terça-feira, 20 de novembro de 2018

Dia da Consciência Negra (e das nossas quilombolas)


Quilombolas expressam historicamente a cultura afrodescendente
Nelson Urt

Neste 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, entramos na nave da História para lembrar que hoje também é dia das quilombolas. Elas representam nosso elo com a cultura afrodescendente e a herança deixada pelo sistema escravocrata. Corumbá é o segundo município de Mato Grosso do Sul com maior número de comunidades quilombolas. São três comunidades, todas na ali na região portuária, onde poucos costumam descer: Família Ozório, Família Maria Theodora Gonçalves de Paula e Campos Correia. Visitei uma delas, a Família Ozório, em reportagem para o jornal O Estado, de Campo Grande, e constatei a dedicação dos moradores à lavoura – e as plantações à beira do rio Paraguai – e o respeito entre eles, quase todos ligados a um mesmo tronco familiar, descendentes do patriarca Ozório, que migrou do norte mato-grossense para aqui fincar raízes. São descendentes de antigos escravizados, que conquistaram reconhecimento oficial por meio da quilombola, um pedaço de terra à beira do rio onde podem criar seus filhos e transmitir a eles seus valores culturais. Até bem pouco tempo Corumbá (leia-se a elite corumbaense) resistia em aceitar sua ligação com o sistema escravocrata, virando as costas e os olhos para a história. Mas graças ao empenho da comunidade negra – o poeta Benedito C.G.Lima e a presidente do Instituto da Mulher Negra, Ednir de Paulo à frente, entre outros – a realidade foi colocada a limpo e as reivindicações quilombolas aceitas. Pesquisadores como as professoras corumbaenses da UFMS Elaine Cancian e Maria Brazil foram igualmente importantes para este reconhecimento, contribuindo com a elaboração do conteúdo histórico de uma sala que trata exclusivamente do sistema escravocrata em Corumbá inaugurada neste 2018 no Museu de História do Pantanal (Muhpan).

Mapa do MPF - Nioaque é o município com o maior número de comunidades quilombolas em Mato Grosso do Sul. São quatro: Família Cardoso, Famílias Araújo e Ribeiro, Família Romano Martins da Conceição e Família Bulhões. Em terceiro lugar está a capital Campo Grande, com duas comunidades:  Tia Eva (São Benedito) e Chácara do Buriti. As outras nove comunidades estão espalhadas por nove municípios, de norte a sul de Mato Grosso do Sul. Estas e outras informações sobre as comunidades quilombolas de MS, incluindo os procedimentos que tramitam no Ministério Público Federal (MPF), podem ser encontradas no mapa interativo disponibilizado pelo órgão ministerial neste 20 de novembro, Dia da Consciência Negra. Acesse o mapa pelo endereço: www.mpf.mp.br/ms/quilombolas


quinta-feira, 15 de novembro de 2018

MPF pede urgência na restauração do ILA deteriorado


Prédio do ILA, de 170 anos, em estado de alerta
Nelson Urt
Em setembro, na semana de aniversário de 240 anos de Corumbá, visitei o prédio do Instituto Luiz Albuquerque (ILA) e constatei o estado precário das instalações e do acervo de peças e livros da Biblioteca Municipal Lobivar Matos e do Museu Regional do Pantanal. Na reportagem para o Diário Corumbaense relatei que o mofo provocado por infiltrações, a deterioração do piso de madeira, do teto e telhados colocam em risco a estrutura do prédio de 170 anos, tombado desde 2007 pelo Governo do Estado.
O prédio não dispõe de um sistema de prevenção contra incêndio, e há uma considerável quantidade de material de combustão lá dentro. Não é climatizado. As janelas precisam permanecer abertas para manter a circulação de ar. Não há guarda municipal durante as madrugadas. Enfim, um patrimônio transformado em barril de pólvora a poucos metros da Praça da República.
A fragilidade do ILA  coloca a comunidade acadêmica, científica, educacional e cultural em alerta neste ano em que um incêndio transformou em cinzas grande parte dos 20 milhões de itens do acerco de cinco sécul0s do Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro.
Nesta quinta, 15 de novembro, feriado da Proclamação da República, o
Ministério Público Federal (MPF) em Corumbá ajuizou Ação Civil Pública, com pedido de liminar, para que o Governo de Mato Grosso do Sul e a Prefeitura de Corumbá, com supervisão da União, elaborem diagnóstico das falhas estruturais com indicações de medidas emergenciais de correção para a manutenção do ILA.
Como outra medida de urgência, também foi solicitado que o Município de Corumbá elabore relatórios sobre o atual sistema de alarme de incêndio, aliado a um plano de combate ao fogo, que deverá ser supervisionado pelo Governo do Estado por meio do Corpo de Bombeiros Militar. Este, junto da União e do Município, também deverá apresentar um plano de risco sobre o ILA.
Como forma de preservar a integridade dos bens culturais, o MPF também pediu a restrição da exposição das peças, para que não haja qualquer risco à deterioração dos objetos por parte de pessoas desautorizadas e pelo público externo. Tais medidas deverão ter início dentro do prazo de 30 dias, a partir da intimação.
Dentre os pedidos definitivos da ACP estão a elaboração, por parte do Município, Estado e União, de um Plano de Gestão de Conservação do ILA, com medidas de intervenções futuras, e também a instauração de Planos de Pânico e Incêndio.
Outro pedido é o de início da restauração do prédio por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), no programa de Cidades Históricas, com repasse de verbas pela União e a execução das obras pelo Município e Estado.
Também foi solicitada a instalação de uma infraestrutura que possibilite o bom aproveitamento da função social do museu e a implementação de práticas de preservação e conservação do patrimônio histórico, por também ser competência do poder público.
Caso não haja o cumprimento das determinações, o MPF solicitou o estabelecimento de multa diária no valor de R$ 5 mil.

