quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Leidiane e a magia da viola de cocho

Educadora musical leva alunos a aprenderem o modo de fazer e tocar o instrumento que é patrimônio pantaneiro

Nelson Urt

Cena rara. Leidiane dedilha a música Mercedita na viola de cocho debaixo de um arvoredo na rua 15 de Novembro, nos paralelepípedos do centro de Corumbá, coração do Pantanal do Mato Grosso do Sul. Poucas pessoas carregam essa habilidade de tocar o sucesso portenho no instrumento típico do Pantanal. Ela se prepara para gravar Mercedita com violão, arranjo feito especialmente por seu primeiro professor. É o seu projeto do momento.

Ela percorre a estrada da música há 20 anos. Leidiane Garcia nasceu em Campo Grande, mas o sangue paraguaio, por parte de mãe, corre nas veias da moça. Quando começou a estudar violão clássico aos 13, ingressou na Orquestra de Violões de Campo Grande, ganhou uma bolsa e não parou mais. “Essa experiencia me levou a escolher a música como profissão, como alimento”, conta, durante uma entrevista à Navepress no Sebo da Rua XV.

Hoje como Educadora Musical, aos 33 anos, tem seu trabalho o Projeto Piloto: Música e Patrimônio (2018), entre os 121 finalistas do Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade, instituído pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). O projeto teve como objetivo realizar a “Oficina do modo de fazer a viola de cocho" e tocar o instrumento típico do Pantanal. O projeto foi desenvolvido entre os alunos da Escola Cássio Leite de Barros, no bairro Nova Corumbá.

Este é apenas um entre os projetos desenvolvidos por Leidiane e inscritos em concursos nacionais. Nesse ano ela também foi semifinalista do XXI Prêmio Arte na Escola Cidadã, realizado pelo Instituto Arte na Escola.

Em 2016, chegou à semifinal do XVII Prêmio Arte na Escola Cidadã. E finalista na etapa estadual no Prêmio Professores do Brasil, em 2015. “Em cada ano desenvolvo um projeto diferente, porém, com a questão do patrimônio sendo um dos eixos do projeto desenvolvido”, diz. “O primeiro projeto que desenvolvi foi em 2014, o Série Concertos na Escola: Vivência e Prática Musical. Levei vários concertos para a sala de aula.”, revela.

O primeiro concerto foi dedicado ao violão clássico. O segundo foi a primeira “Oficina do Modo de Fazer a Viola de Cocho”. Levou o mestre Sebastião Brandã0 para fazer a “Oficina do Modo de Fazer Viola de Cocho” e uma apresentação junto ao mestre Martinho (in Memoriam) e os alunos participantes. Depois levou o Grupo de Percussão do Instituto Moinho Cultural. “No último bimestre, o concerto da Orquestra do Campo e um Quarteto de Cordas”. “Paralelamente, na hora atividade, ocorreram os ensaios com meus alunos estudando percussão e voz, e criei o Grupo Vocal e de Percussão Siriri, com envolvimento das crianças”. 

A primeira apresentação aconteceu na escola, na Feira Pedagógica, e depois em eventos como convidados. “Em 2017 comecei a oferecer bolsa para meus alunos estudarem violão clássico e popular, para depois aprenderem viola de cocho”.

“Consegui conciliar os ensaios aos sábados com o Grupo Vocal e de Percussão do Siriri e as crianças estudando instrumento, assim, passei a ter um aparato maior para apresentações”, conta.

Em 2018 e 2019 seus alunos participaram do Festival América do Sul.  Eles ganharam a oportunidade de se apresentar dentro e fora do espaço da escola. “Muitas crianças não acessariam esses espaços se não fossem por essas ações. Não teriam acesso às oficinas. A ideia principal foi essa: levar até eles um espaço que está próximo ao ambiente deles. Porque a escola é isso: o primeiro espaço social fora do ambiente familiar”, destaca.

Veja 0s principais trechos de sua entrevista à Navepress:


VIOLÃO CLÁSSICO

“Em 2004, com 17 anos, passei no vestibular para Licenciatura em Música na UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) em Campo Grande. E, com 18 anos, comecei a dar aulas em conservatórios e escolas de Música, e não parei mais.”

