Poesias



NADA MAIS TENHO A PERDER

Nelson Urt

Carrego nesta solidão
A marca de uma cicatriz
Da ferida de um amor
Que me alegrou e fez feliz

Aquilo que um dia é
E noutro nunca mais será

Resta uma vaga lembrança
Do fogo que ardeu entre corpos

Enquanto agora meus pés 
a passos miúdos me levam
sobre esses calientes paralelepípedos
No lento vaivém da rua XV

Perdi você
Nada mais tenho a perder


NÃO EXISTE AMOR EM SP

Criolo

Não existe amor em SP
Um labirinto místico
Onde os grafites gritam
Não dá pra descrever
Numa linda frase
De um postal tão doce
Cuidado com doce
São Paulo é um buquê
Buquês são flores mortas
Num lindo arranjo
Arranjo lindo feito pra você
Não existe amor em SP
Os bares estão cheios de almas tão vazias
A ganância vibra, a vaidade excita
Devolva minha vida e morra
Afogada em seu próprio mar de fel
Aqui ninguém vai pro céu
Não precisa morrer pra ver Deus
Não precisa sofrer pra saber o que é melhor pra você
Encontro duas nuvens
Em cada escombro, em cada esquina
Me dê um gole de vida
Não precisa morrer pra ver Deus
Não existe amor em SP
Um labirinto místico
Onde os grafites gritam
Não dá pra descrever
Numa linda frase
De um postal tão doce
Cuidado com doce
São Paulo é um buquê

MANIFESTO CONTRA O MEDO DO DESEJO

Ashjan Sadique Adi



Entre medos incontáveis, temos um do maiores medos a contar:

O medo do desejo, o medo do prazer.

Que tanto ele vem nos amedrontar?
Dias a dentro. Noites à fora.
Em que ardemos, ardemos...
E os desejos parecem sair a nos capturar.
Sozinhos na cama, no banheiro, no computador, no celular...
Temos medo do orgasmo, do gemido, da risada em alto tom.
Do outro se divertindo.
Introvertido em seu delírio.
Reprimimos o desejo – nosso e do outro.
O desejo da alegria, da liberdade, do sexo, da amizade, da luta, da revolta, da transgressão.
Reprimimos o desejo – seja ele qual for, seja ele de onde vier.
Seja ele de quem emanar:
O desejo da mãe, o desejo do pai.
O desejo do irmão, o desejo da irmã.
O desejo da amiga, o desejo do amigo.
O desejo do marido, o desejo da esposa.
O desejo da criança, o desejo do idoso.
O desejo do adolescente, o desejo do adulto.
Reprimimos tudo.
Reprimimos todos.
Não, tem que normalizar!
Não, tem que patologizar!
Sexo oral?! Sexo anal?! Não faz procriar.
E para isso viemos: multiplicar!
Nada de esperma desperdiçar.
Orgasmo feminino! Para quê?
Ela não precisa dele pra gerar!!
Se tocar??!! Não sabia que teu corpo te pertencia...
Tem algo de errado nesse desejo: é uma anomalia.
Porque mulher casada não pode desejar homem alheio.
E moça com namorado não pode achar outros moços bonitos.
Porque menina séria não admira rapaz tatuado, de brinco colado.
Se pensar é traição.
Tá errado.
O mundo tá errado.
Para onde vai esse mundo, meu Deus?
Se assombram os mais velhos e caretas.
Desejo é coisa feia, errada, do capeta.
Pecado capital, excremento do corpo – exorcize!
Se ele te sufoca, sufoque-o. “Fuck you”!
Porque desejo passa.
Se não passar, leva pro psiquiatra.
Não passou, aumenta a dose de antiandrogênicos.
E não se preocupe, para todo desejo tem solução.
Até para gay tem cura!
E se a mulher for fogosa, é puta!!
Amputa!!! 

A.S.A., Barreiras, 26-05-17.


POR QUE NÃO SAI?