Inquérito de 2016 - Um Inquérito Civil Público está aberto desde 2016 para apurar o estado de conservação do ILA após denúncias da imprensa. O prédio foi contemplado pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) Cidades Históricas, mas o MPF constatou que o processo caminha em passos lentos. Para o órgão ministerial, o ritmo conduzido pelos órgãos envolvidos no processo é “incompatível com as medidas necessárias para a preservação, conservação e manutenção do patrimônio histórico”, o que requer medidas de caráter urgente.
Após vistorias feitas pela Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul e pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o MPF promoveu visita técnica ao Instituto, diagnosticando problemas ligados à má preservação do prédio. Desde infiltrações, bolor e deterioração do madeiramento, apodrecimento de janelas e assoalhos, até a presença de pragas e cupins, ocasionados pela falta da manutenção adequada. Segundo o relatório de visita, os acervos culturais permaneciam no prédio, expostos aos riscos provocados pela estrutura fragilizada.
O Instituto Luiz Albuquerque guarda um acervo de mais de 40 mil exemplares de livros e acervos originários do Museu Regional do Pantanal e da Biblioteca Municipal Lobivar Matos. Para o MPF, “trata-se de área portadora de referência à identidade, à ação e à memória de grupos formadores da sociedade brasileira, incumbindo ao Poder Público promover a sua proteção.” (Fonte: Assessoria de Comunicação do MPF)

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

'Passa na praça que a arte te abraça' ganha livro


Livro celebra dez anos do projeto que reúne poetas na praça em Corumbá
Nelson Urt 
Eram quase onze quando subi a XV de Novembro no meu Tipo 94 vermelho bordô ao lado do poeta e ativista cultural Benedito C.G.Lima, um amigo desde os anos dourados do Colégio Estadual Maria Leite da década de 1960. Acabávamos de participar, na Casa de Cultura Dr. Gabi, do lançamento da antologia poética Passa na Praça que a Arte te Abraça (Editora Versejar), reunindo obras de dez poetas, com organização de C.G.Lima. Mais uma obra latejante para impulsionar a cena cultural corumbaense, que tem como referência a trinca de escritores Manoel de Barros, Lobivar Matos e Pedro de Medeiros. Como já foi dito aqui, Benedito C.G.Lima é um incansável caçador de talentos, em busca de novos Barros, Matos e Medeiros, poetas que foram conterrâneos e construíram seus primeiros versos na Corumbá dos anos 1930. 
Encontro de poetas na Casa de Cultura Dr.Gabi
Esta coletânea reúne obras de dez poetas: Vivi Mendez, Mirian Bastos, Alice Maria, Odair Marquez, Jorge Lima, Gersony Cerqueira, Jane Baruki, Cidinha Lima, Luiz Curi e Benedito C.G. Lima. A pintura de capa é do artista plástico e poeta Jamil Canavarros. O segundo volume, com outros dez escritores, deve sair até o final do ano. O livro celebra os dez anos do projeto Passa na Praça que a Arte te Abraça, com encontros aos sábados na Praça da Independência, centro de Corumbá, onde os poetas divulgam seus trabalhos no Varal de Poesias e os artistas plásticos expõem suas obras ao ar livre. E como revelam os versos da poeta argentino-boliviana corumbaense Vivi Mendez: “Numa praça eu quero morar/ e no final dos meus dias cair no seu chão/ sentir a grama verde acariciando as mãos/ quero ser terra,  verme, formiga, pétala em decomposição.”

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Por que tratam o brasileiro como imbecil?


Nelson Urt
A resposta está clara e evidente em A Elite do Atraso – da escravidão à Lava Jato, livro do sociólogo Jessé Souza: os brasileiros se deixaram colonizar por uma concepção racista e arbitrária que os inferioriza e lhes retira a autoestima. E hoje vivem numa sociedade perversa e excludente derivada da escravidão. A imensa maioria dos brasileiros é tratada como “ralé de novos escravos”, à qual pouco se permite o acesso aos bens de consumo. Lançada em 2017, a obra já previa a ascensão da violência fascista derivada da criminalização da esquerda, dos ativistas sociais, das minorias, do negro e do pobre, ódio este que vem produzir e potencializar um candidato à República que congrega a violência em estado puro e ameaça a democracia no País.

A Elite do Atraso, portanto, trata-se de excelente fonte de informação e argumentação para leigos ou estudiosos, para o leitor, o eleitor, o contribuinte, enfim, o cidadão brasileiro ainda disposto a refletir e entender o seu passado, contestar e discutir o seu presente e decidir que caminho tomar para um futuro digno.

A construção de uma elite toda poderosa que habitaria o Estado só existe, na realidade, para que não vejamos a elite real, que está “fora do Estado”, alerta o autor. Combater a corrupção de verdade seria algo como combater a rapina, pela elite do dinheiro, da riqueza social e da capacidade de compra e de poupança de todos nós para proveito dos oligopólios e atravessadores financeiros. “Essa elite nos faz de imbecis, e usa a classe média para reproduzir seu discurso de dominação”, diz.

Diz mais: o “imbecil perfeito” é criado quando ele, o cidadão espoliado, passa a apoiar a venda subfaturada desses recursos a agentes privados imaginando que assim evita a corrupção estatal. Como se a maior corrupção – no sentido de enganar os outros para atingir vantagens ilícitas – não fosse precisamente permitir que uma meia dúzia de super ricos ponha no bolso a riqueza de todos, deixando o resto na miséria.

A corrupção real e a corrupção dos tolos

O autor busca lançar uma luz sobre o que é corrupção real e o que é a corrupção encomendada. A população, tratada como imbecil pelos meios de comunicação, foi convencida de que existe corrupção apenas na política – essa é a “corrupção dos tolos”, e não enxerga a corrupção real, a corrupção no mercado, o problema central, que é a manutenção de uma sociedade desigual.

Nesse aspecto, ele é enfático ao afirmar que a operação Lava Jato é uma farsa e que o controle da informação do País, capitaneado pela Rede Globo, que pauta outros órgãos de comunicação, contribui decisivamente para impedir a formação de sujeitos autônomos e com opinião própria. “O mecanismo principal desse tipo de dominação é uma imprensa desregulada e venal, que vende uma informação e uma interpretação de vida social enviesada pelos interesses do pacto antipopular”, afirma. “Bolsonaro é filho legítimo da Rede Globo e da Lava Jato”, define.