ONDE FICA CORUMBÁ?

“Em 2008, terminando a faculdade, surge a oportunidade de ministrar aula num projeto social em Corumbá. Só que eu não sabia onde ficava Corumbá, não conhecia a cidade. Faltava a experiência com projeto social, então falei pra minha família: eu vou embora. Vim sozinha, deixei todo mundo desesperado em casa. Avisei: vou embora, vou trabalhar, se não der certo volto pra casa. Estava com 21 anos. Cheguei em março de 2008”.

COM AGRIPINO NO MOINHO

“Decido então dar aula no Moinho Cultural, que na época era um projeto social, não era um instituto ainda. Vim pra cá. Não conhecia a viola de cocho. Então no Moinho me falaram: aqui tem seu Agripino, o mestre da viola de cocho, você vai ter contato com ele”.

A MAGIA DA VIOLA

“Comecei a me aproximar da viola de cocho junto ao seu Agripino, em 2008. Fiquei surpresa em ouvir o som daquele instrumento tocado por ele. Uma coisa é o instrumento executado pelo tocador e outra coisa é o instrumento na mão de outra pessoa. Parecia que a magia não vinha junto quando entregava o instrumento nas mãos. Você vê maravilhas com o tocador, com o mestre. Faltava a vivência musical, que veio com a prática e o contato com os mestres”.

VISITA A CUIABÁ

“Em 2009 fui para Cuiabá para conhecer em Santo Antônio do Leverger o trabalho do Alcides Ribeiro, um artesão da viola de cocho. (Nesse momento a entrevista é interrompida por uma professora que passa pela rua 15 de Novembro; ela elogia o trabalho de Leidiane: “a música faz bem para a alma das crianças, elas amam a música; parabéns!”)

CRIANÇAS E MESTRES

“A ideia principal do projeto, trazendo seu Sebastião Brandão como parceiro, meu amigo, é justamente para que exista essa aproximação das crianças aos mestres.”


TRÊS DIAS EM MATO GROSSO

“Em três dias em Mato Grosso consegui muitas referências para trabalhar. Foi um divisor de águas ali. Foram três dias, em 2009, mas até hoje em dia tenho contato. Comprei algumas violas para inserir no Moinho in Concert daquele ano, a Rainha Nuvem. Também comprei duas para mim. Tenho há 11 anos essas violas”.

DUO MIRANDA & GARCIA

“Em 2014, iniciei parceria e realizei o primeiro concerto com o tenor Virgílio Miranda. Em 2015, realizamos o Concerto 100% Brasileiro, com apresentação de abertura do concerto feita por meus alunos do “Grupo Vocal, de Percussão e Dança”, no SESC Corumbá, na época localizado no Porto Geral.”

TRABALHO EM TRÊS PERÍODOS

“O Projeto Piloto não é o único que desenvolvi, vem de uma cadência para chegar até ele. Eu costumo dizer que não trabalho só dois períodos, mas tenho três períodos. No terceiro período eu preciso tocar, me apresentar, escrever para meus alunos tocarem e fazer minhas adaptações.”

 

 

segunda-feira, 10 de agosto de 2020

As relações de poder no reino das falcatruas

Livro de 405 páginas focaliza SP no período colonial
Novo livro de Adelto Gonçalves revela subterrâneos da capitania de São Paulo no governo Lorena

Nelson Urt

Um escândalo: o caso das arcas que ao serem abertas diante do rei continham chumbo no lugar de ouro.  Um profano: o frei capuccino que usava o dinheiro das esmolas para levar confortável vida de senhor de escravos. Uma caçada: a perseguição aos irmãos Leme, aos quais o governo atribuía uma lista de crimes em Cuiabá e Itu. Uma amante: Lorena era filho dos Távora ou fruto de um envolvimento adúltero do rei?

Fascinantes histórias de conflitos, perseguições e falcatruas percorrem os subterrâneos, mas vem à tona em cada capítulo de O reino, a colônia e o poder – O governo de Lorena na capitania de São Paulo 1788-1797 (Imprensa Oficial do Governo do Estado de São Paulo, 2019) graças à astúcia investigativa de quem já frequentou as principais redações de jornais de São Paulo, como o escritor Adelto Gonçalves.