Ashjan Sadique Adi


Um sentimento me contradiz.
Se contradiz em mim.
Me contradiz inteira.
Contradiz a razão que construí.
No escuro de meu edifício te procuro.
E você está lá.
Brecha rachada. Manchada.
Já não cresce, jaz estagnada.
Mas continua lá.
Eu a procurei e reencontrei.
Fissura estancada que por vezes volta a sangrar.
E até agora estou aqui a olhar.
Absorta nisto que anda para trás.
Em direção contrária ao tempo.
Mas que retorna.
Sim, retorna.
A me fazer tropeçar.
A atrapalhar meu caminho.
A fazer-me esquecer dos espinhos.
E lembrar dos carinhos.
Carinhos que me cegaram, paralisaram, emudeceram.
Foi tanta dor...
Por que ainda lembro de ti?
Por que essa saudade a me afligir?
Por que essa brecha a me partir?
Por que ela não fecha?
 O que você me deu que ainda não se perdeu?
Que fixou em minha derme.
Que cravou minha epiderme.
Que entupiu minhas veias.
Que intoxicou o miocárdio.
Por que você não sai? Por quê?
Por que minhas retinas não te esquecem?
Por que meus lábios tua boca não repelem?
Por que meu corpo tuas tatuagens não expulsa?
Por que meus braços teu calor não esquecem?
Por que esse teu cheiro em meus pulmões?
Por que não esqueço teu som, tua voz e violão?
Por que não esqueço teu suor?
Como lava que respingava da compulsão de nossos corpos.
Lava que me lavava e parava meu tremor.
E os movimentos involuntários do Amor.
Por que minha memória não te exila?
E meus poros não te eliminam?
Como a carne faz com os sais
Que excedem e não cabem mais.
Antes que virem pedras renais.
Por que tua sombra a me perseguir?
Por que em meus sonhos não me deixa dormir?
Por que como bomba atômica me tiraste a Paz?
E se faz radioatividade em meus genes a perpetuar?
Por que, por que você não sai? 


ASA. Barreiras, 03-12-2016.



NÃO CABES MAIS



Ashjan Sadique Adi

Um sentimento me contradiz.
Se contradiz em mim.
Cada vez mais você significa menos. 
É interessante como algumas pessoas fazem tão pouco se significar.
E você foi se tornando cada vez mais opaco dentro de mim.
Indo embora nos pequenos gestos de indiferença e outras violências. 
Teu jeito de me tratar e destratar.
Teus comentários inconvenientes e desnecessários.
Teu joguinho de gigolô.
Tuas rejeições dolorosas.
Tua negação de afetos.
Tuas palavras despolidas.
Teu linguajar frio.
Tudo a deixar-me no vazio.
A solidão me é mais companheira.
O encontro comigo mesma, mais rico.
Ai, quanto desperdício. 
Por tão pouco.Por tão ínfimo, tão raso vínculo.
E essa minha dificuldade de desvincular mesmo do pouco.
Do pobre, do empobrecido, do que empobrece.
Felizmente, começo a me desvencilhar.
A desconstruir essa edificação de Afeto que ergui dentro de mim
Num momento de leve encanto.
Envolvida pela brisa da esperança de um encontro.
Embebida pelo desejo.
Do corpo, do cheiro, do beijo.
Divagações...
Aliviada, percebo que se finda o que mal começou.
O que começou bem, mas logo se mostrou frágil, quebradiço, endurecido.
Já é chegada a hora mais que necessária de apartar.
E enxergar que não vale a pena.
Não vale a pena se a alma do outro é tão pequena.
E dá tão pouco.
Merecemos mais!
Tu te fazes pequeno nesse meu coração enorme.
Por isso não cabes mais.
Por isso já não cabe este desencontro.
Essa fluidez de afeto ralo.
Nesse meu peito sólido que sangra de Amor.