E continua: “A Globo é a roupagem perfeita para um capitalismo selvagem e predatório que chama a si mesmo de emancipador e protetor dos fracos e oprimidos”, acrescenta. “Aqui se chama favela de comunidade, como se com isso a vida prática dessas pessoas pudesse melhorar pela magia da palavra bonita que espelha uma mentira”, diz. Cita a Globo como a emissora eleita para ser parceira da CBF e da FIFA, alvos de uma devassa em negócios escusos durante décadas no futebol.

Lembra que só em uma transação relativa aos direitos de transmissão da Copa de 2002, a Globo teria sonegado, segundo auditoria da Receita Federal, em intrincado esquema de ocultação em paraísos fiscais, R$ 358 milhões ao fisco. “Fica explicado por que esse tipo de corrupção jamais aparece na Globo News”.

Coloca como exemplo de corrupção real a recente operação do governo Temer, “uma marionete da elite do atraso”, que fez o País e a Receita Federal perderem R$ 25 bilhões em decisão suspeita em favor do banco Itaú. “Só nessa operação – diz – carregada de suspeição envolvendo denúncias de venda de votos, o País perdeu 25 vezes mais que o recuperado pela “corrupção dos tolos”  da Lava Jato”.

O autor cita ainda os R$ 520 bilhões em paraísos financeiros, fruto da sonegação fiscal dos milionários, e o fato crônico de termos a maior taxa de juros do planeta há décadas, embutida em tudo o que compramos. Créditos esses que somam 15% do PIB ou R$ 1 trilhão todos os anos, segundo dados do Banco Central. Certamente uma grandeza em torno de 800 ou 900 vezes superior ao montante orgulhosamente recuperado pelos paladinos da justiça da Lava Jato, “a farsa principal da corrupção dos tolos”.

A criminalização da esquerda

A Elite do atraso segue a linha de outros livros publicados anteriormente pelo autor – A tolice da inteligência brasileira e A radiografia do golpe – e descortina de maneira criativa e cortante o papel de nossas elites, denunciando o pacto sedimentado pelos donos do poder para perpetuar uma sociedade excludente e perversa, forjada ainda na escravidão. “Com o cidadão feito de completo imbecil, é fácil convencê-lo de que a Petrobrás, como antro da “corrupção dos tolos”, só dos políticos, tem de ser vendida aos estrangeiros honestos e incorruptíveis que nossa inteligência vira-lata criou e nossa mídia repete em pílulas todos os dias”, conclui.

Trata-se de um livro essencial porque amplia as discussões em torno de uma maior compreensão sobre o Brasil contemporâneo, onde as classes populares são exploradas e reprimidas cada vez mais com maior violência, onde a questão social continua sendo tratada como caso de polícia e a classe média conservadora é usada para reproduzir as ideias do poder dominante. E deixa um ponto de reflexão na democracia em vigor: feliz é aquele que não pertence a essa massa de manobra, a esse Brasil em que uma grande parte da população é tratada como imbecil.






segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Patrimônio histórico vai sumindo, pedra a pedra


Casa de pedra com arquitetura secular em Ladário pode desaparecer
Nelson Urt
O que resta da casa de pedra fica na rua Dom Pedro II, área central de Ladário, coração do Pantanal do Mato Grosso do Sul. Uma casa sendo desmontada. Uma a uma, as pedras vão sendo retiradas das paredes e a casa vai sumindo, curvando-se aos que veem nela apenas mais um imóvel que atravanca o desenvolvimento. Em breve, quem sabe, teremos ali apenas um terreno, pronto para receber uma construção "moderna". Sim, trata-se de um imóvel do século passado ou do XIX, já que estamos falando de uma cidade de 240 anos, um povoado que a Coroa Portuguesa mandou criar em 1778 às margens do rio Paraguai, para defender e ampliar as fronteiras. Patrimônio histórico, dirão historiadores e arqueólogos, rica fonte de pesquisa para o estudo da formação arquitetônica do período colonial ou imperial. Mas aos poucos este pedaço da história vai indo abaixo até desaparecer da paisagem urbana da cidade. Turismólogos viriam nela um ponto de cultura para ser incluído em um roteiro turístico aos visitantes que aqui chegam, ávidos por relíquias do passado, se houvesse um projeto nesse sentido. Com um detalhe inusitado: a casa de pedra está encravada em uma árvore. Outros casarões seculares estão abandonados nessa área central que  pode e deve ser denominada como Centro Histórico de Ladário, e clama por tombamento e restauração. E que não confundam desenvolvimento com crescimento econômico. O desenvolvimento, quando sustentável e socialmente includente, está ligado às raízes da cultura, ao patrimônio histórico e a projetos sociais.

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Audiência ajuda sociedade a tratar migrantes haitianos


Professor haitiano destaca oportunidade de seguir estudos na UFMS 
Nelson Urt

Os haitianos escrevem diferentes roteiros entre nós: dramas, conflitos, superação, racismo, preconceito, sobrevivência, desconfiança. Quase nada falta na vida de um migrante que deixa o seu país para buscar novos sonhos e compromissos em um mundo estranho. Nada que seja privilégio dos haitianos, porque neste momento há milhares de outros migrantes na mesma situação, em outros países, inclusive brasileiros, que passam pelas mesmas privações e provações nos Estados Unidos da América e na Europa. 
Só para atualizar a memória: o brasileiro Jean Charles de Menezes morreu assassinado pela polícia inglesa – a Scotland Yard – ao ser confundido com um terrorista, no metrô de Londres. Sua morte, em 2005, reacendeu a discussão em torno da discriminação contra os migrantes, e virou filme.
Promovida pelo Ministério Público Federal (MPF), uma audiência pública neste 3 de agosto na unidade 3 da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), no Porto Geral, discutiu a situação e elaborou propostas para o acolhimento de migrantes haitianos em Corumbá – até julho era cerca de 300. Não muito tempo atrás qualquer que fosse o migrante era tratado como uma ameaça para a segurança nacional, mas a nova Lei da Migração tratou de corrigir esse atentado contra a cidadania. Hoje o migrante é respaldado pela mesma lei que assegura os direitos a  um cidadão brasileiro. 
Circuito de Apoio ao Imigrante pede capacitação em idiomas
Esse foi o tema central da audiência pública: MPF, MPE, Defensoria Pública, Circuito de Apoio ao Imigrante da UFMS, Pastorais da Mobilidade e do Imigrante, Comissão Provisória de Apoio aos Refugiados Haitianos da OAB/MS – cada entidade, representada na mesa de debates, procura fazer a sua parte para que os direitos dos migrantes sejam respeitados.

