sábado, 31 de dezembro de 2016

APA Baía Negra, o legado de Ladário à natureza

Baía Negra, santuário ecológico no Pantanal de Ladário-MS
A APA Baía Negra é um divisor de águas na administração do meio ambiente em Ladário, cidade de 22 mil habitantes no Pantanal de Mato Grosso do Sul, a 420 km da Capital. A importância da criação da Área de Preservação Ambiental no espaço da antiga estrada da Codrasa é tanta que o prefeito José Antonio e sua equipe acreditam que a história do município ganhou um perfil ambientalista a partir de sua instituição, em 2010. “Ladário passou a ser conhecida como a Ladário da APA Baía Negra, e começou a chamar muito mais a atenção de pesquisadores e ambientalistas de todo o País”, analisa o prefeito. “E no futuro, temos certeza, essa área será um destino turístico de relevância e uma vasta fonte de recursos para o município”, prevê.
E uma das peças chaves das ações implementadas na APA Baia Negra é a bióloga Ligia Teixeira, mestre em Estudos Fronteiriços pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), onde se graduou, e ex-professora de Ciências da Escola Municipal João Baptista. Ela ainda lecionava quando a Prefeitura, em 2009, estava em busca de uma bióloga para atender as demandas ambientais da Secretaria de Obras e Serviço Públicos. Foi cedida pela Secretaria de Educação e, em 2010, nomeada gerente de Meio Ambiente. “Fiz um trabalho de formiguinha, busquei me informar e capacitar na Fundação de Meio Ambiente de Corumbá e no primeiro ano fizemos juntos a Semana do Meio Ambiente”, lembra Ligia.
Neste ano, com as mudanças provocadas pelas eleições, Ligia Teixeira assumiu o cargo de diretora presidente da Fundação de Meio Ambiente de Ladário e assim concluiu os oito anos de mandato da administração de José Antonio. Ela acaba de tomar posse no cargo de bióloga gestora de atividades organizacionais, agora como efetiva. E vai assessorar a nova diretora presidente da Fundação, a bióloga Andréa Victorio, também funcionária efetiva da Prefeitura.
Bióloga Lígia Teixeira ajudou a instalar a APA
Ligia Teixeira considera a APA Baia Negra o maior legado deixado pela Fundação de Meio Ambiente às novas gerações. Ela foi uma das primeiras pessoas a chegar de barco na baía Negra, após atravessar pelos estreitos canais, ziguezagueando, rompendo os camalotes da baia do Arrozal. Isso ocorreu durante uma expedição neste ano organizado pela Fundação, com participação de diretores e técnicos da Embrapa Pantanal, Ibama, Agraer e outras entidades ligadas ao Meio Ambiente. “É um percurso de seiscentos metros entre a baia do Arrozal e baia Negra, quando o rio está mais cheio,e os barcos entram zingando pelos canais”, conta. “É uma região belíssima, que vale a pena ser visitada para pesquisa, contemplação, e que ainda vai significar muitas reservas para o turismo”, diz.

A APA Baia Negra é um programa em construção e deve crescer muito mais, segundo Ligia Teixeira. Está previsto a instalação de um píer dentro da baia do Arrozal para facilitar a imersão de pesquisadores e turistas. Caiaques e stand-ups devem ser disponibilizados para turistas, que terão as visitas monitoradas pelos próprios moradores, que serão funcionários capacitados pela Fundação de Meio Ambiente. “No mesmo espaço, está previsto a criação de um receptivo para turistas e ao lado uma torre de 30 metros, como temos na Estrada Parque, onde pesquisadores e visitantes poderão fazer suas observações e fotografar animais do Pantanal”, destaca a bióloga.

Ex-pousada agora é sede do Conselho Gestor
Canais são cercados por camalotes em área paradisíaca
Outra mudança favorável à APA Baía Negra foi a reintegração de posse da antiga Pousada Vitória Régia, cujo imóvel estava instalado irregularmente em área da União. O órgão responsável por essa fiscalização é o SPU (Serviço de Patrimônio da União). Agora quem administra a pousada é o Conselho Gestor da APA Baia Negra, que tem como presidente Ligia Teixeira e conta com moradores como representantes. Na sede da ex-pousada são promovidas ações como corrida rústica, ciclismo, Moto Cross, dentro da semana de aniversário da APA Baia Negra, com apoio do Exército, que cede barracas, e da Marinha e do Corpo de Bombeiros. Neste ano o Ibama ofereceu um barco de passeio para que estudantes da rede municipal. “Na baia Negra, as árvores ficam infestadas de macaquinhos, os bugios”, conta a bióloga.

Município cede área para Aterro Sanitário
Outros avanços são o Plano Municipal de Resíduos Sólidos e o Plano Municipal de Saneamento Básico, que acabam de ser aprovados pela Câmara e foram repassados à nova administração. Também existe um termo assinado com Corumbá em que Ladário entra como consorciada na construção do Aterro Sanitário, que será responsável pelo armazenamento sustentável e reciclagem de todo o lixo descartado pelas duas cidades, quase 200 toneladas diárias. A área de construção do aterro fica em território de Ladário, na zona rural, imediações do Lampiao Aceso, e já conta com uma pré-licença ambiental do Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul). Todos os recursos para a construção do aterro intermunicipal serão destinados pelo Ministério do Meio Ambiente. 




sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Banda Ministério Betel e o Natal dos enfermos

O violonista Rodrigo, o sanfoneiro Claiton e as vocalistas Luana, Quezia e Valeska costumam percorrer os leitos dos enfermos do Hospital de Caridade, na Santa Casa de Corumbá, pelo menos uma vez por mês. Eles formam a Banda Ministério Betel Casa de Deus e criaram o Projeto Música nos Leitos, com a proposta de levar a música de louvor com mensagens cristãs, palavras e gestos de amor e carinho para os acamados. E nesta véspera de Natal não podia ser diferente. Acompanhei-os na visita da manhã esta sexta-feira, 23 de dezembro, e constatei o quanto é importante esta atitude de solidariedade, que recebe como resposta imediata os largos sorrisos das crianças, jovens e idosos adoentados, no momento em que o grupo “invade” os quartos e derrama sobre aqueles pacientes canções de amor e esperança. Compartilham o pensamento do grande aniversariante deste final de semana natalino, Jesus Cristo. Duas crianças, Tiago e Tarcis, este em um traje vermelho de Homem Aranha, apoiavam o grupo e distribuíam pequenos panetones aos pacientes. “Eles fazem com que as pessoas não se sintam sozinhas”, afirmava dona Deise Campos, em visita ao hospital. “Quebram a monotonia, amenizam as dores, trazem alegria”, definia a psicóloga Eva Mateus, coordenadora do setor de Humanização da Santa Casa. 
O importante é que a Banda Ministério Betel voltará mais vezes durante todo o ano de 2017 e enquanto durar o projeto. Especializado em música gospel pop e sertaneja, o grupo prepara o lançamento do seu primeiro CD. A mistura do violão de Rodrigo e a sanfona de Claiton, com a vibração afinada das garotas vocalistas, resultam num efeito diferenciado e de muito bom gosto à banda corumbaense.