Adelto: faro de repórter e texto elucidativo 
O aguçado faro de repórter se completa por meio do texto leve e elucidativo, e assim Adelto Gonçalves consegue romper com os padrões e clichês adotados por outros historiadores ao montar um curioso painel sobre as relações de poder e suas influências – oficiais, extraoficiais e clandestinas – de um período do colonialismo que representou a consolidação de São Paulo como cidade e de Cuiabá como vila.

A construção da Calçada do Lorena, estrada que ligava São Paulo a Santos por um trecho da Serra do Mar, é a marca principal do governo de dom Bernardo José Maria da Silveira e Lorena. Mas o livro vai muito além das edificações e estratégias para permitir que São Paulo fique mais próxima da Coroa, driblando a interferência econômica e política do Rio de Janeiro - ao reunir episódios do recorte de nove anos do governo Lorena em São Paulo.

Lorena foi o mais jovem capitão-general a governar a capitania de São Paulo: tinha 32 anos ao desembarcar e tomar posse em julho de 1788. Seria filho de Nuno Gaspar de Távora, irmão do marquês de Távora, e de sua segunda mulher e cunhada, dona Maria Inácia da Silveira. É o que diz seu assento de batismo, lavrado em Lisboa, segundo o autor. Faria parte da primeira nobreza portuguesa com ascendentes em uma das mais distintas famílias da França, os Lorena. Pelo menos era essa a informação oficial porque sempre correram rumores de que seria filho adulterino do rei dom José I com sua amante, a marquesa Teresa de Távora e Lorena, esposa do jovem marques dom Luis Bernardo de Távora.

Baseada em primorosa documentação histórica, o autor desvela as raízes da corrupção e malversação do dinheiro público no Brasil em uma situação análoga aos tempos atuais de um País que parece condenado a viver preso ao passado tortuoso da Colônia e à cultura da propina, do suborno e da barganha.

Nesse aspecto, há o risco de vermos a corrupção como fruto exclusivo da política, conforme alerta o sociólogo Jessé de Souza em A elite do atraso (2017). “A população (...) foi convencida de que existe corrupção apenas na política – essa é a corrupção dos tolos – e não enxerga a corrupção real, a corrupção no mercado, o problema central, que é a manutenção de uma sociedade desigual”, afirma.

A capitania passou nas mãos de antecessores pouco confiáveis antes da chegada de Lorena. Um deles foi Antônio da Silva Caldeira Pimentel, um dos raros governadores coloniais que se transferiram para o Brasil com a família, conforme revela o autor. Pimentel chegou em 1727 e um ano depois já estourava o escândalo que apressaria sua queda. “Em Lisboa, quando as autoridades metropolitanas, à frente de dom João V, abriram arcas recém-chegadas do Brasil com 7 arrobas de ouro dos quintos reais, descobriram, estupefatas, que ali só havia chumbo”. Obra de Pimentel e seus protegidos, entre eles Sebastião Fernandes do Rego, definido pelo historiador Afonso de Taunay como “aventureiro da pior espécie”.

O ouvidor-geral da comarca de São Paulo, desembargador Francisco Galvão da Fonseca, abriu a devassa para apurar os nomes dos responsáveis pelo descaminho. Logo as suspeitas pairaram sobre homes de confiança do governador Pimentel, conforme descreve o escritor. “Mas a corrupção era praga tão disseminada por todo o corpo do Estado que o primeiro a cair foi o próprio ouvidor-geral Fonseca, suspenso de suas funções e preso por ordem do juiz do Fisco do Rio de Janeiro. Era acusado de numerosas falcatruas”, conta Adelto Gonçalves.

O juiz de fora da vila de Santos, Bernardo do Vale, assumiu as investigações e concluiu que o autor do delito havia sido Sebastião Fernandes do Rego, provedor da Casa de Fundição no governo Caldeira Pimentel e provedor dos quintos (impostos) no tempo do governador Rodrigo César de Meneses. Surgiram denúncias de que Rego sempre levava duas oitavas de ouro de quem pagava os quintos, “dizendo que era pelo seu trabalho”.