Uma das propostas mais interessantes – e com necessidade urgente – seria a criação de um centro provisório de acolhimentos para centralizar os serviços aos migrantes, já que as instituições sociais não estão devidamente aparelhadas. A Casa de Passagem, por exemplo, possui apenas 22 leitos. Mesmo assim informa que atendeu 407 pessoas de janeiro a julho deste ano. Já o Centro POP da Prefeitura, criado para atender a população de rua, agora atende os migrantes mas faltam recursos e instalações apropriadas. 
Os haitianos estão espalhados por pousadas e casas de famílias. Uma senhora chegou a abrigar mais de vinte haitianos em sua modesta casa no bairro Centro América.
A comunicação é um dos principais entraves no diálogo e inclusão dos migrantes haitianos, que falam os idiomas criolo e francês. Os que antes de chegar ao Brasil permanecem por algum tempo no Chile já conseguem se comunicar em espanhol. 
Um deles virou tradutor e professor em Campo Grande: Wadner Absalonk. de 29 anos. Há quatro anos no Brasil, Wadner conclui o curso de Letras na UFMS, já fala o português fluentemente e dá aulas de francês dentro de um projeto da faculdade. É também o tradutor do criolo, idioma falado pelos haitianos. “Se formos ver claramente, o problema dos haitianos é pequeno frente aos dos outros migrantes pelo mundo”, afirmou Wadner. “Sem contar a afinidade que temos com o Brasil: os haitianos gostam muito do país e quase todos torceram pela seleção brasileira na Copa do Mundo”.

Haitianos Dulcé e Wadner: casos de superação e sucesso
Se Wadner representa o papel sonhado por todo migrante, o caso de Dulcé Du Verlus, de 42 anos, se enquadra no roteiro de drama,  sofrimento e superação. Pedreiro de formação, ele já estava trabalhando havia dois anos em Santa Bárbara do Oeste, interior de São Paulo, quando decidiu voltar ao Haiti para buscar a família. Na viagem de volta, já ao lado da esposa Roselene e d filho Deuvensley, foi chantageado e perdeu tudo o que tinha no ônibus – dinheiro e documentos. Chegou nesta quinta-feira a Corumbá para recomeçar do zero. “Quero voltar para Santa Bárbara onde já tenho contatos e posso trabalhar como pedreiro”, contou.
Tanto Wadner, que hoje é presidente da Associação dos Haitianos em Campo Grande, como o pedreiro Dulcé são exemplos latentes de que a oportunidade gera transformação, em pouco tempo, na vida dos migrantes. Parece haver de cada representante de entidade e do poder publico um esforço de alteridade, um olhar de compreensão sobre o próximo. Assim vai ficar mais fácil atender o que eles pedem. “Não nos vejam apenas como migrantes ou problemas, mas como um braço a mais no crescimento do Brasil”, afirmou um haitiano, tradutor de idiomas há quatro anos em Mato Grosso do Sul.


MPF aponta propostas


Leia trecho com conclusões do MPF de MS sobre a audiência pública:


Defensoria Pública da União, Ordem dos Advogados do Brasil, Ministério Público Estadual, Polícia Federal, Receita Federal, UFMS, poderes executivo e legislativo municipal, poder executivo estadual: todos estiveram representados e fizeram questão de pontuar as atribuições que lhe cabem, tanto a título de esclarecimento quanto, de certa forma, prestação de contas. Mas foram os representantes da sociedade civil que despertaram as reações mais efusivas dos presentes. A dona de casa que, de março para cá, abrigou mais de 300 haitianos debaixo do próprio teto, contando apenas com algumas doações. A dona de hotel que abrigou outras centenas, oferecendo teto e refeição, inviabilizando o próprio negócio diante de tantas pessoas acolhidas no saguão e no estacionamento. O padre que viabilizou boa parte disso tudo, angariando doações, recebendo, organizando e garantindo o mínimo de dignidade a essas pessoas. Esses três casos, dentre tantos outros, ilustram a gravidade da situação e levantam os dois principais problemas enfrentados pelos imigrantes: abrigamento e regularização de documentos. Foram esses os pontos mais debatidos durante a audiência pública e que nortearam os encaminhamentos dela. Das discussões, resultou a possibilidade de fortalecimento de uma rede que permita, daqui em diante, o enfrentamento das dificuldades decorrentes de um novo fluxo migratório inesperado. Segundo a procuradora da República Maria Olívia Pessoni Junqueira, a audiência terminou com uma série de propostas concretas. “Houve algumas propostas de utilização de recursos oriundos de Termos de Ajustamento de Conduta, do Poder Judiciário, houve propostas de parceria entre universidades e o poder público para oferecer, por exemplo, um intérprete, para sanar a dificuldade linguística, propostas de inclusão do movimento negro e dos próprios haitianos no debate, a utilização eventual de recursos humanos das forças militares nos momentos de crise para atendimentos de saúde. Esses foram alguns dos encaminhamentos práticos da audiência”.


quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Como receber os haitianos com portas abertas


Por acordo, haitianos ganham Curso de Pintura em Campo Grande
Nelson Urt

O Ministério Público Federal (MPF) em Corumbá promove neste dia 3 de agosto, sexta-feira, audiência pública para debater a situação dos imigrantes haitianos na cidade. O evento será realizado no auditório da unidade III do Campus Pantanal da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), no Porto Geral, a partir das 14h30, e vai reunir autoridades públicas, representantes da sociedade civil organizada e imigrantes haitianos.
Em discussão, a prestação de serviços relacionados à garantia de estrutura para abrigamento, assistência social, trabalho, saúde e educação aos haitianos, além de direitos garantido pela Lei de Migração. A audiência será aberta ao público, sob presidência da procuradora da República Maria Olívia Pessoni Junqueira.
Corumbá abrigava cerca de 300 haitianos até julho. A Polícia Federal conseguia atender dez por dia, mas este mesmo número de haitianos continuam chegando diariamente à cidade pela fronteira com a Bolívia. 
A Casa de Passagem possui apenas vinte leitos que serve para acolher também a população de rua local e proveniente de outras cidades brasileiras. Por isso os haitianos estavam espalhados por várias outras habitações, inclusive em casas de famílias - só uma senhora abrigava mais de vinte deles em sua casa modesta no bairro.
Muitos chegam como imigrantes e regularizam a documentação de entrada no Brasil na Polícia Federal. Outros, sem documentos específicos, reivindicam a situação – legal – como refugiados, já que saem de um Haiti com as condições sociais e econômicas extremamente abaladas por conta do terremoto de janeiro de 2010 e dos atuais conflitos políticos e sociais que deixam o país caribenho em situação de profunda vulnerabilidade.