domingo, 13 de novembro de 2016

No Quebra-torto com Letras, os segredos de poetas e letristas

No Moinho Cultural, poetas contam lições de vida para o público
Nesta mormacenta manhã de domingo, debaixo de pingos quentes de chuva, aqui nas barrancas do rio Paraguai, na sede do Instituto Moinho Cultural, em Corumbá, o segundo dia do Quebra-torto com Letras do Festival América do Sul começa com um toque do hit de Frejat: “Por você, eu dançaria tango no teto/Eu limparia os trilhos do metrô/Eu iria a pé do Rio a Salvador/Eu aceitaria a vida como ela é/Viajaria a prazo pro inferno/Eu tomaria banho gelado no inverno/Por você eu deixaria de beber/Por você eu ficaria rico num mês/Eu dormiria de meia pra virar burguês”. Ora, mas aí vocês podem perguntar o que tem a ver Frejat com o Quebra-torto com Letras. Bem, quem conta a história é o próprio autor do poema, um dos convidados da mesa redonda, Mauro Santa Cecília, carioca de 54 anos. Ele escreveu essa poesia inspirada em uma vizinha de quem estava apaixonado e queria conquistar, e a mostrou para Frejat, seu amigo desde os tempos de colégio, que resolveu transformá-la em letra de música. “Por você” explodiu nas paradas, pela banda Barão Vermelho, e mudou a vida de Mauro Santa Cecília, que virou letrista e passou a viver de direitos autorais. Esse é apenas um dos segredos da poesia, que pode, sim, render uma grande música. Mais uma vez, os poetas conseguem mostrar  ao público o potencial transformador da literatura. 
Emmanuel, de macacão: 'operário das palavras'
No mesmo caso se enquadra outro escritor convidado, Emmanuel Marinho, poeta e ator douradense, que produz e vende CDs com suas poesias musicalizadas. Quase tudo o que compõe vira música, e ele já gravou dois CDs, Teré e Encantares. Mas ele também é conhecido por ser uma voz de protesto na sociedade com poemas como “Etanol” e autor de performances como o “Poeta Palhaço”, “Porã” e “O Encantador de Palavras”. Usa macacão por considerar-se um “operário da palavra”. Outra contribuição veio do escritor e jornalista paulista Bruno Molinero, repórter da Folha de S.Paulo, ganhador do Prêmio Guavira de Literatura com o livro do poemas “Alarido”. E o que faz Bruno de tão extraordinário, podem perguntar? Ora, ele apenas transforma em linguagem poética os perfis das pessoas que entrevista em suas reportagens, quase sempre figuras invisíveis da periferia paulistana. Mauro, Emmanuel e Bruno comprovam que, por meio da literatura, podemos realizar sonhos e projetos considerados impossíveis. Porque a poesia é como nossa própria vida. "Por você, eu mudaria até o meu nome/eu viveria em greve de fome/desejaria todo dia a mesma mulher". Querem saber o final da história, não é: Mauro não conquistou a vizinha, mas a poesia dele conquistou o País.

terça-feira, 8 de novembro de 2016

PEC é um processo de desmonte do Brasil

Auditório Salomão Baruki recebeu Aula Pública sobre a PEC
Dom Martinez, bispo diocesano de Corumbá, destacou a posição da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) na Aula Pública sobre a PEC dos Gastos, também conhecida como PEC 241, nesta segunda, 07 de novembro, no Anfiteatro Salomão Baruki, no Campus Pantanal da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) em Corumbá. O evento foi organizado pelo Sindicato dos Docentes Universitários (ADUFMS) e UFMS. “A PEC é injusta e seletiva, ela elege, para pagar a conta do descontrole dos gastos, os trabalhadores e os pobres”, diz a CNBB. Foram muitas as definições dadas à PEC durante o encontro: PEC da Morte, PEC Veneno, PEC do desmonte do Brasil. A mesa de debates, bem diversificada, contou com sindicalistas, professores, universitários e um estudante secundarista, Luigi Amarilio, aluno do Sesi. 
Professores, estudantes e sindicalistas debateram efeito da PEC
A professora da UFMS, Elisa Freitas, doutora em Geografia Humana pela USP, coordenou os trabalhos e se referiu ao momento como “um processo de desmonte do Brasil”. Romeu Viana, professor de química do Instituto Federal de Mato Grosso do Sul (IFMS), citou uma frase: “entre o remédio e o veneno a diferença é o tamanho da dose”. Esta é a PEC Veneno. Neste dia 11 de novembro, uma passeata pelas ruas centrais de Corumbá marca a manifestação contra a proposta que está no Senado para votação com o nome de PEC 55. “A PEC afronta a Constituição Cidadã de 1988”, acrescenta a CNBB.


sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Simpósio discute homossexualidade no cinema e na literatura

Simpósio reune universitários no Anfiteatro Salomão Baruki
O Simpósio Internacional Nexos Teoria Crítica e Pesquisa Interdisciplinar Centro-Oeste: Gênero e Sexualidades, Cultura e Educação, promovido pela UFMS Campus Pantanal, com coordenação da professora Isabela Ferreira, em parceria com o Sesc, traz a Corumbá renomados professores e doutores especialistas para três dias de debates e  lançamentos de livros, no Anfiteatro Salomão Baruki. Na abertura, nesta sexta, 28 de outubro, o tema “A homossexualidade no cinema e na literatura” foi abordado com a exibição do filme nacional “Hoje eu quero voltar sozinho”, de Daniel Ribeiro. Focaliza dois estudantes adolescentes, um deles cego, que se beijam e se descobrem em um relacionamento afetivo homossexual. Os debates reuniram os professores Tiago Duque (UFMS), Ravel Paz (UEMS) e Júlio Galharte (UFMS). Ravel Paz lançou seu livro “Os meninos da colina”.