Vale concluiria ainda que o governador Pimentel protegia o provedor da Casa de Fundição. Rego foi acusado de fazer grandes negócios com sonegadores e de marcar e fundir ouro fora da Casa de Fundição. Na tentativa de denunciar o governador, João Leite Ortiz viajou para Portugal mas no navio teria sido envenenado por um padre, “verdadeiro bandido, coberto de crimes praticados em Mato Grosso”, conforme relatou o historiador Taunay.

No livro, Adelto Gonçalves refuta o conceito da historiografia tradicional de que a capitania de São Paulo estava isolada em relação às demais regiões da América portuguesa e despovoada naquela época, em torno de 1748. Hoje esse conceito está sendo revisto, segundo o autor. São Paulo não dispunha de uma economia pautada na grande lavoura e na monocultura escravista, tampouco na extração mineral, mas teve participação decisiva em direção ao Oeste e à descoberta das minas de ouro no final do século XVII, além de ocupar uma estratégica posição no entroncamento de importantes circuitos regionais, terrestres e fluviais, o que pesou decisivamente no desenvolvimento da capitania.

SOBRE O AUTOR

Adelto Gonçalves, 68 anos, é jornalista desde 1972, com passagens pelo jornal Cidade de Santos, do grupo Folhas, A Tribuna, de Santos, O Estado de São Paulo (Estadão) e Folha da Tarde, além das editoras Abril e Globo.

Doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela USP e mestre em Língua Espanhola e Hispano-americana pela USP, é autor de Gonzaga, um poeta do iluminismo (Editora Nova Fronteira), Bocage, o perfil perdido (Editora Caminho, de Lisboa), Mariela Morta, contos (Ourinhos, Complemento, 1977), Os Vira-latas da Madrugada, romance (Rio de Janeiro, José Olympio, 1981; Taubaté-SP, Editora Letra Selvagem, 2015), Barcelona Brasileira, romance (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2003), Fernando Pessoa: a Voz de Deus, artigos e ensaios (Santos, Editora da Unisanta, 1997); Tomás Antônio Gonzaga, estudo biográfico-crítico (Rio de Janeiro/São Paulo, ABL/Imesp, 2012); e Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial – 1709-1822, ensaio histórico (São Paulo, Imesp, 2015).

Ganhou os prêmios Assis Chateaubriand de 1987 e Aníbal Freire de 1994 da ABL. Em 2013-14, com bolsa da Unip, desenvolveu o projeto que resultou no livro O reino, a colônia e o poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo 1788-1797.

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

sexta-feira, 31 de julho de 2020



Bismark e o título de doutor honoris causa
Um maratonista na pista e na gestão portuária

Aos 53 anos, Bismark Rosales participa da Maratona de Nova York e, como gestor, põe Canal do Tamengo na rota dos grandes terminais de exportação pelo Atlântico

Nelson Urt

Ele correu, aos 53 anos, a Maratona de Nova York de 2019 em 4 horas e 37 minutos em um frio de 4 graus. E agora se prepara para a mesma prova, que neste ano de pandemia será disputada em novo formato em novembro: cada atleta correrá em sua própria cidade, monitorado por um aplicativo acionado a um relógio de pulso que medirá a localização e vai cronometrar o tempo, da saída à chegada, sob controle remoto dos organizadores em Nova York.
Em Nova York, desafio na maratona
Não se trata de um desafio para qualquer um. São 42 quilômetros de corrida por cinco diferentes bairros de Nova York, normalmente disputada sob temperatura baixíssima no inverno dos Estados Unidos. Para se ter uma ideia, o brasileiro mais bem colocado na prova do ano passado foi Fredison Costa, um dos 29 maratonistas a cobrir o percurso em menos de 3  horas. Ficou em 28º lugar. Bismark foi um dos 50 mil competidores de 125 países na prova.
Para um desempenho seguro, o boliviano Bismark Rosales treina diariamente, em Corumbá, onde é residente permanente e mora com a família. Sai para correr às 4h da manhã do Centro ao Lampião Aceso, posto rodoviário da BR-262, ou na esteira rolante na própria casa. Com minha idade, tenho de tomar uma série de precauções porque a maratona exige um esforço sobre-humano e um preparo físico impecável para não afetar o coração”, diz Bismark. “Até para os atletas de ponta não se permite disputar mais do que duas maratonas por ano, acrescenta.