Pintores em Campo Grande

Eles também são centenas em Campo Grande, onde muitos se estabelecem após uma colocação em postos de trabalho. Há uma comunidade haitiana nos bairros Vila Progresso e Rita Vieira. No dia 24 de julho 57 haitianos se formaram no Curso Profissional para Pintores, resultado de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre o Ministério Público do Trabalho de Mato Grosso do Sul (MPT-MS) com a empresa de construção civil Plaenge Empreendimentos, uma das gigantes do setor no Estado. De acordo com o MPT, foram constatadas
condições precárias de segurança e saúde em canteiro de obras da construtora. A iniciativa teve, ainda, o apoio do Fórum de Trabalho Decente e Estudos sobre Tráfico de Pessoas. Entre os 62 formandos estavam cinco brasileiros.  
 “Temos o propósito de preparar e integrar essas pessoas ao mercado de trabalho, sempre em prol de um futuro promissor”, esclareceu o procurador do MPT-MS Cícero Rufino Pereira, responsável pelo acordo. (Fonte: MPT-MS)
 


terça-feira, 24 de julho de 2018

Convergência das Artes concretiza sonho do poeta


Pedro Espíndola, Gustavo Vargas, Arthur Rostey e Rafael Belo com Celito
no programa Na Cadeira do DJ, da FM Educativa. Foto Daniel Rockenbach
Nelson Urt

O projeto Convergência das Artes, de autoria do poeta e jornalista Rafael Belo, levou para o espaço Genuíno Artes e Destilaria, ali na esquina da rua Paysandu com Aporé, no bairro Amambaí, em Campo Grande, um repertório variado de dança (do ventre, de salão, de roda de samba, street dance, sertanejo universitário), de música (rock, regional, mpb) e poesia, além de exposição e venda de pinturas, sebo de livros usados, CDs e discos de vinil. No bar, além da cerveja, aquela variedade de cachaça mineira que leva a marca do bar Genuíno, abrigado em um casarão do centro antigo da Capital. Cenário completo de um agradável domingão, 22 de julho, para o pré-lançamento do livro do poeta Rafael Belo. Toda a arrecadação do evento vai servir para o escritor editar seu primeiro livro de poesias, e para isso ele contou com o apoio de um seleto grupo de músicos campo-grandenses, como Karina Marques, Marina Dalla, Gustavo Vargas, Arthur Rosley, Nando Dutra e Chicão Castro. Na dança árabe, Ingrid Farah e Ana Graziela Hana Aysha e equipe. No samba, Priscila Bueno e Paulinho Oliveira. No bolero, Rochelle e Fábio Simones. No sertanejo universitário, Kleyton Willyans e Rafaela Alves; na street dance, Letícia Pontes. Arte e literatura com Sarah Santos, Fábio Gondim, Gabriel, Léo Mareco, Gustavo Tanus, Kiohara Schwaab, DJ Pietro Luigi; Erika Pedrazza, Soniá Stransky. Fotografia de Mylena Bagordakis, Will Rocha, Letícia Espindola, Projeto Freedom! A produção literária de Rafael Belo está no blog Olhares do avesso (olharesdoavesso.blogspot.com). No programa Na Cadeira do DJ, na FM Educativa, nesta segunda, 23, o poeta conversou com os apresentadores Gilson e Celito Espíndola sobre seu projeto e o novo livro.

domingo, 15 de julho de 2018

Em livro e no taule, família Baruki celebra 100 anos de história



Terezinha entrega o troféu ao irmão e campeão Luiz Baruki
Nelson Urt

Luiz Abdalla Baruki, vencedor da décima segunda edição do Torneio de Taule Wadih Baruki, na noite deste sábado, 14 de julho, em Corumbá, não é um simples campeão. Ele carrega nas veias e na alma a ancestralidade da família Baruki e da saga de imigrantes que deixaram Zahlé, no Líbano, após a Primeira Guerra Mundial, para se integrar à sociedade corumbaense. Não por acaso Luiz é um dos mais de cento e setenta nomes citados no livro "Baruki 100 anos de História – Memória da família em Corumbá" (Editora Life), publicado em homenagem ao centenário da chegada deles à Cidade Branca.
No tradicional torneio de taule (gamão árabe) realizado anualmente pelas irmãs Regina e Terezinha Baruki na casa delas, na rua Colombo, chegaram às finais representantes dos três troncos da família Baruki com descendentes em Corumbá. O campeão Luiz Abdalla Baruki, de 71 anos, médico formado na USP, radicado em São Paulo, é irmão de Regina, Terezinha, Neusa e Reginaldo, os cinco filhos de Wadih Baruki, que chegou a Corumbá em 1925 e se casou com Linda Carone.