ASA, Barreiras, 11-07-2016

O QUE ME SURPREENDE

Ashjan Sadique Adi

 O que me surpreende não são tuas agressões - de todos os tipos e tons.
Teus lábios malditos a me ofender com palavras mais malditas ainda.
Teu olhar raivoso disposto a me submeter.
O que me surpreende não são teus gritos a estremecer meus ouvidos.
Nem tua boca dizendo para a minha calar.
Tuas comparações absurdas de meu corpo com os de outras mulheres.
O que me surpreende não é essa tua vontade de me inferiorizar, e diminuir.
Vontade de me deixar ao chão com tua linguagem áspera, violenta.
E por vezes, vontade de me deixar ao chão com tua mão.
Não, o que me surpreende não é tua violência.
Violências de gestos e verbos. 
Simbólicas e físicas.
O que me surpreende não são teus empurrões, contenções e pressões.
Não é esse teu sentimento de posse e poder sobre mim.
Nem teu ciúme doentio.
Atrapalhando a conversa com os amigos.
Interferindo em meu tempo com a família.
Prejudicando o caro encontro comigo mesma.
O que me surpreende não são todos esses espinhos.
Nem todas essas pedras jogadas em meu caminho.
Em meu corpo, em minha alma, em minha sensibilidade, em meus sentidos.
Quanto desperdício...
De tempo, de trajeto, de poesia, de calor, de amor.
O que me surpreende não é teu desrespeito e destrato.
Teu jeito ingrato.
Tuas exigências infundadas.
Tuas contradições tão claras.
O que me surpreende não são tuas opiniões levianas e rasas.
Tuas promessas fáceis e falsas.
Nem tuas mentiras de que dias melhores virão.
O que me surpreende não é teu machismo escancarado, descascado, enervado.
Em teus olhos, bocas e mãos.
Me xingando de vadia, puta, safada e vulgaridades abaixo.
Porque me permito sucumbir aos meus desejos.
O que me surpreende é como aceitei tudo isso. 


Barreiras, 11-05-2016. 23:00 hs. Liu.


EM CHAMAS


Jota Etcheverria

Amizade em chamas
Vermelhas
Labaredas ao céu
Faiscantes
Derretendo paradigmas
Você recusa nesse encontro o papel de amante
E eu teimo em pensar como antes
Sigo as batidas do meu coração
Cabe, sim, o amor nessa relação
É o que nos sustenta, esquenta, reinventa
Como fogo que move a água
Como água que apaga o fogo
Assim, de alguma forma a gente se ama


TREM DA MORTE

Jota Etcheverria

Ele carrega a maldição
Pelos trilhos da fronteira
Deixa um cheiro de enxofre em cada estação
Lá vai o trem da morte
Com sorte
Chega a Santa Cruz
Cruz credo!
Será que chega?
Ele carrega a morte
No último vagão
Ali, eu vi, viaja uma caveira

Lá vai o trem da morte
Levando gente fedida
Maltrapilha, maldita
Açoitada pela vida
Gente suada mas honrada
Selvagem porém honesta
Entre galinhas, bodes e cabritos
Velhos, crianças, cholas e índios
Entre holandeses de olhos azuis
Mochileiros turistas
No hibridismo da fronteira

Companheira e hospitaleira
A morte visita vagões
Oferece água e pães
O homem bêbado aceita a comida
Come, bebe, arrota, quase vomita
Mas mata a fome
E sobrevive
Esse a morte não conseguiu levar

Lá vai o trem da morte
Carregando vidas
Quase vidas
Sobrevidas
O que resta do caos
Rumo a Santa Cruz
Cruz credo!
Será que chega?





PEDIDO DE CASAMENTO

Arnaldo Antunes


Eu sei que a gente ia ser feliz juntinho
Pra todo dia dividir carinho
Tenho certeza de que daria certo
Eu e você, você e eu por perto
Eu só queria ter o nosso cantinho
Meu corpo junto ao seu mais um pouquinho
Tenho certeza de que daria certo
Nós dois sozinhos num lugar deserto
Se você não quiser
Me viro como der
Mas se quiser me diga, por favor
Pois se você quiser
Me viro como for
Para que seja bom como já é
Eu sei que eu ia te fazer feliz
Dos pés até a ponta do nariz
Da beira da orelha ao fim do mundo
Sugando o sangue de cada segundo
Te dou um filho, te componho um hino
O que você quiser saber eu ensino
Te dou amor enquanto eu te amar
Prometo te deixar quando acabar
Se você não quiser
Me viro como der
Mas se quiser me diga, meu amor
Pois se você quiser
Me viro como for
Para que seja bom como já é

