Professor Libâneo critica o "empurrãozinho" e a desigualdade social |
Em palestra na Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS Campus Pantanal, em Corumbá, o filósofo, professor
universitário da PUC de Goiás e doutor em Educação, José Carlos Libâneo, de 70
anos, denunciou “o ensino pobre para os pobres”, uma escola descaracterizada,
voltada para a empregabilidade e o consumo, norteada pelo pensamento
neo-liberal, com currículo desfigurado e centralizado por uma entidade: o Banco
Mundial. “Proponho uma escola para
formação cultural e científica, baseada no conhecimento e no desenvolvimento
cognitivo, afetivo e moral dos alunos, articulada com a diversidade social e
cultural dos alunos”, afirmou o professor no auditório lotado do anfiteatro
Salomão Baruki. Veja os principais trechos da palestra:
"Estão descaracterizando o papel da escola"
Bom ensino é aquele que promove e amplia o
desenvolvimento das capacidades intelectuais dos alunos, como afirmou Vygotsky
(psicólogo bielo-russo). Fazendo isso se consegue desenvolver a capacidade dos
alunos. Não quero ser mal-entendido quando digo que a missão pedagógica da
escola não pode ser suplantada pela missão social, porque a missão social tem
de ser atendida não só pela escola, mas por outras estâncias da sociedade.
Hoje estão juntando tudo na escola e descaracterizando o papel da
escola.
Se você ler as diretrizes do programa Mais Educação,
lá está escrito que a escola precisa responder a uma multiplicidade de funções,
é uma escola que visa a prevenção e o remediamento de conflitos sociais. A isso
Antonio Nova chama de “escola transbordante’, onde acontece de tudo, menos o
trabalho sério dos conteúdos escolares. Há a desfiguração do espaço escolar, da
capacidade cognitiva, e com isso a escola perde sua identidade, os professores
ficam inseguros.
"Desigualdade é
fruto da injustiça social"
Quero esclarecer as criticas que estou fazendo a
esse currículo de ações socioeducativa, também chamada de Mais Educação, essa
tese de que o papel do sistema educacional é prioritariamente atender a
diversidade social. De fato, o reconhecimento da diversidade social representae
um avanço no campo da educação, é o primeiro princípio da inclusão social.Também
e fato que todos somos iguais, mas todos são diferentes, a diferença é
constitutiva, não é excepcionalidade, é uma característica concreta dos seres
humanos,e eu não posso ensinar sem levar em conta a diversidade humana.
Mas não podemos valorizar a diversidade ao ponto de
deixar de lado as desigualdades sociais. Diversidade e desigualdade social não é
são a mesma coisa. Desigualdade não ocorre de diferenças culturais, ela é fruto
da injustiça social. Para eu respeitar a igualdade eu preciso assegurar o
direito ao acesso ao conhecimento como condição de inserir a criança no mundo
do trabalho, da cultura, da política. O problema é que política educacional com
práticas voltadas apenas a diversidade podem esta escondendo as desigualdades
sociais.
Na igualdade
social está o direito das crianças e jovens ao acesso ao conhecimento e ao
desenvolvimento de seus processos psíquicos superiores, como diz Vigotsky.
Palestra lotou o anfiteatro do Campus Pantanal |
"Estaremos
discriminando os pobres com ensino tolerante"
É freqüente ouvir pessoas dizendo que as crianças
pobres são diferentes, tem suas culturas, características sociais, elas
precisam de um ensino diferenciado, ou seja, precisam de um “empurrãozinho”. Para
atender as diferenças teríamos de fazer um ensino mais facilitado, mais
tolerante, compensar carências, botar crianças num turno para educação física,
escola de artes e música, é o que dizem. Quem tem esse pensamento acaba estigmatizando a
diferença, e com isso pode estar privando os alunos pobres dos direitos que
se referem à igualdade. Quando falamos em igualdade, falamos em educação de
qualidade.