Na mesa, Juninho, 3º colocado, e Murilo, vice-campeão
O vice-campeão Murilo Baruki, de 20 anos, estudante de Medicina na Uniderp, em Campo Grande, é filho de Sérgio, um dos seis filhos do médico Wilson Baruki e sobrinho de Salomão e Alberto Baruki. Este tronco da família tem como patriarca Amin Abdalla Baruki, que chegou a Corumbá em 1922, se casou com Syria e por muito tempo possuiu uma mercearia no final da ladeira Cunha e Cruz, ali pertinho do rio Paraguai.
Márcio Toufic Baruki Junior, o Juninho, terceiro colocado, é neto de Toufic Baruki, que desembarcou em 1928 em Corumbá, casou-se com Najla e teve cinco filhos: Márcio, Angélica, José Toufic, Laila e Jane. É Jane Baruki Ferreira quem faz a dedicatória e apresentação do livro "Baruki 100 anos de História", organizado pelas irmãs professoras Regina e Terezinha. “Quiseram nossos ancestrais que cada um dos troncos dos irmãos Baruki tivesse um representante entre os finalistas do torneio de taule”, afirmou Terezinha. “Estava escrito, maktub!”, acrescentou Regina.
Estava escrito, em árabe, maktub! E esses são apenas os primeiros 100 anos da história dos irmãos que, saindo de Zahlé, no Líbano, depois da Primeira Guerra Mundial, como imigrantes, chegaram em Corumbá e aqui depositaram suas sementes, que germinam frutos na educação, da saúde, na assistência social, na música, na culinária, no modo de vida corumbaense.

Livro conta trajetória desde chegada da família a Corumbá
O livro reúne mais de 170 nomes e centenas de fotos de descendentes Baruki. Em escolas, faculdades, no comércio, nos serviços, no teatro, em cada lugar haverá sempre um desses nomes para deixar a marca Baruki em Corumbá. Em plena atividade como médico, aos 83 anos, Wilson Baruki afirma que um dos princípios da família está contido numa estrofe do hino do Líbano, sua terra ancestral. “Nos manda agir, estudar e desenvolver com o lápis, sem armas”.
No lápis, na educação, no respeito, na vida com dignidade, todos esses valores foram retransmitidos aos descendentes, hoje profissionais - a maioria ligada à educação e à saúde - espalhados pelo País. 
O torneio de taule não se trata de uma mera competição, mas de uma confraternização em que são servidos saborosos pratos da culinária oriental: o cordeiro libanês assado, o arroz com lentilhas, a qualhada seca temperada com zathar, homus, pasta de berinjela, esfihas, kafka...ao som ambiente de uma delicada música árabe. 
Baruki, em árabe, significa bendito. O sobrenome aparece escrito em árabe na capa do livro. "Nome forte este. Bendito por origem, sagrado pelo destino", diz a poeta e professora Jane Baruki Ferreira em sua dedicatória.




sexta-feira, 13 de julho de 2018

Boemia Cultural e Circuito de Apoio ao Imigrante acolhem haitianos


Haitianos participaram de evento social no ILA em Corumbá
Nelson Urt
“Caridade não é apenas doar, mas saber enxergar e acolher o outro”, afirmou a produtora cultural e atriz Bianca Machado, na abertura da Boemia Cultural, nesta quinta-feira, no Instituto Luiz de Albuquerque (ILA). Ali os corumbaenses, ladarenses e bolivianos enxergaram e acolheram os cerca de 300 haitianos que estão em Corumbá, alguns há um mês, outros há uma semana ou recém-chegados. Eles aguardam a regularização da documentação como migrantes ou refugiados para seguir em frente. “Vamos para São Paulo, para o Rio, Minas, onde tivermos familiares, amigos, contatos, enfim, o que for melhor para nós”, me conta um haitiano, enquanto assiste ao show da banda “Imigrantes de Marte”, na Boemia Cultural no ILA. Conversei com outros quatro haitianos na Casa de Passagem de Corumbá, na rua Edu Rocha, durante pesquisa para o Mestrado de Estudos Fronteiros. Jovens, bem vestidos, com um sorriso de esperança no rosto, planejavam continuar os estudos e trabalhar na construção civil em São Paulo. É de enorme importância o trabalho do Circuito de Apoio ao Imigrante, com a liderança do professor dr. Marco Aurélio Machado de Oliveira, da UFMS, nesse momento de acolhimento e transição dos haitianos pela fronteira. E da irmã dele, a atriz Bianca Machado, que coloca a cultura a serviço das causas sociais e dos invisíveis.
Banda Vinil, um dos destaques na Boemia Cultural
A parceria do Circuito de Apoio do Imigrante com a Boemia Cultural serviu para que esse “enxergar e acolher” os haitianos se materializasse por meio do evento beneficente que não só apurou com a venda de ingressos na bilheteria como também recebeu a doação de produtos de higiene e alimentos para a subsistência dos migrantes em Corumbá. Cinco deles estão na Casa de Passagem, outros hospedados em pequenos hotéis e pousadas. Uma só senhora corumbaense acolhe 25 haitianos, que dividem o quarto com seus filhos, em uma casa modesta, sem piso e reboco, no bairro Centro América em Corumbá. Para os que insistem em catalogar a fronteira como zona de conflito, violência e tráfico, uma boa lição de solidariedade e diálogo que só uma fronteira humana e humanizada pode proporcionar.


terça-feira, 12 de junho de 2018

Ernani Arruda: a travessia do poeta de cordel pantaneiro

Benedito, Eliney Gaertner, Enio da Nóbrega e Ernani no Varal da Poesia
Nas barrancas beijadas pelas águas no remanso do rio Paraguai, no coração do Pantanal, Ladário amanhece nublada e mormacenta. Encontro no cemitério municipal duas das quatro filhas do poeta e artista plástico Ernani da Costa Arruda. Elas acabam de enterrar o corpo do querido pai. "Poetas não morrem, apenas fazem a travessia" - afirmo, tentando confortar as suas lágrimas. O corpo está ali, à minha frente, engavetado, entre tantos outros, cobertos de flores, mas a alma reluz, as obras vivem, nome e sobrenome do poeta voam como passarinho. Em breve, a poesia de cordel de Ernani poderá ser lida nas páginas da nova Antologia Poética "Passa na Praça que a Arte de Abraça", organizada pelo ativista cultural e poeta Benedito C.G.Lima. Justa homenagem ao integrante da Academia de Literatura e Estudos de Corumbá e Ladário - o grupo Alec. E para quem ainda não conhece sua obra, os livretos de cordel pantaneiro editados e publicados artesanalmente pelo poeta continuam disponíveis, a 5 reais, no balcão da Gráfica Express Holanda, ali na avenida 14 de Março, em Ladário. Sem contar que as filhas devem reunir todo o trabalho do poeta para uma coletânea em livro. Xilogravuras e pinturas à óleo devem ser expostas na sede da Fundação de Cultura de Ladário. Na sua autobiografia, Ernani resume que nasceu em Corumbá em 1939,  filho de Ormanda da Cunha e Carmínio da Costa Arruda, e que começou a escrever seus poemas em 2016. Na sua mais recente poesia de cordel, diz o poeta: "Nos rios do Pantanal/Nos alagados/Na lua cheia/A noite é dos pintados/No clarão do sol, no rio Paraguai/O dia é dos dourados".