sábado, 8 de outubro de 2016

Concurso de redação aborda direitos sexuais das crianças

Professor José Ângelo Motti proferiu palestra no Moinho Cultural
Há filmes como “Confiar” (drama, EUA, 2010), que reproduz um caso de pedofilia que resulta em abuso sexual contra uma garota de 14 anos, seduzida por um adulto via internet. Há relatos da vida real que tornam esse contexto ainda mais ameaçador para pais que se sacrificam em educar e garantir uma vida saudável e digna a suas crianças, mas que se deparam com a violência de um desconhecido ou alguém da propria familia. Entre os educadores responsáveis e conscientes, há um esforço coletivo para fazer com que crianças, adolescentes e jovens valorizem a autoestima, a proteção e o controle total sobre seus corpos, o sentido do pertencimento que os torna capazes de detectar e impedir a invasão de privacidade. Contudo, com o advento da internet e a exposição desenfreada da vida íntima nas redes sociais, isso se tornou impraticável. A situação está praticamente fora de controle. E mais: crescem os números de gravidez precoces, gestantes de dez, doze anos, e casos de prostituição entre menores. Por isso, resta aos educadores alertar, conscientizar e fazer valer o direito ao pertencimento, à liberdade, à privacidade, enfim, aos direitos humanos. Quem conhece a si mesmo torna-se mais bem preparado para lidar com o mundo desconhecido. Programas como o Proteger é Preciso vieram para somar às lutas de centenas de instituições idôneas que buscam fazer valer os direitos de crianças e adolescentes. Neste dia 6 de outubro, quase 500 pessoas, entre estudantes, funcionários, colaboradores e autoridades participaram do lançamento do Concurso de Redação do Programa Proteger é Preciso, na sede do Moinho Cultural, no Porto Geral. O tema do concurso é “Direitos Sexuais são Direitos Humanos”.  As inscrições estão abertas e o concurso vai premiar os ganhadores – alunos e professores da rede pública de ensino de Corumbá e Ladário - com notebooks e tablets. O concurso corresponde a uma das etapas do Programa Proteger é Preciso, executado pelo Moinho em parceria com a Vale e Fundação Vale, como forma de desenvolver ações integradas de prevenção e combate à violência sexual contra crianças e adolescentes. A vice-prefeita Márcia Rolon, fundadora do Moinho, revelou que números do censo IBGE dando conta que vivem hoje em Corumbá 12.567 crianças e adolescentes dos 12 aos 17 anos. E que o programa já atendeu 2.825 deles. O gerente de Circulação e Operações do Centro-Oeste da Vale Mineradora, Antônio Sérgio da Silva Mello, destacou a parceira com o Moinho e a amplitude do programa, que se alinha aos objetivos comuns ao promover a valorização e a proteção da vida de seres humanos. Palestra sobre o tema foi proferida pelo professor José Ângelo Motti, coordenador da Escola de Conselhos da UFMS e um dos idealizadores do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

domingo, 2 de outubro de 2016

Ladarense é o novo prefeito de Bandeirantes. Vitória ‘milagrosa’

Álvaro Urt durante a campanha para prefeito em Bandeirantes
Santo de casa não faz milagre, reza o ditado popular. Embora o candidato ladarense a prefeito de Ladário, Roberto Guimarães (PT), e seu parceiro, Diácono Victor Urt, usassem como bandeira o lema “Filhos de Ladário, gente deste chão”, os eleitores responderam com discretos 422 votos. A vitória foi do candidato Carlos Anibal Ruso (PSDB), com 4281 votos, 50% dos 8546 votos válidos. A isso muito se deve a queda em parafuso do PT em nível nacional e a ascensão do PSDB, partido mais votado no País nestas eleições. Não se inclui neste cenário um fenômeno chamado Eduardo Suplicy, vereador mais votado do Brasil, com mais de 300 mil votos. E pelo PT. 
Mas, convenhamos, o santo de casa que, de fato, fez milagre nestas eleições em Mato Grosso do Sul estava a quilômetros de distância, com nome, sobrenome e certidão de nascimento ladarenses: Álvaro Urt. Ele foi eleito prefeito da cidade de Bandeirantes com uma vitória por apenas 35 votos de vantagem sobre seu maior concorrente, Márcio Faustino, que tentava a reeleição. O ladarense de 63 anos, produtor agropecuário, contabilizou 1539 votos contra 1504 do seu rival. Este sim, um "milagre" que seus familiares, amigos e eleitores creditam à sua luta incansável durante a campanha e às bênçãos de Nossa Senhora Aparecida, padroeira de Bandeirantes. Polo agropecuário ao lado da BR-163 e em torno de Camapuã, Rochedo, Jaraguari e Corguinho, a próspera Bandeirantes fica a 70 km de Campo Grande, conta com menos de 7 mil habitantes, IDH alto, de 0,73,e vai completar em novembro 53 anos de fundação. 
Márcio, Marta e Álvaro Urt (em pe),
Maria e Varito (abaixo) em Campinas, 1977
Ainda adolescente, Álvaro e sua família deixaram Ladário ao lado da família para uma nova vida em Sumaré, na grande Campinas, e ao voltar formado a Mato Grosso do Sul seguiu o caminho da política e da pecuária. Pertence a um dos ramos da família Urt, que aportou de navio em Ladário há 103 anos, vinda de Jerusalém, na Palestina, trazendo os irmãos Isaac, Jamil, Abdo e IsaíasFilho de Maria e Varito Urt, neto de Margarida e Isaac Urt, ele também brincou nas ruas de terra da 14 de Março, onde nasceu e cresceu, ao lado dos irmãos Márcio, hoje pecuarista em Campo Grande, e da irmã Marta, que se casou e foi morar nos Estados Unidos. Dos EUA e outros tantos pontos onde existam parentes e admiradores de Álvaro agora chegam, via facebook, centenas de saudações ao único ladarense eleito nas disputas para prefeito em Mato Grosso do Sul. Pela coligação União, Respeito e Trabalho (DEM, PMN, PEN), Álvaro apresentou um plano de governo que pretende transformar Bandeirantes em uma das principais cidades do Estado em qualidade de vida e desenvolvimento sócio-econômico. 

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

MPF e MPT garantem reforma do barco Guató

Barco Guató no porto de Corumbá, reformado, antes da viagem reinaugural
O barco Guató zarpou para a ilha Insua, norte do Pantanal, a 350 km da área urbana de Corumbá, em uma viagem de 36 horas, sem pressa, pelas águas modorrentas do rio Paraguai. Houve tempos em que esse trajeto colocava em risco a vida dos chamados índios canoeiros do Pantanal: em condições precárias, com um buraco no casco, eles passavam a viagem inteira tirando a água que invadia o velho barco. Neste dia 12 de agosto, reformado após passar quatro meses no estaleiro, o barco Guató navegou sem medo. “Graças ao Ministério Público reformamos nosso barco”, disse o cacique Severo Ferreira, enquanto ajeitava os últimos carregamentos antes da viagem “reinaugural” do revitalizado Guató.
De fato, uma ação do Ministério Público Federal (MPF), com recursos financeiros do Ministério Público do Trabalho (MPT), garantiu a reforma do barco que pertence à etnia há mais de duas décadas. “Foi a primeira reforma do barco que ganhamos há 23 anos”, acrescentou Dalva, mulher do cacique. 
Doado aos indígenas pela Miserium, organização não-governamenal alemã, em 1993, a embarcação navegava em condições precárias pelo rio Paraguai. Por falta de manutenção, um furo no casco fazia o porão inundar durante as viagens até a aldeia. O barco ficou meses atracado no porto de Corumbá enquanto aguardava a liberação da verba para entrar no estaleiro. “Estava muito cada vez mais arriscada nossa viagem de ida e volta até a ilha”, comentou Dalva.
Os recursos para a reforma saíram em nome da Associação Guatós de Indígenas Canoeiros do Pantanal, que precisou abrir uma conta na agência do Banco do Brasil. O orçamento da reforma ficou em R$ 130 mil, quantia repassada pelo MPT. Recursos provenientes de multas aplicadas pelo MPT em ações de combate à ilegalidade trabalhista.
O barco serve para transportar indígenas das 45 famílias guatós que habitam a ilha Insua, além de mercadorias. A embarcação foi projetada para navegar com dez pessoas, mas para atender as necessidades dos indígenas foi ampliado, além de receber um motor WM 4 cilindros mais potente, doado pelo governo do Estado há dez anos.
O cacique Severo e sua esposa Dalva, evangélicos, comandam a aldeia Uberaba, onde um dos dezesseis filhos do casal, Zaqueu, é professor. Uma das filhas mora em uma casa da família no bairro Cristo Redentor, reduto de outros guatós que, urbanizados, preferem viver na cidade. Na ilha de Insua, duas centenas deles vivem em comunidade, mas em casas separadas, com uma escola municipal e uma igreja evangélica. Comem o que plantam e colhem, mas também recebem cestas básicas do governo.
Severo e Dalva completam neste ano 50 anos de casados. Integrante do Conselho Municipal Indígena, em 2015 Dalva prestou depoimento à Comissão da Verdade, instalada para apurar crimes no período da ditadura militar. Os guatós vivem em uma área muito inferior à que habitavam originalmente, antes da chegada dos colonizadores, por isso consideram legítima qualquer manifestação para a ampliação do território.

