centro) durante roda de conversa no Espaço Motirô
O teatrólogo e escritor boliviano Iván Nogales coordena a oficina “Descolonização do corpo” nesta segunda e terça-feira no Instituto Moinho Cultural. Linhas gerais da oficina estão condensados em três livros lançados por Nogales neste domingo, durante roda de conversa no Espaço Motirô, no Moinho, com representantes do teatro, artes plásticas e visuais, dança, música, assistência social e comunicação de Corumbá.
Nogales dirige a Fundacion Compa, uma das mais atuantes da América do Sul, com sede em El Alto, cidade andina ao lado de La Paz, em um trabalho que envolve crianças, adolescentes e jovens. Em 1989 ele fundou o Teatro Trono, o grupo de teatro boliviano com maior projeção internacional, com extenso diálogo e comunicação cultural com o exterior.
A proposta de Nogales para os povos da América do Sul tem muito a ver com o conceito do poeta e ativista sul-africano Mia Couto sobre a descolonização na questão do continente africano. “Uma coisa é a independência, e outra a descolonização. A descolonização do pensamento ainda não ocorreu. Olhamos para a África com valores europeus. É preciso uma ruptura para mudar a situação”, diz Mia Couto.
A ideia de Nogales se encaixa no objetivo do Instituto Moinho Cultural na integração cultural dos povos sul-americanos. Márcia Rolon, fundadora do Moinho, conheceu Iván Nogales há 13 anos em La Paz e ficou admirada por seu trabalho. “Ivan foi uma pessoa que fortaleceu a ideia de fazer o Moinho integrado com a Bolívia. Queremos fazer com que Corumbá seja um centro sul-americano, fazendo essa ponte, para que nossa cidade seja um laboratório, com troca de experiências”, destacou Márcia.
Iván Nogales propõe um teatro para a comunidade. “Não queremos um teatro muito separado da gente. Por isso fazemos um teatro comunitário, pouco a pouco chegamos a esse conceito de descolonização do corpo. Quando chegaram os colonizadores foi uma época muito difícil, de genocídios e negação das culturas. Agora tentamos superar esses códigos coloniais", afirmou.

O teatrólogo reproduz seus trabalhos em livros
Em seu livro La Descolonización del Cuerpo, Nogales diz: “Apesar do tempo, das constituições republicanas e dos discursos, o inimigo principal do corpo hoje segue sendo a Colônia: uma máquina de planar que passa e repassa sobre nós, recordando-nos a cada dia nossa condição de pessoas inferiores e historicamente negadas”.
Colônia, conforme descrito por Nogales, significa toda forma de uso e abuso do outro ou de usurpação dos domínios do outro, do espaço, do tempo e da energia do outro. “É por isso que descolonização do corpo é uma tarefa de altíssimo interesse estratégico’, diz.

Iván aplicou oficina aos integrantes do Moinho Cultural
Em El Alto, cidade a 4 mil metros de altitude, na Bolívia, Iván mora na casa que pertenceu ao pai dele, Indalecio Nogales, um dos membros da guerrilha boliviana de Teoponte, que defendeu os ideais de Che Guevara após a morte do revolucionário. É para a altiplano andino que Iván segue nesta quinta, 9 de fevereiro, onde traça os novos rumos da excursão da Oficina La Descolonización del Cuerpo e do grupo de teatro Trono. Até o final do ano, ele vai percorrer a Espanha e outros países europeus. Iván conta que ficou órfão aos seis anos de idade após perder o pai, morto na guerrilha. "É um homem que nunca esqueço, seus ideais eu carrego comigo até hoje, me inspiro nele", revela.