Então, se a escola for considerada apenas de
atendimento à diversidade social e cultural, deixando em segundo plano o
direito ao conhecimento e ao desenvolvimento mental, estaremos discriminando os
pobres.
"Currículo
precário: ensino pobre para pobres"
Estou criticando dois tipos de escola que funcionam
assim, em Goiás e São Paulo. Esse modelo de currículo de resultados imediatos,
é currículo precário, é o ensino pobre para pobre, é ensino de habilidades práticas,
empregabilidade, isso está ocorrendo no mundo todo. Está ocorrendo no Brasil,
em países da África.
E quem está por cima dessa reforma do ensino nesses
países pobres? É a entidade chamada Banco Mundial. É um currículo frágil,
enfraquecido. É como se dissesse: pobre não precisa grande coisa, apenas coisinhas
de português, matemática, para melhorar a competência, e para preparar
consumidores.
O sistema capitalismo mudou seu sistema de
funcionar. Hoje existe muita produção, tecnologia que produz uma imensidão de
produtos, que precisam de consumidos. Hoje você tem iogurte de 1,99, para pobres,
e de 10 reais. Essa escola que estou descrevendo aqui serve para três
coisas: preparar o menino para uma
empregabilidade precária, preparar consumidores e para preparar usuários para
as tecnologias digitais.
"Doutrina da Dama de Ferro defende o individual"
Estou propondo uma resistência. O que seria uma
escola diferente do que essa que está sendo posta em prática no País? Que tipo
de sociedade e que tipo de educação nós queremos? Façam uma reflexão: para que
serve a escola? Qual o sentido que as crianças tem indo à escola?
Temos basicamente duas maneiras de ver a sociedade.
Uma delas é por meio da competência individual, do papel empreendedor, da concorrência,
do ensino individualista. Esta visão de sociedade é muito bem descrita por uma
senhora que foi Primeira Ministra da Inglaterra, Margaret Tatcher, chamada de “A
Dama de Ferro”, que impôs no país o neo-liberalismo, que é a doutrina que
defende o individual, em que as pessoas só querem saber de resolver seu
interesse pessoal. “Não existe essa coisa de sociedade, o que há e sempre
haverá são indivíduos”, afirmava Tatcher.
Outro projeto é o foco na sociedade, no projeto
coletivo, na inclusão, no cidadão participativo, na inclusão de todos, projeto
em que você faz um escola que se define como democrática mas no sentindo de
possibilitar ensino de qualidade, acesso aos conhecimentos e desenvolvimento
das capacidades intelectuais.
"Uma escola para
formação cultural e científica"
Proponho,
portanto, esse segundo modelo, uma escola para formação cultural e científica,
baseada no conhecimento e no desenvolvimento cognitivo, afetivo e moral dos
alunos, articulada com a diversidade social e cultural dos alunos. Não vou desconhecer as condições sociais
histórias e concretas dos meninos no seu cotidiano.
Defendo a escolarização igual para sujeitos
diferentes. Não podemos separar igualdade diferença. Não podemos privilegiar
diferença em prejuízo da igualdade, porque isso é praticar injustiça. Porque
Paulo é diference ele tem de ter ensino ruim, fraco? Precisamps promover
interfaces pedagógicas e as formas do conhecimento local e cotidiano. Relação
dos conhecimentos científico, da escola, e conhecimento do cotidiano que as
crianças trazem da sua situação de vida. Concluo afirmando que nosso trabalho,
como professores, é um caminho de duplo movimento. Conhecimentos históricos das
crianças, da experiência cotidiana, devem ser retrabalhados pelas professores
na escolas e, dessa forma, os alunos retornam às suas práticas culturais com
compreensão ampliada.
Bibliografia: mais detalhes
sobre o pensamento do professor José Carlos Libâneo estão publicados nos seus
principais livros, “Democratização da Escola Pública – A Pedagogia
Crítico-social dos Conteúdos”, “Didática” e “Pedagogia e Pedagogos, para quê?”