Projeto da UFRJ quer manter viva a língua guató

Cacique Severo e Dalva com os netos no barco Guató
A língua tem sido muito importante para fortalecer a cultura, a formação da identidade indígena e a reconquista de territórios dominados. Por sorte os guatós ganham parceiros para tentar manter viva sua língua, ameaçada de extinção. Nesta primeira viagem do barco reformado seguiu a professora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Adriana Viana Paravisine, participante de uma oficina de ensino da língua guató em São Lourenço, já no rio Cuiabá, no vizinho Mato Grosso, onde vive outra comunidade guató. A oficina faz parte de um projeto da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), criado pela professora Bruna Fracetto. Mato Grosso do Sul possui a segunda maior população indígena do País, depois do Amazonas. Nas duas aldeias da cidade de Japorã, fronteira com o Paraguai, a 480 km de Campo Grande, capital de MS, 60% da população – 4.500 pessoas - pertencem às etnias guarani-nandeva e guarani-kaiowá, e nas quatro escolas indígenas as aulas são ministradas em português e guarani. La, o coordenador pedagógico da rede municipal de ensino é o professor Joaquim Adiala, que pertence à etnia guarani.

Etnia habita ilha ao lado de batalhão do Exército

Professora Adriana participa de projeto da língua guató 
Os guatós são focalizados no documentário "500 almas", do diretor Joel Pizzini, de 2005. Eles perderam suas terras e foram considerados equivocadamente extintos nos anos 70, até serem redescobertos por uma freira salesiana em Corumbá, e em 1998 tiveram território demarcado pela Funai na ilha Insua. Na aldeia funciona a Escola Municipal Indígena João Quirino, nome em homenagem ao líder guató que morreu aos 116 anos de idade. Historiadores e memorialistas registram a presença da etnia guató em terras de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso desde o século XVI. Assim como outras etnias, os guatós foram expulsos de suas terras, ocupadas por fazendas de gado, que avançaram na região a partir de 1940. A aldeia Uberaba hoje ocupa 10.900 hectares, que agora dividem com um batalhão do Exército, no Pantanal norte, fronteira com a Bolívia. Pontos de honra para a etnia guató são o trabalho artesanal com o uso de madeira e talos de camalote (aguapé), vegetação nativa do rio Paraguai, e a construção de canoas de um pau só, ou seja, esculpidas em um tronco de árvore – tanto é assim que ficaram conhecidos como “os últimos índios canoeiros do Pantanal”.





segunda-feira, 11 de julho de 2016

Família Urt: 103 anos em Ladário

As duas meninas da frente, sentadas: Helô e Malu; mais acima, sentada,
Margareth, e mais atrás Zezinho; sentados, Maria Assad e Jamil Urt; ao
lado, Rosângela e mais atrás Jamilzinho. Na fileira de trás, em pé, estão
o casal Octavio, com Nelson no colo, e Beia, Biga, Lila, Naná, Myrtes
e o casal Edith e Heldo Delvizio, com João Bosco no colo. Ao fundo,
estão os casais Demétrio, com Tantino no colo, e Edith; Bebé e Izel;
Railda e Vitor, com Rosinha no colo (Arquivo Família Urt)
O navio vapor Venuz aportou no rio Paraguai trazendo os pioneiros da família Urt. Exatamente no dia 28 de junho de 1913 os irmãos Jamil, Isaac, Abdo e Isaías carimbavam seus passaportes de chegada a Ladário, que adotaram como novo lar. São 103 anos de um desembarque que definiu a trajetória de mais de uma centena de pessoas que hoje carregam e honram este sobrenome, formaram suas famílias, construíram suas histórias. Vieram de Jerusalém, da nação Palestina, eram filhos de Nakle Urt e Almaza Baranke Urt. Em Ladário Jamil se uniu a Maria Assad, enquanto Isaac se casou com a irmã dela, Margarida Assad. Igualmente descendentes árabes, os Assad vieram do Líbano, que por sinal abriga hoje o grande contingente de imigrantes palestinos refugiados após a ocupação do Estado da Palestina por Israel. Os casais Urt-Assad formaram a base de quatro gerações e mais de uma centena de descendentes espalhados por Ladário, Corumbá, Campo Grande, Campinas, São Paulo, Rio de Janeiro, Maranhão, por todo o País.  A imagem desta página mostra o ramo de três gerações dos Urt formado pela união entre Jamil e Maria. Neste aniversário de 103 anos da chegada da família Urt, é o momento em que todos nós, espiritualmente unidos, agradecemos por todas as benções que nos são concedidas do céu e da terra, pelas mãos de Deus. Parabéns aos que se foram e deixaram saudade, aos que ficam e ainda escrevem a sua história, e aos muitos que ainda virão para preencher de luz, justiça e honestidade o futuro da nossa linhagem. Sim, a cultura árabe permanece viva em nossos corações. E para celebrar esta data nada melhor do que uma canção da libanesa Tania Kassis, uma ativista pelos direitos humanos no Líbano e nos países do Oriente Médio.
ttps://www.youtube.com/watch?v=toXZrXqmCE0