BELA
Nelson Urt

Você é meu tudo, meu nada
Meu caminho
Meu querer, meu saber
Minha doce ilusão
Amarga e passageira
Meu quintal, universal
Minha janela, meu portal
Meu coração que bate sem saber
Bela,
Suave fera ferida
Na vida
Veio para preencher meus vazios
E atender os meus desejos

Meus beijos são teus beijos
Minhas mãos são tuas mãos

Retribuo com gestos honestos
Querido cavalheiro
Gestos de amor


NÃO SEI DANÇAR

Manuel Bandeira

Uns tomam éter, outros cocaína.
Eu já tomei tristeza, hoje tomo alegria.
Tenho todos os motivos menos um de ser triste.
Mas o cálculo das probabilidades é uma pilhéria...
Abaixo Amiel!
E nunca lerei o diário de Maria Bashkirtseff.
Sim, já perdi pai, mãe, irmãos.
Perdi a saúde também.
É por isso que sinto como ninguém o ritmo do jazz band.
Uns tomam éter, outros cocaína.
Eu tomo alegria!
Eis aí por que vim assistir a este baile de terça-feira gorda.
Mistura muito excelente de chás...
Esta foi açafata...
- Não, foi arrumadeira.
E está dançando com o ex-prefeito municipal:
Tão Brasil!
De fato este salão de sangues misturados parece o Brasil...
Há até a fração incipiente amarela
Na figura de um japonês.
O japonês também dança maxixe:
Acugelê banzai!
A filha do usineiro de Campos
Olha com repugnância
Para a crioula imoral,
No entanto o que faz a indecência da outra
É dengue nos olhos maravilhosos da moça.
E aquele cair de ombros...
Mas ela não sabe...
Tão Brasil!
Ninguém se lembra de política...
Nem dos oito mil quilômetros de costa...
O algodão do Seridó é o melhor do mundo?... Que me importa?
Não há malária nem moléstia de Chagas nem ancilóstomos.
A sereia sibila e o ganzá do jazz-band batuca.
Eu tomo alegria!

(Petrópolis, 1925)







MONOSSÍLABO

Hildyane Teixeira

Meu desejo é monossílabo.
Irrecíproco, contido, morto de fome.
Desejo ferido, golpeado pelo sereno.
Ignorado pela sua nascente.
Não amado.

A flor brotou,
Mas desde ontem de ontem o orvalho não vem.
Corumbá está ali,
mas o ninho foi levado por toda essa correnteza.
Setembro nunca pareceu-me tão perto...
Pensando em alguém que nunca pareceu-me tão distante.

Como pode o cais se deslocar do porto
no instante em que amarro minha canoa pra usufruir do casario?
Quisera eu ter o remo capaz de percorrer a contra correnteza
e poder sentir, ser e reviver o amor em época de cheia.

Monossílabo em rio desaguado em meu ser,
incapaz de saciar minha sede por se encontrar em época de seca.
Má pescadora seria eu
se não entendesse que a tristeza desse tempo só dura alguns meses.

A cheia virá...
Talvez não mais monossilábica,
mas carregando as marcas da bonança que foi essa estação:
monossilábica em verbo de rio.


MOLÉCULA

Hildyane Teixeira

Tal como molécula,
Avancei-me para fora do elo...
É preciso evaporar, vez ou outra.

Percorri a estrada envenenada.
Na ida, desviei das flores e espinhos secos da antiga estação.
Saboreei o tardio entardecer,
Colorindo o horizonte desértico e verde de exportação.

Na volta, colhi uns flamboyants cor de pôr-do-sol-tocando-em-rio,
Pensando valer a pena a recordação daquele caminho de terra.
Ouvi risadas e suspiros pretéritos atravessando as quadras:
Memória sucumbida gerou um breve riso triste.

