sexta-feira, 4 de março de 2016

A escola desfigurada: currículo pobre para pobres

Professor Libâneo critica o "empurrãozinho" e a desigualdade social
Em palestra na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS Campus Pantanal, em Corumbá, o filósofo, professor universitário da PUC de Goiás e doutor em Educação, José Carlos Libâneo, de 70 anos, denunciou “o ensino pobre para os pobres”, uma escola descaracterizada, voltada para a empregabilidade e o consumo, norteada pelo pensamento neo-liberal, com currículo desfigurado e centralizado por uma entidade: o Banco Mundial. “Proponho uma escola para formação cultural e científica, baseada no conhecimento e no desenvolvimento cognitivo, afetivo e moral dos alunos, articulada com a diversidade social e cultural dos alunos”, afirmou o professor no auditório lotado do anfiteatro Salomão Baruki. Veja os principais trechos da palestra:

"Estão descaracterizando o papel da escola"

Bom ensino é aquele que promove e amplia o desenvolvimento das capacidades intelectuais dos alunos, como afirmou Vygotsky (psicólogo bielo-russo). Fazendo isso se consegue desenvolver a capacidade dos alunos. Não quero ser mal-entendido quando digo que a missão pedagógica da escola não pode ser suplantada pela missão social, porque a missão social tem de ser atendida não só pela escola, mas por outras estâncias da sociedade. Hoje estão juntando tudo na escola e descaracterizando o papel da escola.
Se você ler as diretrizes do programa Mais Educação, lá está escrito que a escola precisa responder a uma multiplicidade de funções, é uma escola que visa a prevenção e o remediamento de conflitos sociais. A isso Antonio Nova chama de “escola transbordante’, onde acontece de tudo, menos o trabalho sério dos conteúdos escolares. Há a desfiguração do espaço escolar, da capacidade cognitiva, e com isso a escola perde sua identidade, os professores ficam inseguros.

"Desigualdade é fruto da injustiça social"

Quero esclarecer as criticas que estou fazendo a esse currículo de ações socioeducativa, também chamada de Mais Educação, essa tese de que o papel do sistema educacional é prioritariamente atender a diversidade social. De fato, o reconhecimento da diversidade social representae um avanço no campo da educação, é o primeiro princípio da inclusão social.Também e fato que todos somos iguais, mas todos são diferentes, a diferença é constitutiva, não é excepcionalidade, é uma característica concreta dos seres humanos,e eu não posso ensinar sem levar em conta a diversidade humana.
Mas não podemos valorizar a diversidade ao ponto de deixar de lado as desigualdades sociais. Diversidade e desigualdade social não é são a mesma coisa. Desigualdade não ocorre de diferenças culturais, ela é fruto da injustiça social. Para eu respeitar a igualdade eu preciso assegurar o direito ao acesso ao conhecimento como condição de inserir a criança no mundo do trabalho, da cultura, da política. O problema é que política educacional com práticas voltadas apenas a diversidade podem esta escondendo as desigualdades sociais.

Na igualdade social está o direito das crianças e jovens ao acesso ao conhecimento e ao desenvolvimento de seus processos psíquicos superiores, como diz Vigotsky.

Palestra lotou o anfiteatro do Campus Pantanal
"Estaremos discriminando os pobres com ensino tolerante"

É freqüente ouvir pessoas dizendo que as crianças pobres são diferentes, tem suas culturas, características sociais, elas precisam de um ensino diferenciado, ou seja, precisam de um “empurrãozinho”. Para atender as diferenças teríamos de fazer um ensino mais facilitado, mais tolerante, compensar carências, botar crianças num turno para educação física, escola de artes e música, é o que dizem. Quem tem esse pensamento acaba estigmatizando a diferença, e com isso pode estar privando os alunos pobres dos direitos que se referem à igualdade. Quando falamos em igualdade, falamos em educação de qualidade.
Então, se a escola for considerada apenas de atendimento à diversidade social e cultural, deixando em segundo plano o direito ao conhecimento e ao desenvolvimento mental, estaremos discriminando os pobres.

"Currículo precário: ensino pobre para pobres"

Estou criticando dois tipos de escola que funcionam assim, em Goiás e São Paulo. Esse modelo de currículo de resultados imediatos, é currículo precário, é o ensino pobre para pobre, é ensino de habilidades práticas, empregabilidade, isso está ocorrendo no mundo todo. Está ocorrendo no Brasil, em países da África.
E quem está por cima dessa reforma do ensino nesses países pobres? É a entidade chamada Banco Mundial. É um currículo frágil, enfraquecido. É como se dissesse: pobre não precisa grande coisa, apenas coisinhas de português, matemática, para melhorar a competência, e para preparar consumidores.
O sistema capitalismo mudou seu sistema de funcionar. Hoje existe muita produção, tecnologia que produz uma imensidão de produtos, que precisam de consumidos. Hoje você tem iogurte de 1,99, para pobres, e de 10 reais. Essa escola que estou descrevendo aqui serve para três coisas:  preparar o menino para uma empregabilidade precária, preparar consumidores e para preparar usuários para as tecnologias digitais.

"Doutrina da Dama de Ferro defende o individual"

Estou propondo uma resistência. O que seria uma escola diferente do que essa que está sendo posta em prática no País? Que tipo de sociedade e que tipo de educação nós queremos? Façam uma reflexão: para que serve a escola? Qual o sentido que as crianças tem indo à escola?
Temos basicamente duas maneiras de ver a sociedade. Uma delas é por meio da competência individual, do papel empreendedor, da concorrência, do ensino individualista. Esta visão de sociedade é muito bem descrita por uma senhora que foi Primeira Ministra da Inglaterra, Margaret Tatcher, chamada de “A Dama de Ferro”, que impôs no país o neo-liberalismo, que é a doutrina que defende o individual, em que as pessoas só querem saber de resolver seu interesse pessoal. “Não existe essa coisa de sociedade, o que há e sempre haverá são indivíduos”, afirmava Tatcher.
Outro projeto é o foco na sociedade, no projeto coletivo, na inclusão, no cidadão participativo, na inclusão de todos, projeto em que você faz um escola que se define como democrática mas no sentindo de possibilitar ensino de qualidade, acesso aos conhecimentos e desenvolvimento das capacidades intelectuais.

"Uma escola para formação cultural e científica"

Proponho, portanto, esse segundo modelo, uma escola para formação cultural e científica, baseada no conhecimento e no desenvolvimento cognitivo, afetivo e moral dos alunos, articulada com a diversidade social e cultural dos alunos.  Não vou desconhecer as condições sociais histórias e concretas dos meninos no seu cotidiano.

Defendo a escolarização igual para sujeitos diferentes. Não podemos separar igualdade diferença. Não podemos privilegiar diferença em prejuízo da igualdade, porque isso é praticar injustiça. Porque Paulo é diference ele tem de ter ensino ruim, fraco? Precisamps promover interfaces pedagógicas e as formas do conhecimento local e cotidiano. Relação dos conhecimentos científico, da escola, e conhecimento do cotidiano que as crianças trazem da sua situação de vida. Concluo afirmando que nosso trabalho, como professores, é um caminho de duplo movimento. Conhecimentos históricos das crianças, da experiência cotidiana, devem ser retrabalhados pelas professores na escolas e, dessa forma, os alunos retornam às suas práticas culturais com compreensão ampliada.

Bibliografia: mais detalhes sobre o pensamento do professor José Carlos Libâneo estão publicados nos seus principais livros, “Democratização da Escola Pública – A Pedagogia Crítico-social dos Conteúdos”, “Didática” e “Pedagogia e Pedagogos, para quê?”