terça-feira, 10 de maio de 2016

Como fotografar uma onça-pintada

Onça-pintada será tema de um dos livros de Araquém Alcântara
Engana-se quem imagina que Araquém Alcântara não tem medo de onça-pintada. O maior fotógrafo de natureza do País, de 64 anos, confessa que sempre fica trêmulo quando vê o felino, mesmo mantendo uma certa distância. A potente lente de sua câmera digital de 800 milimetros faz com que a fera fique bem próxima, parece estar a poucos metros do fotógrafo, e aí vem o medo. Foi o que sentiu em dezembro de 2015, quando esteve no Pantanal da Serra do Amolar capturando imagens para seu novo livro.
“Foi uma conspiração do destino, se tivesse saído na hora certa teria perdido ela”, diz. “Era para eu sair às cinco da manhã, mas o carro quebrou e só consegui sair às oito e meia, e dali a quinhentos metros da porteira lá estava ela, no capão, eu não tinha visto ela mas ela tinha me visto, estava me espreitando enquanto eu, distraído, fotografava uma arapuã (ave pantaneira cantante parecida a uma galinha de angola)”.
Araquém estava no chão, afastado do carro, e foi avisado pelo seu amigo e assistente Leonello Concha, engenheiro e fotógrafo paulista. “Ela estava parada, com água até a canela, olhando pra mim. E eu olhando pro lado. Com medo total. E os caras lá em cima conversando. Eu estava no chão”. Passado o susto, Araquém disparou a câmera e armazenou as imagens da onça-pintada do capão neste que chamou de “grande encontro” no segundo dia de viagem, em dezembro passado. A imagem ilustra esta reportagem e vai estar no próximo livro, Pantanal do Amolar, patrocinado pelo Instituto Homem Pantaneiro (IHP), gestor da Rede de Proteção e Conservação da Serra do Amolar. O livro fica pronto dentro de três anos. “A presença de uma figura enigmática como Araquém projeta para todo o País a riqueza do Pantanal do Amolar, e nos ajuda no importante trabalho de preservação", destaca o presidente do IHP, Angelo Rabelo.
De volta a Corumbá para coordenar um workshop para profissionais e amantes da fotografia, de 20 a 27 de maio no Pantanal da Serra do Amolar, Araquém passou pela sede do IHP nesta segunda-feira, 9 de maio de 2016. Ele ainda sofre muito com o calor de Corumbá, e está sempre em mãos com uma toalhinha para enxugar as gotas de suor que pingam como cachoeira pela testa. Sabe, porém, que o calor e os mosquitos do Pantanal são um preço irrisório diante do espetáculo de vida proporcionado pela natureza. “Além da Serra do Amolar, um mundo macro do Pantanal, vou percorrer outros pantanais (ao todo, são onze), passando pela Nheolândia, o Paiaguás. São fisionomias geográficas diferentes. O Pantanal da Nhecolândia, visto de cima, é um negócio de doido”, exulta o fotógrafo. “São lagoas redondas, finas, com cores diferentes, às vezes tem areia e capões, parecem olhos d’água”.

Araquém e seu livro no Porto Geral de Corumbá
Em busca da Sussuarana, a onça vermelha, no Paiaguás

O Pantanal do Paiaguás, conta Araquém, é a terra da sussuarana, que possui o pelo com tonalidade marrom avermelhada. “É a felis concolor, conhecida como a onça vermelha, é um bicho lindo, parece um leão”, conta Araquém, revelando conhecimento sobre os nomes científicos das feras que ilustram as páginas de seus livros. Ele também persegue a onça preta, outro animal cada vez mais raro de se encontrar na planície pantaneira. Trata-se da mesma onça pintada, porém com mais pigmentação de melanina.
Tanto fascínio levou Araquém a produzir um livro dedicado às onças, com o título provisório de “Jaguaretê” (em língua tupi-guarani, onça verdadeira), que pretende lançar em 2017. Seu livro mais conhecido é Terra Brasil, editado em 1998, que já vendeu 120 mil exemplares, recorde no País entre as publicações voltadas à natureza.

Gansos selvagens retratados pelas lentes de Araquém Alcântara
Passo a passo para quem quer aprender segredos do mestre

O workshop na Serra do Amolar será o primeiro, por isso Araquém prevê dificuldades durante a capacitação do grupo de fotógrafos, que vão aprender desde as melhores técnicas, até a maneira de se posicionar na mata, equacionar distância, enquanto espera-se a passagem dos bichos. É o passo a passo para quem pretende, por exemplo, fotografar uma onça-pintada tão bem quanto Araquém. Não custa tentar. Ela pode demorar a aparecer. E quando aparece é preciso controlar a emoção e o medo, para o dedo não tremer.
Para este workshop havia apenas oito vagas, ao preço de R$ 9.800 para fotógrafos de outros Estados e R$ 8.000 para os locais, por uma semana, com direito a acomodação e alimentação. Os custos são sempre muito altos, devido à distância, à locomoção e à logistica, com base em uma pousada no coração do Amolar. “Trata-se de uma imersão na fotografia no Pantanal, um privilégio, uma semana que vale por meses”, acentua Araquém. E para breve ele pretende coordenar em Corumbá uma oficina de dois dias com preços mais acessíveis a iniciantes e profissionais. Afinal, quem ama a fotografia de natureza sonha um dia fotografar ao menos uma inofensiva arapuã.

Serviço: Workshop de Fotografia Araquém Alcântara no Pantanal do Amolar. De 20 a 27 de maio. Inscrições: Terra Brasil Editora, telefone 11-3044-1013, e-mail: araquem1@terra.com.br

Leia mais sobre Araquém Alcântara na reportagem "Olhar amoroso sobre a natureza" no canal Reportagens deste blog: http://nelsonurt.blogspot.com.br/p/reportagens.html