quarta-feira, 30 de maio de 2018

O olhar do índio sobre o Festival América do Sul


SidneyTerena em ação no show da viola caipira no Santuário NªSª Auxiliadora
Antes marginalizados, agora cada vez mais protagonistas. É inegável o aumento da representatividade e da voz indígena na cultura e na política do Brasil. A pré-candidatura de Sônia Guajajara, da etnia do Maranhão, para vice-presidente da República, é uma clara evidência desse avanço, do desejo do indígena recuperar o seu lugar no território ocupado pelos "visitantes" europeus a partir de 1500. E já que a terra indígena, dominada e ocupada, tornou-se uma só nação, nada mais justo que agora eles pretendam ocupar o seu espaço, senão imediatamente em terras mas pelo menos como formadores de opinião. Essa postura da nova geração indígena - formada nos centros acadêmicos, como Sônia Guajajara, graduada em Letras - ajuda a quebrar o estereótipo do índio brasileiro como peça de museu, dócil, dominado, emoldurado e sempre pelado, como se vivesse em outro mundo. O Festival América do Sul Pantanal abriu espaço para o indígena mostrar o seu trabalho artesanal e profissional, e sua história em diferentes facetas. Na Tenda dos Saberes, representantes da etnias de Mato Grosso do Sul colocaram seus produtos na vitrine - entre elas Catarina Guató, pioneira nas confecções com base na fibra de aguapé, acessório que serviu para comprovar que a etnia guató não fora extinta, estava muito viva no Pantanal. Aliás, a esse respeito falaram dois especialistas, Jorge Eremites e Giovani da Silva, no painel "Guató, povo das águas". Na música, o índio brasileiro cantou rap, o ritmo que contagia a garotada, no balanço de Brô MC's, grupo formado pela etnia guarani kaiowá de Dourados.
Edson, Genilson e Sidney formam a equipe da Via Morena
E também teve índio no jornalismo. Onde estivesse a notícia, lá estava o incansável Sidney Terena, microfone em punho, em mais uma reportagem para a webtevê Via Morena, de Campo Grande. Formado em Comunicação em 2011 na UCDB, ele apresenta o programa "A Voz Indígena". Em Corumbá, contou com o apoio do cinegrafista Edson de Souza, da mesma etnia, e do assistente Genilson Kinikinawa. "O que você não vê sobre o índio na TV aberta vai ver na Via Morena", assegurava Sidney Terena. E assim o Festival América do Sul Pantanal ganhou olhares e a presença familiar dos povos que conhecem esta terra como ninguém.

sábado, 21 de abril de 2018

Mobilização Nacional Indígena pressiona Congresso


Em 2017, indígenas leram carta com reivindicações em Brasília
Agência Navepress

O Dia do Índio agora virou uma semana. E uma semana de mobilização. Com o tema "Unificar as lutas em defesa do Brasil Indígena - Pela garantia dos direitos originários dos nossos povos", a 15ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL) começa nesta segunda-feira, 23 de abril, e vai até o dia 27, ao lado do Teatro Nacional, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Espera-se a participação de cerca de 2.500 indígenas de mais de cem povos das cinco regiões do País.
Maior mobilização dos povos originários do Brasil, o ATL está inserido na semana de Mobilização Nacional Indígena (MNI), e acontece em um contexto de ampla ofensiva sobre os direitos dos povos originários e de aumento da violência nos territórios.
Com foco no direito territorial, a principal reivindicação do acampamento é a retomada das demarcações das Terras Indígenas (TI) e a revogação do Parecer 001/2017 da Advocacia-Geral da União (AGU), oficializado pelo presidente Michel Temer e que, na prática, inviabiliza os procedimentos demarcatórios.
Temer tem o pior desempenho nas demarcações entre os presidentes desde 1985. Ele não assinou nenhum decreto de homologação de terras indígenas e deixou passar em branco o 19 de abril, Dia do Índio, quando, em geral, os governos assinam portarias e decretos relacionados aos procedimentos demarcatórios.
"Nunca como hoje, nos últimos 30 anos, o Estado brasileiro optou por uma relação completamente adversa aos direitos dos povos indígenas. O governo ilegítimo de Michel Temer assumiu uma política declaradamente anti-indígena pondo fim à demarcação e proteção das terras indígenas, acarretando a invasão dessas terras por empreendimentos governamentais e privados", afirma a Convocatória da Mobilização Nacional. A bancada ruralista e o Judiciário também têm atuado duramente no sentido de vulnerabilizar os indígenas.
Historicamente, a semana do ATL é o período em que os povos indígenas pressionam os Três Poderes para a manutenção e efetivação de seus direitos constitucionais e das legislações internacionais, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Com encerramento no dia 27, a programação prevê plenárias, debates, audiências com parlamentares e representantes do Executivo, Legislativo e do Judiciário. Tradicionalmente, durante o evento ocorrem protestos, assim como rituais tradicionais e diversas manifestações culturais.
O ATL é realizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e conta com o apoio de organizações indígenas e indigenistas.
Fonte: Socioambiental.org