Penso que ali já havia um princípio de estado atmosférico...
Mas a viagem é longa, e a liquidez é muita.
Demorei para permitir ser tomada pelo sol,
Meu varal ocupado estava com camisas de um amassado-quadriculado-colorido.

Sei bem que nada como o passar do tempo para baixa umidade relativa do ar.
Estações futuras guardam condensação.



FORÇA ELUCIDATIVA

Hildyane Teixeira

Na minha pele palpável
A utopia caça jeito de se apossar do interior.

E ritmando os ecos do meu pensamento,
Faz da minha cabeça uma caixa de música.

Irradiando a escuridão esclarecedora:
Filtra os frutos da visão.

Convidando a crítica
Para a dança da reprovação.

Nivelando o superficial que entope minha paciência:
Dando lugar a vanguarda que colore minha esperança.




AMOR PROIBIDO

Rachel Roberta V. Ramires

Amor te vejo nos meus sonhos,
Será saudade?
Ainda sinto o calor do seu corpo sobre o meu...
Seu beijo, um doce natural que entrelaçava meus lábios
Quando o beijava sentia uma paixão intensa que incendiava
Completamente  a minha alma...

É como se todas às luzes do meu corpo fosse por ti acesas!
Não tenho palavras para descrever toda a alegria e 
emoção que sentia ao seu lado minha paixão.
Cada palavra que saía de sua boca,
destilava mel puro de abelhas rainhas!

Quero sentir o seu amor outra vez, outra vez, outra vez...
Se Deus permitir vamos nos reencontrar para viver esse amor incondicional, 
livre de preocupações, angústias, ansiedade e simplesmente
Sem fronteiras.

Quero me deleitar em seus braços,
e sentir seu coração palpitar sobre meu peito.
Amo o seu sorriso e sua alegria de viver.
Fico encantada com tanta perfeição que há no brilho do seu  olhar!



MULHER COM ORGULHO

Aika Ranny Bispo

Sou mulher e sou forte!
Nasci assim e tive sorte.
Sou batalhadora e
Consegui tudo que eu quis
Igualdade e respeito foi assim que fiz...

Ser mãe e pai não é pra qualquer um!
Afinal, homem e mulher
Não tem nada em comum

Tivemos que ser forte e enfrentar o medo...
Para conseguir dignidade e respeito.
Muitos dizem: Que mulher não pode.
Engulam esse comentário "machista"
Porque agora tenho posse!

Conquistei a igualdade em cima de um salto
porque afinal rainha está sempre no alto

Disseram que eu não seria capaz, 
mas minha mãe me ensinou
nunca abaixar a cabeça rapaz!
Demorou! Mais eu cheguei e
Para me tirar daqui,

Nem mesmo um rei!


INSCRIÇÃO

Marco Aurélio Machado de Oliveira

A cada vírgula do erro/
me inscrevo em uma obsessão/
despida de acertos/
vestida de pretensão.
Quisera saber/
quando o amor é pra ler/
quando vale a pena amar/
rir e sonhar.
Sofro de tanto pensar/
por isso minha inscrição/
de quando se tem a chance de amar/
e se recolhe em adoração.



ENTÃO NÃO TENTE ENTENDER

Tessa Cardoso

Pedidos e preces perdidos, permeando do peito ao pé
Mariposa mansa em mim, minto, mexe até moer meus medos
Dentro há dor diante da dança que desistiu,
danos diversos, dúvidas duradouras, dívidas decadentes
Não faz sentido, mas sentido fizeste ao colocar devaneio
Em meio ao cheio recheio de vontades


Sem delírio são só palavras em um caos causado por mim
Visto por ti e esquecido
Revivo o que nem vivo, mas estou vivo para viver o que revivo
e nem vivo posso então um dia viver o que revivo
e nem vivo pois vivo sem viver o que revivo que nem vivo é

Caos feito para desorganizar
Encontrar em meio ao arrumado é utopia
Para quem vive bagunça
A desordem mostra, ergue e faz brilhar o que busco
Mas ninguém vê
Porque não há
Procuraste o nada em meio a este caos