segunda-feira, 4 de abril de 2016

Democracia, golpe, corrupção e o complexo de vira-latas

Aula Pública no Campus Pantanal: momento de reflexão e ação
Imaginem cursar jornalismo nos anos 70, anos de chumbo da ditadura, quando o jornalista Vladimir Herzog acabava de ser assassinado nos porões do DOI-Codi, aparelho de repressão militar em São Paulo, e a censura ditava a lei da mordaça aos meios de comunicação e universitários. Tempos proibidos a Marx, Engels e a qualquer outro nome da esquerda, enquanto a disciplina de Geopolítica versava apenas sobre as suntuosas obras da ditadura para garantir o “milagre brasileiro” em um currículo totalmente esvaziado. Fazer faculdade do faz-de-conta era, no mínimo, um chute no saco (quando não se era preso e torturado). Passei por essa amarga experiência como estudante de jornalismo na Faculdade Cásper Líbero, na avenida Paulista. Época em que o Centro Acadêmico era um razoável ponto de resistência, pois ali pelo menos poderíamos tocar e cantar Chico Buarque e outros da MPB. Em 1978 participei da greve dos jornalistas e de piquetes na porta da Folha de S.Paulo, na tentativa de barrar a saída dos jornais para as bancas. Inútil, havia muitos fura-greves a serviço dos patrões. As assembléias da categoria eram realizadas não no sindicato na rua Rego Freitas, mas diante do altar da Igreja da Consolação – território neutro, onde estaríamos protegidos de uma provável repressão militar. Mais da metade da categoria perdeu o emprego, como retaliação das empresas - e eu fui um deles. Mas a greve serviu como um divisor de águas para colocar de um lado os jornalistas de princípios éticos e coletivos, e aqueles que posavam como jornalistas mas eram apenas marionetes nas mãos da chamada imprensa-empresa.
Quatro décadas depois, eis-me aqui neste auditório do Campus Pantanal UFMS, superlotado de estudantes e professores que respiram os bons ventos da liberdade e da democracia nesta Aula Pública. Que façamos bom proveito. Podemos e devemos, sim, com certeza e bons propósitos, ler e discutir Marx e Engels, exercer nossos direitos sem sermos taxados de subversivos. Discutir a verdadeira geopolítica, a sociologia, a filosofia, a antropologia, reconstruir e cobrir a história com um espírito isento e crítico.
Neste emblemático e de triste memória 31 de março, manchado pelo golpe de 1964 que nos amordaçou durante 21 anos, nada melhor do que repetir de alto e bom som que “este erro não queremos repetir”. Sobram motivos, e eles foram perfilados durante a  Aula Pública “Geopolitica Global e a Crise no Brasil: um convite à reflexão”, encabeçada no Campus Pantanal UFMS pelas mentes brilhantes dos professores Elisa Freitas (Geografia), Fabricio Santiago (Filosofia) e Ahmad Schabib (História).

Eis algumas das reflexões colocadas pelo professor Ahmad Schabib, do curso de História:

“A  gente tem que ver a historia sem preconceito, tem de ter grandeza da alma, tem de perder esse jeito vira-lata de ser.” ( A frase "complexo de vira-latas", cunhada pelo jornalista, dramaturgo e escritor Nelson Rodrigues, referia-se à baixa auto-estima do povo brasileiro, que se sente inferior aos demais povos, principalmente europeus e norte-americanos. “O brasileiro (...) cospe na própria imagem”, afirmou Nelson.

“Dizem que o capitalismo deu certo, mas deu certo para menos de 1% da humanidade, o resto foi navio negreiro, foi assim que eles fizeram dinheiro, levando a batata andina que virou batata inglesa, levando chocolate asteca que virou chocolate suíço. Então , o capitalismo vive da roubalheira. Essa operação lava-jato poderia ter sido denotada muito tempo antes”. (A esse respeito, a professora Elisa Freitas, doutora em Geografia Humana pela USP, afirma que o PT (Partido dos Trabalhadores) errou ao não trocar a diretoria da Petrobras herdada do governo FHC, diante dos indícios de corrupção; e “o abacaxi caiu no colo da Dilma”, concluiu.

“Quando ficaram sabendo que FHC (ex-presidente Fernando Henrique Cardoso) havia recebido 7 milhões de dólares de algumas empreiteiras antes do final do mandato, quando já havia criado o Instituto FHC, disseram: “deixe o velhinho trabalhar, deixa o velhinho sobreviver”. Isso foi dito por um jornalista”.

“Esses dois (Karl Marx e Friedrich Engels, autores do Manifesto Comunista)  em 1848 falaram o óbvio que até então ninguém tinha falado, que a sociedade se constitui de classes, que tem um lado de quem está por cima da carne seca e tem o lado de quem nem tem a carne seca, sua própria carne é seca, já nos ossos.”

“A luta de classes se dá por interesses antagônicos. Se uma determinada classe tem uma maneira de enxergar a vida, as outras que estão na outra  ponta têm legítimos interesses pelos quais tem de lutar, é a assim que a humanidade vai se superando. Parece chavão, mas na história não há marcha-ré”.

“O presidente da OAB jurava que em 1964 não era golpe. Tivemos 21 anos para ele se desmentir. Não temos o direito de repetir esse erro. Mas não vai ser com militares, não. O golpe hoje é unicamente pelo judiciário. E pelo aparelho policial. Eles estão passando para todos os países que consideram democráticos, entre aspas, um modelo de policia independente. Banco central independente. Sabem o que vai virar o presidente? Um gerente. Eles não querem um presidente estadista, querem presidente gestor.”

Auditóriaofoi pequeno para receber estudantes e profesores
“O maior inimigo dos Estados Unidos não é ideológico mas a questão econômica. Estão em pleno declínio.  Capitalismo vive da crise, da guerra e do roubo. Cria-se estratégia para desovar material obsoleto. Pólvora já não faz parte da estratégia. Espectro global é a estratégia. Se faz através da mídia golpista, que é sonegadora e não paga impostos”.
“Nossa elite tem vergonha de ser brasileira, de conviver no mesmo espaço com o povo brasileiro. Ela só se realiza quando faz papel de agregada da metrópole na Europa e agora nos Estados Unidos.”

“Leiam mais e sejam seletivos. Escolham o que é bom para a formação de vocês, sejam protagonistas. É importante ter orgulho de ser brasileiro, ser latino americano e de viver em uma sociedade miscigenada, mesclada. Por que essa historia de querer ter pedigree? Deixa isso para os pets, porque não somos pet, somos gente, e como gente somos exigentes”

“Além da reflexão, é preciso ação. Tenham orgulho desse país continente, a grande democracia está aqui e agora. Não a deixem ser estuprada.”

Leia no canal Artigos o comentário da professora Elisa de Freitas, doutora em Geografia Humana pela USP, "Geopolitica global e a crise no Brasil".







sexta-feira, 4 de março de 2016

A escola desfigurada: currículo pobre para pobres

Professor Libâneo critica o "empurrãozinho" e a desigualdade social
Em palestra na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS Campus Pantanal, em Corumbá, o filósofo, professor universitário da PUC de Goiás e doutor em Educação, José Carlos Libâneo, de 70 anos, denunciou “o ensino pobre para os pobres”, uma escola descaracterizada, voltada para a empregabilidade e o consumo, norteada pelo pensamento neo-liberal, com currículo desfigurado e centralizado por uma entidade: o Banco Mundial. “Proponho uma escola para formação cultural e científica, baseada no conhecimento e no desenvolvimento cognitivo, afetivo e moral dos alunos, articulada com a diversidade social e cultural dos alunos”, afirmou o professor no auditório lotado do anfiteatro Salomão Baruki. Veja os principais trechos da palestra:

"Estão descaracterizando o papel da escola"

Bom ensino é aquele que promove e amplia o desenvolvimento das capacidades intelectuais dos alunos, como afirmou Vygotsky (psicólogo bielo-russo). Fazendo isso se consegue desenvolver a capacidade dos alunos. Não quero ser mal-entendido quando digo que a missão pedagógica da escola não pode ser suplantada pela missão social, porque a missão social tem de ser atendida não só pela escola, mas por outras estâncias da sociedade. Hoje estão juntando tudo na escola e descaracterizando o papel da escola.
Se você ler as diretrizes do programa Mais Educação, lá está escrito que a escola precisa responder a uma multiplicidade de funções, é uma escola que visa a prevenção e o remediamento de conflitos sociais. A isso Antonio Nova chama de “escola transbordante’, onde acontece de tudo, menos o trabalho sério dos conteúdos escolares. Há a desfiguração do espaço escolar, da capacidade cognitiva, e com isso a escola perde sua identidade, os professores ficam inseguros.

