terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

A espiritualidade da mulher negra no Carnaval

Há décadas o Carnaval de Corumbá não reunia tantas escolas com potencial para conquistar o título, e quem ganha é o público, que esperou pacientemente durante seis horas para ver todas elas passarem pela avenida. No desfile encerrado às 3h25 da madrugada desta terça-feira, A Pesada, Império do Morro, Mocidade Independente da Nova Corumbá e Vila Mamona mostraram que estão separadas apenas por um fio nas mãos dos jurados, que escolherão uma campeã. Como se os deuses do Carnaval assim quisessem, a chuva só começou a cair depois que as últimas alas da Vila Mamona cruzaram a avenida. Coincidentemente, o tema da Vila, que reverenciava as lutas da mulher negra, também evocava deuses das religiões africanas. Orixás femininos como Oxum, a deusa da beleza, da fertilidade e maternidade, apareceram nas fantasias das baianas. Ou no carro que reproduziu a casa de madeira da umbandista Cacilda, famosas por seus passes e consultas espirituais até os anos 70 em Corumbá. No camarote da imprensa, disseram-me que o tema da Vila Mamona não havia sido bem recebido por relacionar a mulher negra à umbanda e candomblé, mas vejo que, pelo contrário, esta é a verdadeira história que precisa ser contada à nova geração para eliminar de vez o preconceito contra as religiões de origem africana, trazida e mantida por negros que viraram escravos. Lembrar Cacilda e as filas que se formavam em frente à sua modesta casa em busca de um passe é resgatar a história da religiosidade corumbaense. É explicar porque hoje a maioria dos festeiros de São João e São Pedro é dona de terreiros de umbanda e candomblé. Pode ser uma questão de raízes familiares ou de simples escolha, não importa, é um caminho de espiritualidade que deve ser respeitado. É senso comum ir para a avenida com temas politicamente corretos, mas o difícil é lançar uma provocação, um debate, uma nova proposta, e reconstruir uma história perdida e mal interpretada. E o Carnaval é palco para a arte de criar, pensar, renovar. Parabéns à Vila Mamona pela coragem e pela volta, por cima, para o Grupo Especial.

Um comentário:

  1. É isso mesmo tio....quebrando preconceitos e rompendo barreiras, a Vila renasce para o carnaval....devagar, solidamente! Linda minha Vila! Obrigada pelas palavras...somos todos negros e a espiritualidade é apenas um detalhe! Parabéns!

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