PELO TEMPO QUE DURAR

Adriana Calcanhoto e Marisa Monte


Nada vai permanecer
No estado em que está

Eu só penso em ver você
Eu só quero te encontrar

Geleiras vão derreter
Estrelas vão se apagar
E eu pensando em ter você
Pelo tempo que durar

Coisas vão se transformar
Para desaparecer
E eu pensando em ficar
A vida a te transcorrer
E eu pensando em passar
Pela vida com você




MAIS UM NA MULTIDÃO

Erasmo Carlos, Marisa Monte e Carlinhos Brown

Guarde segredo que te quero
E conte só os seus pra mim
Faça de mim o seu brinquedo
Você é meu enredo vem pra cá...

Te quero
Te espero
Não vai passar
O amor não tarda, está...

Você pensa em mim
Eu penso em você
Eu tento dormir
Você tenta esquecer
Longe do seu ninho
Meu andar caminho
Deixo onde passo
Os meus pés no chão
Sou mais um na multidão...

O mar de sol
No leito do lar
Que nem um rio
Pode apagar
O amor é fogo
E ferve queimando
Estou ferido agora
E sigo te amando
Você pode acreditar...

A mesma carta
O mesmo verbo
E sonho só viver pra ti
Quem tem a chave do mistério
Não teme tanto o medo de amar...

Me cego
Te enxergo
Não vai passar
O amor não tarda, está...

Te quero
Te espero
Não vai passar
O amor não falta estar...

Você pensa em mim
Eu penso em você
Eu tento dormir
Você tenta esquecer
Longe do seu ninho
Meu andar caminho
Deixo o óbvio e faço
Os meus pés no chão...
Sou mais um na multidão

  

NO OLHO DO FURACÃO

Nelson Urt

Não tenho culpa de ter vivido intensamente todas as emoções 
Possíveis e impossíveis, indescritíveis, impensáveis
Você não tem culpa de ser um livro aberto para o futuro
Olhos que ainda investigam a vida
Mãos que ainda tateiam o infinito

Não temos culpa de viver em uma sociedade sedentária
Fracassada, manipulada, estereotipada, ostensiva, opressora
Não temos culpa de ter-nos reencontrado no olho deste furacão
No moinho de vento, na roda da vida
No meio desta engrenagem reacionária


Não temos culpa de nos termos conhecido em vidas passadas
Você a rainha, eu seu escravo
Ou não seria eu o carrasco e você a dona do coração partido?
Quem sabe...

Você reaparece com seu sorriso doce 
Para assim recompensar algum sofrimento que me tenha causado
Eu reapareço para pedir-lhe perdão
Oferecer minha gratidão
Cobrir-lhe de poemas, gracejos e afagos

Por isso não temos pressa.
Reencontramo-nos diante da nossa eternidade
Podem chamar isso do que quiserem: 
Destino, predestinação, obsessão, reencarnação

Não importa
Estamos a frente de qualquer conceito, preconceito e definição.
Vivo cada dia como se fosse o último
Você vive cada dia como se fosse o primeiro

Desculpe-nos se encontramos o amor e a essência da vida
Em situações aparentemente banais e corriqueiras...
Enquanto muitos sofrem e se aniquilam 
Na tentativa de construir grandes castelos de areia

Estamos apenas nos reconhecendo
Não temos pressa, não temos culpa.
A culpa, sei lá, é das estrelas.




A VOCÊ QUE NÃO ME AMA

Marilene Rodrigues

Amo você que não me ama
Que da minha vida regressa reclama
Não gosta da beleza, do perfume, dos carinhos
Mas, não deixa minha cama
Pra seguir outros caminhos.
Amo você que não me ama
Que com meus medos, anseios e temores
Não se importa
Mas, sozinha não me deixa nas dores
E isso muito me conforta.
Amo você que não me ama
Que tanto mal e bem faz ao meu coração
Com suas promessas em vão.
Amo você que já quase me ama
Que até me dá um beijinho
Sem fazer drama.