"Desigualdade é fruto da injustiça social"

Quero esclarecer as criticas que estou fazendo a esse currículo de ações socioeducativa, também chamada de Mais Educação, essa tese de que o papel do sistema educacional é prioritariamente atender a diversidade social. De fato, o reconhecimento da diversidade social representae um avanço no campo da educação, é o primeiro princípio da inclusão social.Também e fato que todos somos iguais, mas todos são diferentes, a diferença é constitutiva, não é excepcionalidade, é uma característica concreta dos seres humanos,e eu não posso ensinar sem levar em conta a diversidade humana.
Mas não podemos valorizar a diversidade ao ponto de deixar de lado as desigualdades sociais. Diversidade e desigualdade social não é são a mesma coisa. Desigualdade não ocorre de diferenças culturais, ela é fruto da injustiça social. Para eu respeitar a igualdade eu preciso assegurar o direito ao acesso ao conhecimento como condição de inserir a criança no mundo do trabalho, da cultura, da política. O problema é que política educacional com práticas voltadas apenas a diversidade podem esta escondendo as desigualdades sociais.

Na igualdade social está o direito das crianças e jovens ao acesso ao conhecimento e ao desenvolvimento de seus processos psíquicos superiores, como diz Vigotsky.

Palestra lotou o anfiteatro do Campus Pantanal
"Estaremos discriminando os pobres com ensino tolerante"

É freqüente ouvir pessoas dizendo que as crianças pobres são diferentes, tem suas culturas, características sociais, elas precisam de um ensino diferenciado, ou seja, precisam de um “empurrãozinho”. Para atender as diferenças teríamos de fazer um ensino mais facilitado, mais tolerante, compensar carências, botar crianças num turno para educação física, escola de artes e música, é o que dizem. Quem tem esse pensamento acaba estigmatizando a diferença, e com isso pode estar privando os alunos pobres dos direitos que se referem à igualdade. Quando falamos em igualdade, falamos em educação de qualidade.
Então, se a escola for considerada apenas de atendimento à diversidade social e cultural, deixando em segundo plano o direito ao conhecimento e ao desenvolvimento mental, estaremos discriminando os pobres.

"Currículo precário: ensino pobre para pobres"

Estou criticando dois tipos de escola que funcionam assim, em Goiás e São Paulo. Esse modelo de currículo de resultados imediatos, é currículo precário, é o ensino pobre para pobre, é ensino de habilidades práticas, empregabilidade, isso está ocorrendo no mundo todo. Está ocorrendo no Brasil, em países da África.
E quem está por cima dessa reforma do ensino nesses países pobres? É a entidade chamada Banco Mundial. É um currículo frágil, enfraquecido. É como se dissesse: pobre não precisa grande coisa, apenas coisinhas de português, matemática, para melhorar a competência, e para preparar consumidores.
O sistema capitalismo mudou seu sistema de funcionar. Hoje existe muita produção, tecnologia que produz uma imensidão de produtos, que precisam de consumidos. Hoje você tem iogurte de 1,99, para pobres, e de 10 reais. Essa escola que estou descrevendo aqui serve para três coisas:  preparar o menino para uma empregabilidade precária, preparar consumidores e para preparar usuários para as tecnologias digitais.

"Doutrina da Dama de Ferro defende o individual"

Estou propondo uma resistência. O que seria uma escola diferente do que essa que está sendo posta em prática no País? Que tipo de sociedade e que tipo de educação nós queremos? Façam uma reflexão: para que serve a escola? Qual o sentido que as crianças tem indo à escola?
Temos basicamente duas maneiras de ver a sociedade. Uma delas é por meio da competência individual, do papel empreendedor, da concorrência, do ensino individualista. Esta visão de sociedade é muito bem descrita por uma senhora que foi Primeira Ministra da Inglaterra, Margaret Tatcher, chamada de “A Dama de Ferro”, que impôs no país o neo-liberalismo, que é a doutrina que defende o individual, em que as pessoas só querem saber de resolver seu interesse pessoal. “Não existe essa coisa de sociedade, o que há e sempre haverá são indivíduos”, afirmava Tatcher.
Outro projeto é o foco na sociedade, no projeto coletivo, na inclusão, no cidadão participativo, na inclusão de todos, projeto em que você faz um escola que se define como democrática mas no sentindo de possibilitar ensino de qualidade, acesso aos conhecimentos e desenvolvimento das capacidades intelectuais.

"Uma escola para formação cultural e científica"

Proponho, portanto, esse segundo modelo, uma escola para formação cultural e científica, baseada no conhecimento e no desenvolvimento cognitivo, afetivo e moral dos alunos, articulada com a diversidade social e cultural dos alunos.  Não vou desconhecer as condições sociais histórias e concretas dos meninos no seu cotidiano.

Defendo a escolarização igual para sujeitos diferentes. Não podemos separar igualdade diferença. Não podemos privilegiar diferença em prejuízo da igualdade, porque isso é praticar injustiça. Porque Paulo é diference ele tem de ter ensino ruim, fraco? Precisamps promover interfaces pedagógicas e as formas do conhecimento local e cotidiano. Relação dos conhecimentos científico, da escola, e conhecimento do cotidiano que as crianças trazem da sua situação de vida. Concluo afirmando que nosso trabalho, como professores, é um caminho de duplo movimento. Conhecimentos históricos das crianças, da experiência cotidiana, devem ser retrabalhados pelas professores na escolas e, dessa forma, os alunos retornam às suas práticas culturais com compreensão ampliada.

Bibliografia: mais detalhes sobre o pensamento do professor José Carlos Libâneo estão publicados nos seus principais livros, “Democratização da Escola Pública – A Pedagogia Crítico-social dos Conteúdos”, “Didática” e “Pedagogia e Pedagogos, para quê?”




quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Até a crise 'dançou' no Carnaval de Corumbá