terça-feira, 3 de abril de 2018

Bolívia e China fazem siderúrgica na fronteira

Em Santa Cruz de la Sierra, Evo Morales lança projeto para fronteira

Nelson Urt
A usina siderúrgica dos sonhos de Corumbá, para beneficiamento de ferro e manganês, tendo como concessionária a MMX do empresário multimilionário Eike Batista, não saiu do papel. Como todos sabem, o império de Eike ruiu e onde seria a siderúrgica o governo estadual levantou um conjunto habitacional.
Do lado boliviano, porém, o projeto está bem perto de se tornar realidade, e a 22 km de Corumbá. Negócio da China, com investimento monstro de 466 milhões de dólares e previsão de abertura de 1500 empregos diretos em Puerto Suarez, fronteira oeste do Brasil. A 60 km da área urbana fica Mutún, uma das maiores reservas minerais do mundo.
O presidente Evo Morales promulgou nesta segunda-feira, 02 de abril, na cidade de Santa Cruz de la Sierra, financiamento para a construção, execução e comissionamento da Usina Siderúrgica de Mutún, que será construída nos próximos 30 meses pela empresa Sinosteel Equipamentos e Engenharia, da China, em Puerto Suárez.
A lei promulgada autoriza o financiamento subscrito entre o Banco de Exportações e Importações da China (Eximbank) e o Governo boliviano por um montante de mais de 466 milhões de dólares.
Evo explicou que, do montante total, o crédito do Eximbank é de 396,1 milhões de dólares, com uma contrapartida do Estado boliviano de 69,9 milhões de dólares.
De acordo com o projeto final, a fábrica de Mutún produzirá 194.000 toneladas de aço laminado por ano, que servirão para cobrir uma grande parte da demanda doméstica do país e para exportação.
Ele anunciou que uma segunda fase também está planejada para a industrialização, a fim de abastecer todo o mercado nacional e exportar o produto nos próximos cinco anos.
Por sua vez, o ministro da Mineração, César Navarro, ressaltou que o investimento vai gerar pelo menos 1.500 empregos diretos e 3.500 indiretos, devido à magnitude do complexo industrial. Estima-se que anualmente passam pela fronteira Brasil-Bolívia, nos dois sentidos, perto de 500 mil pessoas. Muitos migram em busca de ofertas de trabalho e se fixam em um dos lados.
Navarro quer desenvolver o ciclo da cadeia produtiva com a siderúrgica na província de German Bush, com impacto em seus três municípios (Puerto Suarez, Puerto Quijarro e Carmen Rivero). Por tabela, o investimento pode favorecer operários ligados à mineração em Corumbá e Ladário com a criação de postos de trabalho.
O ministro explicou que este projeto envolve a construção de um complexo com usinas de concentração, redução direta com gás natural, aço, laminação com 194 mil toneladas, geração de oxigênio, ar comprimido, tratamento de água, geração elétrica com base gás, piscinas de sedimentação e tratamento de escória (resíduo industrial).
O projeto inclui ainda a implantação de um gasoduto de 15 quilômetros, um aqueduto de 105 quilômetros do rio Paraguai, sistemas de distribuição e armazenamento de água, sistema de liquefação de gás natural, laboratórios de controle de processos e controle de qualidade de produto final e oficinas de manutenção elétrica e mecânica.
A Bolívia espera que o projeto, a construção e a finalização sejam executados dentro de 30 meses e entrem em operação e produção em 12 meses após sua implementação. E nunca é demais lembrar que, em 2017, a Bolívia foi o país com maior índice de crescimento econômico na América Latina. (Fonte: Agencia Boliviana de Información)




segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Carnaval de protestos mostra a cara do Brasil

O "Vampirão" foi um dos destaques na avenida: folia crítica
Nelson Urt

A retomada dos enredos críticos é uma das marcas do Carnaval 2018 no Brasil. É verdade que os temas de protesto já vinham ganhando corpo desde o começo do século, mas se fortaleceram muito mais depois do golpe que ceifou Dilma Rousseff, democraticamente eleita, colocou Temer no poder e deu inicio à desconstrução dos direitos trabalhistas e sociais do País, decreto atrás de decreto, relembrando os tempos de chumbo da ditadura. E tudo isso amparado pela nova mídia de mercado, em que as pautas editoriais são dominadas pela grade comercial e as articulações políticas dos empresários das comunicações.
No Rio de Janeiro, o ponto alto dos desfiles das escolas de samba foi o "vampirão" Michel Temer, representado pelo professor de História Léo Morais no ultimo carro da escola de samba Paraíso do Tuiuti. "Sou professor de história e o protesto tem tudo a ver comigo", afirmou "É uma retomada dos enredos críticos, a gente está num momento que tem de gritar mesmo", acrescentou, lembrando que Temer é o governante mais impopular do mundo, com mais de 90% da rejeição.
A escola levou para a avenida o tema "Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão?", questionando o novo modelo de escravidão que se tenta instalar no Pais. E o vampiro é uma metáfora daquele que veio para sugar o sangue do povo.
Pelo Brasil afora, outros manifestos ecoaram, misturando-se à folia carnavalesca. Em parte, o Carnaval vai aos poucos recuperando as suas raízes, graças a uma nova geração de foliões não só preocupada em dançar, pular e cantar, mas em aproveitar esse espaço social para expor suas angústias, inquietações e reivindicações. Eram assim os carnavais antigos, do Brasil imperial, e por isso mesmo chegou a ser proibido nas ruas (justamente para escravos e libertos) e ficou durante muito tempo restrito aos salões da aristocracia.
Ainda no Rio, uma ala do tradicional bloco Boi Tolo, ainda considerado clandestino, surpreendeu ao invadir o hall do aeroporto Santos Dumont, quebrando o cerco dos seguranças. Foi uma invasão pacífica, sem quebra-quebra, limitada aos gritos de protesto como "fora Temer", "fora Crivela" (prefeito do Rio) e outros bordões.
O importante é que este Carnaval, marcado também pelas gigantescas aglomerações de rua, abre uma brecha para novas, autênticas e pacificas manifestações políticas, já que até o momento a população se mantém incrivelmente paralisada e silenciosa enquanto nosso patrimônio social e trabalhista é vilipendiado pela classe política dominante - não só Temer, mas a maioria do Congresso direitista, conservador e aristocrático. Vivemos uma época de movimento e transformação, queiram ou não.
E mais: no Rio, a Salgueiro apresentou uma versão negra de Pietá, uma das esculturas mais famosas de Michelangelo, que originalmente representa Jesus Cristo morto nos braços da Virgem Maria. A Pietà que a escola levou para avenida era negra com seu filho morto também negro no colo. Uma denúncia contra o genocídio da população jovem preta e periférica do Brasil. E os trajes usados pela alegoria eram obras de Carolina de Jesus, escritora conhecida pelo seu livro "Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada", descoberta pelo jornalista Audálio Dantas.