SOBRE NOSSA ESTAÇÃO

Hildyanne Teixeira

Com licença poética, permito-me tomar as palavras de Shakespeare
Para descrever minha antiga estação.
“Hei de comparar-te a um dia de verão?”
E comparo-te com um dia ensolarado.
Foi isso e mais.
Foi brisa que ao refrescar-me
Bateu em meus cabelos e bagunçou-os totalmente.
Foi cachoeira que entrou de fininho por alguma das minhas infinitas rachaduras.
E de uma hora pra outra já tinha desaguado em meu mar sem ao menos pedir licença. 
Foi chuva que molhou meu ser,
Fazendo com que eu não me importasse em carregar as roupas encharcadas que cobriam meu corpo ao longo do dia.
Foi intenso.
Foi rápido.
Foi bonito.
É meu passado eterno.
Daqueles que insistem em sair com a saudade para fazer-me lembrar de que eu amei.
Ou amo?
A princípio, vivi no inverno.
Senti a dor de ver a brisa afastar-se de mim.
Não para retornar mais forte, mas para refrescar outro coração.
Vi que ainda florescia longe de mim.
Suas flores enfeitaram outro jardim.
E em certas horas, a primavera nunca me pareceu tão distante do inverno.
E o tempo passou, mesmo não sendo levado pelo vento.
E no mais, continuei caminhando pelas dunas.
Ora estava em cima, tomada pelo sol...
Ora estava embaixo, engolida pela areia.
Vez ou outra, um buraco no caminho ou uma borboleta no ar
Fazia-me lembrar da tarde de verão.
Quase posso sentir a brisa bagunçando meus cabelos outra vez
Ao tocar nas folhas da árvore da lembrança.
E sorrio.
Floreio ao recordar como foi boa a estação passada.




AMOR NÃO FEITO

Ana Martins Marques
(O Livro das Semelhanças)

No centro do que eu me lembro ficou
O amor não feito:
O que não foi rói o que foi
Como a maresia
                       
Casa onde não morei, país invisitado
Praia inacessível avistada do alto
O que fazer do desejo que não se gastou?

Alegria não sentida, amor não feito
Prazer adiado sine die
Palavra recolhida como um cão vadio
Gesto interrompido
Beijo a seco

Como parece banal agora
O que barrou
Compromissos, decência, covardia
Não foi nada disso que ficou

Mas precioso aceso
E perfeito
Restou o desejo do amor
Não feito




LIVRE-SE


Tessa Cardoso

Há pessoas que se limitam.
Não há sonhos de mudanças
Se há, são sonhos pequeninos
Tão pequenos que não transparecem no ato
Sonhos passageiros que se perdem no caminho

Há pessoas com a essência da expansão.
Para elas há sonhos e lutas
Mas o ideal é meramente individual
E enquadrado, padronizado, unilateral

O limite está no que se sonha
Quando não se pensa além, há o molde.
Molde que se restringe a mudanças superficiais
Restritas às amarras da sociedade, a críticas alheias

Ao pensar que a diferença é externa
Esquecem-se dos detalhes internos
São os detalhes que diferem, interferem.

Há pessoas que se expandem
Que sonham sonhos imensos, intensos
Que englobam a mudança do todo
O limite não é interno
O limite é a vida. 

Uma noite sonhei que era livre
Acordei livre
Livre amanheci
Livre permaneci
E vivi para sempre minha liberdade!




CARNE E OSSO

Hildyanne Teixeira


Sobre eles? Declamo a lida, a exploração, a realidade, a utopia.

O calor do sol nunca se fez tão quente sob os calos de seus pés.
O chicote do tronco nunca estalou tão alto nas feridas abertas de suas costas.
O ácido que tira a sede nunca se fez tão presente em suas torneiras.

E o dia? Nunca raiou tão vermelho.

O sonho nunca se mostrou tão vivo nas batidas de seus corações.
A justiça nunca se fez tão desejada na calamidade das prisões.
A exploração nunca fez verter tanto ódio em seus gritos de guerra.

E a vitória? Carne e osso, amanhã!