Bloco dos Palhaços fechou desfiles do Carnaval de Corumbá
Vejam que frase memorável, digna de intensas reflexões: “a identidade de Mato Grosso do Sul está em Corumbá”. Ela foi dita pelo secretário de Estado do Turismo, Nelson Cintra, no camarote da imprensa, durante o desfile do Grupo Especial do Carnaval corumbaense. Trata-se de um reconhecimento histórico. Cintra lembrou que a divisão do Estado trouxe enormes prejuízos e nos roubou a identidade, agora resgatada por Corumbá. Entendo o recado que Cintra quis passar: Corumbá dá a resposta em nome de todo o Mato Grosso do Sul. Hoje a cidade representa a fina flor da cultura sul-mato-grossense, não só por organizar o melhor Carnaval do Estado. Muitos corumbaenses ainda não acreditam nesse potencial, mas isso virá com o tempo. Desafiando a fria lógica dos números e da economia, que tirou o Carnaval oficial de 33 cidades do Estado, Corumbá decidiu bancar investimentos em um dos seus maiores produtos culturais, apelou para a iniciativa privada, e apostou certo. E o que é o Carnaval senão a maior manifestação cultural brasileira, ao lado do futebol? 
Hélènemarie Fernandes: luxo na avenida e alta no turismo
O balanço do Observatório de Turismo, que será anunciado pela Fundação de Turismo, vai revelar números amplamente favoráveis. Em primeira mão, posso anunciar um deles: o aumento de 10% de entrada de turistas via aérea, um dos portais pesquisados. Cresceu também o número de turistas paraguaios, argentinos e chilenos, impulsionados pela queda do valor do real diante da moeda deles, sem contar, é claro, o explosivo fluxo de bolivianos, nos hotéis, restaurantes, lojas, em todo o comércio. Outro dado que o Observatório de Turismo vai revelar é que os hotéis tiveram 90% de vagas ocupadas no período de Carnaval. "Estamos avançando e atraindo cada vez mais turistas do Centro-Oeste e interior de São Paulo, e no Estado somos imbatíveis", constatou Hélènemarie Fernandes, diretora da Fundação de Turismo de Corumbá, falando do Carnaval.
Tanabi como "a Tia": 40 carnavais
E onde está a crise? Ela, de fato, existe, mas foi devidamente sufocada pelo tratamento adequado dado à cultura e ao turismo. O clima ajudou, choveu pouco, os índices de violência foram reduzidos, os ventos foram tão favoráveis que espalharam alegria por todos os cantos da cidade e até o prefeito Paulo Duarte foi visto sambando ao lado dos garis da limpeza pública, a turismóloga Hélènemarie brilhou na ala das baianas da Vila Mamona e o gestor de cultura José Antonio Garcia, o Tanabi, cumpriu a tradição de levar para o bloco Cibalena seu maior personagem, "a Tia". Enfim, tudo é Carnaval, tudo é cultural. Só mesmo as mentes dualistas ou fundamentalistas ainda insistem em enxergar nestes dias de folia dionisíaca a face diabólica do mal, escondida atrás das máscaras de pierrôs, arlequins e colombinas no Bloco dos Palhaços - e palhacinhos. E aí eu pergunto: se tudo isso é o mal, onde estará o bem? 





segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Desmatam (e matam) o Pantanal para plantar soja

Árvores transformadas em gravetos entre Miranda e Corumbá
Preferia publicar neste blog a imagem de uma onça parda que cruzou meu caminho – ou eu é quem cruzei o dela? – na BR-262, a caminho de Corumbá. Ou de um servo pantaneiro, de uma capivara, de um quati que também vi com vida à beira da rodovia. Mas o que tenho para mostrar a vocês é a imagem da indignação, do espanto, da ameaça, do perigo, da degradação do meio ambiente. É a imagem do desmatamento do Pantanal, não muito longe de Corumbá, no limite com a região de Miranda, à beira da BR-262. Imagens de um Pantanal ferido pela roda de tratores e pelas lâminas das motosserras que trituram as árvores sem piedade. Preparam o terreno para a plantação de soja. E soja transgênica, conforme me garantiu a bióloga Débora Calheiros, da Embrapa de Cuiabá. Devastaram a Mata Atlântica de São Paulo e agora se voltam para o Pantanal. Liberada inescrupulosamente pelos órgãos federais de fiscalização, a soja transgênica traz malefícios para o organismo do ser humano – câncer, por exemplo - e provoca o desequilíbrio do meio ambiente. Isso sem contar que está sendo plantada na maior planície alagável do mundo, reconhecida pela Unesco como Patrimônio Natural Mundial e Reserva da Biosfera, uma área que legalmente seria intocável. As fazendas de gado instaladas há dois séculos no Pantanal fazem parte do seu cenário e equilíbrio ambiental, conforme asseguram pesquisadores da Embrapa, mas liberar essa imensa riqueza natural para o avanço da soja chega a ser um ato desumano, insensato, que fere qualquer tipo de acordo
Ferida no Pantanal é aberta para plantio de soja
feito em defesa da sustentabilidade do Pantanal. Ato de descompromisso e negligência com qualquer pacto que se tenha feito em nome da preservação do bioma pantaneiro. Se o desmatamento não for detido agora, o que veremos em breve é um Pantanal totalmente coberto por plantações, com o fim da vegetação nativa e de todos os animais que nela habitam. E que não venham mais falar em preservação da onça-pintada enquanto o governo federal continuar liberando áreas pantaneiras para plantio de soja transgênica. A triste verdade, caros amigos, é que o projeto para transformar a BR-262 em uma “rodovia ecológica”, com velocidade máxima de 100 km por hora e cercas de proteção para os animais, foi sorrateiramente engavetado. Falta comprometimento com a preservação do meio ambiente. E as futuras gerações, nossos filhos e netos, estão condenados a ver apenas réplicas de animais empalhados em museus e algumas reservas de vegetação natural para saber o que havia no passado. Esse é um desastre anunciado tão grave quanto o de Mariana. Só que ele ocorre devagarinho, paulatinamente, na calada da noite, sem que possamos perceber. A onça parda que cruzou o meu caminho – ou fui eu quem cruzou o dela? - na BR-262 sobreviveu – eu corria a menos de 100 km por hora, brequei a tempo de contemplar por segundos o seu passeio pela noite até que desaparecesse na mata. Mas vi muitos corpos estendidos de animais mortos ao longo do percurso entre Campo Grande e Corumbá. E também vi longas feridas provocadas pelo desmatamento do Pantanal. Quantos animais ainda precisarão morrer, quantas árvores precisarão ser derrubadas para que o Pantanal mereça ser olhado com o respeito pelo que representa para a humanidade? Lembro-me que mentes insanas tentaram liberar a instalação de usinas sucroalcooleiras e plantação de cana no Pantanal. Manifestações e até o ato extremo de um ambientalista, que se matou ateando fogo no corpo em Campo Grande, forçaram o veto ao projeto e impediram a degradação.  Agora, o Ministério Público Federal deve agir rápido para evitar o avanço desse crime ambiental de lesa patrimônio. É um caso sério de Justiça.

NOTA DE RODAPÉ - Mais de 90% dos 31 milhões de hectares cultivados com soja no Brasil utilizam sementes de plantas geneticamente modificadas (transgênicos) para a resistência ao herbicida glifosato, conforme informações da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), do Ministério da Agricultura. Pesquisas recentes feitas por cientistas independentes e responsáveis revelam que o glifosato é usado para matar ervas daninhas, mas provoca danos aos alimentos produzidos e à saúde dos consumidores. O comércio e plantio de sementes transgênicas estão liberados no Brasil desde 2005.