Nas ruas de Nova York: suor e frio
ADMINISTRADOR Nº 1

Não só no esporte, mas também nos negócios, os resultados revelam que a vida de Bismark é uma maratona bem sucedida. É que por trás do atleta amador que desafia o peso da idade existe um profissional de enorme capacidade de persistência e superação. Ele acaba de receber  da Organização Mundial dos Defensores de Direitos Humanos OMDDH - Pacto ONU-Nações Unidas, o título de Doutor Honoris Causa pelos serviços prestados no desenvolvimento portuário da Bolívia, país que desde a perda da saída para o mar no conflito com o Chile vive um impasse para escoar produtos de exportação pelo Pacífico.
A ideia de Bismark de oferecer o porto do Canal do Tamengo como saída pelo Atlântico para escoar a produção do país vizinho acabou sendo aceita e se tornou realidade. Bismark estudou na Escola de Pós-graduação da Armada Boliviana, é diplomado em Interesses Marítimos, Fluviais e Lacustres, entre outros cursos da área. A parte mais difícil ele conseguiu com apoio da UNCTAD, braço do comércio e desenvolvimento da Organização das Nações Unidas (ONU), com que sempre teve ótimas relações. Como parte do programa como instrutor de Gestão Moderna de Portos, o objetivo dele era provar que esse serviço poderia ser feito por um porto privado, no caso o Complexo Portuário Jennefer, da qual é gestor, em Puerto Quijarro, fronteira com Corumbá.
Como Mestre em Gestão e planificação portuária e intermodalidade pelo Portos do Estado da Espanha, com selo de Universidades de Coruña, de Cadiz, de Oviedo e Politécnica de Madrid, o desafio de Bismark foi montar uma estratégia para desenvolver na Bolivia a capacidade de escoar sua produção pelo porto do Canal do Tamengo. O primeiro passo foi convencer as autoridades bolivianas a quebrar a antiga regra de que só o Estado podia realizar comercio exterior via portos.
A normativa da Bolívia não permitia que portos privados realizassem comércio exterior, exceto indústrias com próprios portos para exclusivamente escoar sua própria produção, conta Bismark. Ocorre que em 80% dos países o comércio internacional é por via marítimo fluvial. Somos um país mediterrâneo e por isso a Bolivia não é competitiva no mercado internacional. Sempre faltou uma logística apropriada. E o transporte terrestre é muito mais caro. Por que então não investir no Canal do Tamengo e usar a saída para o Atlântico?”
Para receber a resposta positiva e concessão oficial do governo boliviano, o porto foi desenhado de acordo a normativas bolivianas  e  internacionais. Hoje o Porto Jennefer está incluído no mapa mundial dos negócios de exportação. O curioso e gratificante, segundo Bismark, é que boa parte da mão de obra em prestação de serviços utilizada no porto é brasileira. “São 14 empresas terceirizadas brasileiras e bolivianas atuando na prestação de serviços. Como estamos na fronteira, é mais fácil adquirir produtos de Campo Grande  e Corumbá, do que de Santa Cruz, conta.

CANAL DE LUXO

O terminal hidroviário Jennefer possui 105 hectares, o equivalente a 100 quadras de uma pequena cidade. Temos de ser muito eficientes para competir com dois gigantes como Brasil e Argentina e conseguir uma fatia no mercado internacional de exportações”, diz. E hoje, enfim, o Tamengo poderia ser transformado num canal de luxo, como diz Bismark: são apenas 7,5 quilômetros que se convertem na única saída da Bolívia para o mar. A nova concessão hidroviária proporciona os primeiros resultados, com o aumento do comercio internacional e a elevação do PIB boliviano.
Com mestrado em Gestão portuária e intermodalidade na Espanha, o Doutor H.c. Bismark Rosales Rojas agora parte para o curso de doutorado na mesma área. Especializou-se num setor que até o século passado era restrito aos militares das forças armadas. Motivado por esta honraria e outras menções de louvor recebidas na Sessão Online no dia 25 de julho,  continua motivado junto a sua família, para seguir seu autodesenvolvimento e o desenvolvimento social desta região de fronteira.