FAZ DE CONTA

Marilene Rodrigues

Faz de conta que sou a única
Faz de conta que sou a única em tua vida
Aquela a quem tu sussurras
Por quem tu deliras

Faz de conta que teus carinhos são meus
Faz de conta que teus pensamentos são meus
Faz de conta que teu olhar penetrante é meu
Faz de conta que teu universo sou eu

Ah! Quantos suspiros de amor hão de existir!
Quantas loucuras de amor hei de fazer!
Quantas promessas escritas hei de receber!

Faz de conta que faz de conta
E me ama!
Me venera!
Me liberta na prisão do teu amor!
E serei eternamente tua.




NÃO TENHO PRESSA

Nelson Urt

Quando te revejo?, indago.
Se os destinos se cruzarem, quem sabe?...respondes, com outra interrogação.
Foram apenas rápidos minutos, que valeram como muitos.
Percebo no teu olhar, no teu sorriso, no teu dançar, um encanto tão raro de ver
nas criaturas hoje em dia.
A leveza do ser, do prazer, da descoberta, uma estrada aberta.
Nas cores cintilantes da noite.
Brota em tuas palavras a chama da sinceridade.
Reconstruo a cada dia aquela cena, 
tentando refazer o doce sabor de um instante.
Você não está no facebook, mas vejo-te todo dia
nas páginas do meu pensamento
Não tenho watszapp e tento enviar msn por telepatia 
Pura magia.
Sento, penso, reflito.
Reescrevo as linhas do destino
tento reencontrar um caminho até bem perto de você
Olhos nos olhos, real, longe do virtual
Quem sabe...
Não tenho pressa.
Sempre haverá um amanhecer.




FIOS DE ESPERANÇA

Nelson Urt

Loucos são mensageiros do amor e da verdade
Da dignidade perdida pela sociedade pífia e vazia
Escandalizam, gritam, cantam em viva voz o hino do amor
Sem pudor, sem rancor

Doar seus lindos cabelos, que loucura, menina!
Os amigos se espantam, arregalam os olhos
Sorrisos e lágrimas se misturam em emoção

O gesto vem do coração 
Atitude de rara coragem hoje em dia
Nesses tempos de aparência
Em que beleza virou idolatria

No corpo de quem os perdeu
Açoitado pelo câncer
Reacendem a dignidade
A vontade de viver

Fios de cabelos vão e voltam
Brotam e caem como folhas de outono,
E renascem mais vigorosos na primavera
Como a própria vida ressurge a cada gesto de solidariedade
Menina que doa cabelos, seu nome é liberdade!



SENTIMENTO

Tessa Cardoso

Escrevem o que vivem
Alguns nem vivem, mas escrevem
O imaginário...
Onde a vida é mais intensa
Se perdem no real

Lá se encontram
O real pacato e as palavras agitadas
Retiradas do imaginário, claro
O real vigoroso e as palavras dolorosas 
Retiradas do sentimento, óbvio

Ah, o sentimento...
Exaltado e amado pela imaginação
E dilacerado e esquecido pela realidade
Pulsante em ambos




GRATIDÃO

Nelson Urt

Quando sinto vontade de orar para mortos
Nunca entro em cemitério
Entro no meu quarto
Com duas rosas vermelhas,
E deixo que o perfume se espalhe pelo oratório

Em uma bandeja ofereço a melhor bebida,
A comida mais gostosa
E sorvete de sobremesa
Depois do café, acendo um cigarro

E quando dizem que mortos não comem
Não bebem e não fumam
E nem sentem o perfume das rosas
Eu me ponho a rezar diante do altar

Agradeço aos meus mortos
Meus antepassados
Que um dia viveram por mim
Trabalharam por mim
Sofreram e riram por mim
Comeram, beberam e fumaram por mim
E sentiram o perfume das rosas

Minha oração e meu sentimento
Acredito, podem chegar ao infinito
E a essência espiritual de tudo o que ofereço
Viaja no tempo e no espaço até servir a eles
Porque o que ofereço é minha vontade
Meu desejo, minha gratidão