(Veja no canal Reportagens esta publicação em espanhol e inglês)


quinta-feira, 23 de abril de 2020

Diário do fim do mundo - 9ª Parte


Santuário de Nossa Senhora dos Remédios, padroeira de Ladário-MS
1. QUANDO cito neste diário a expressão “fim do mundo” me refiro ao fim deste mundo tal qual ele se configurava até fevereiro de 2020. Acredito efetivamente que está pandemia carrega o dom de construir um mundo melhor quando cessar o bafo venenoso do Covid-19. Vai provocar uma mudança de atitude das pessoas – e de toda a humanidade – levando a uma transformação esperada por todos os profetas. 
2. O CALENDÁRIO MAIA profetizou o fim do mundo (ou o começo de uma nova era) para 2012. Chico Xavier, em sua última entrevista, revelou que haveria grandes transformações a partir de junho de 2019. O professor e doutor Andris Tebecis, da Sukyo Mahikari, durante um Seminário em Campo Grande-MS, afirmou que, naquele ano, 2010, começava a “era da Luz e o governo de Deus”. Hoje poucos duvidam dos efeitos concretos dessas três profecias, mas há outras, que prefiro não citar para não estender o assunto. 
3. VOCÊS JÁ pararam para pensar como os trilhões de dólares movimentados nos megaespectáculos de toda a natureza, nas vultosas operações das empresas multinacionais, nas gigantescas negociações das corporações promovem o acúmulo de riqueza de uma casta privilegiada, provocam desequilíbrio social que beneficia poucos e tira o sustento básico de alimentação e habitação de milhares de pessoas em todo o mundo? Pois é, e agora? Com quase tudo parado, ou desacelerado, o mundo tal qual o conhecíamos, feito de conquistas materiais, desenfreado  consumo, poder econômico e acúmulo financeiro deve dar lugar a um modo de vida mais equilibrado, sustentável, racional, solidário ou seja lá como queiram conceituar – por obra do acaso, da natureza ou do sopro divino. É pelo menos o que todos esperamos. Não se aceita mais a retórica de que os ricos ficarão mais ricos e os pobres mais pobres. 
4. O DISTANCIAMENTO, as quarentenas, os isolamentos sociais, as máscaras de proteção, a higienização, a reforma dos sistemas sanitários são apenas pano de fundo nesta crise que deve culminar com um novo estilo de vida marcado pelo fim do desperdício, pelo reaproveitamento material, a reciclagem, o fim do descartável e da nefasta indústria que desde o advento do capitalismo promoveu a massificação de produtos. Pode não ser uma volta completa às origens, mesmo porque hoje dispomos de uma tecnologia avançada, mas com certeza um novo olhar aos bem duráveis, ao maior respeito à natureza e às condições naturais de sobrevivência. As máscaras sanitárias estão na ordem do dia como proteção na pandemia, mas o sistema capitalista que só visa o lucro a qualquer custo precisa e deve ser desmascarado para que tenhamos um futuro melhor. 
5. FILME. Como dica cinéfila hoje eu indico “Encontro Marcado” (1998), com impecáveis atuações de Anthony Hopkins, Brad Pitt e Claire Forlaine, pela plataforma Netflix, bem adequado a esses tempos da Covid-19, o vírus da morte. Prestes a ter um colapso cardíaco e desencarnar, o Magnata de 65 anos pergunta à Morte: “Devo ter medo?”. E a Morte responde: “Um homem como você, não”. 
6. MÚSICA. Over de Rainbow compõe a trilha sonora no final apoteótico de Encontro Marcado. Indico a música instrumental ou na voz do havaiano Israel Kamakawiwo’ole. 
7. ENCERRO ilustrando com essa imagem do Santuário de Nossa Senhora dos Remédios, a santa da cura, padroeira de Ladário, cidade de onde escrevo este modesto e breve diário, às margens do rio Paraguai, nas proximidades da fronteira com a Bolivia, ao sul do Pantanal do MS. (Nelson Urt/Navepress)

https://www.youtube.com/watch?v=mBmDg-CNFqY&t=20s