TERRA PROMETIDA, NÃO: SUBSOLO COBIÇADO
Ahmad Schabib Hany
Professor e historiador
Antes mesmo de os nazistas porem em prática o legado de Goebbels (homem da propaganda de Hitler), os sionistas já promoviam campanha publicitária com base em passagens do Pentateuco para sensibilizar religiosos de denominações monoteístas mais populosas, a Terra Prometida.
Leva-nos a uma tomada de posição o recente escândalo causado pela fala criminosa de uma ‘comentarista’ dona de um programa na Rádio Bandeirantes (que nas décadas de 1970, 1980 e 1990 foi vanguarda, ao lado da tevê do mesmo grupo, no Jornalismo e em muitos programas, sobretudo de música popular brasileira e do cinema-arte, mas agora se encontra em franca decadência). Não podemos deixar passar uma só declaração racista, sobretudo neste momento em que o povo palestino vem sendo alvo de campanhas criminosas comparáveis à propaganda nazista da primeira metade do século passado.
Indignante em sua fala é não demonstrar qualquer hesitação ao pregar o extermínio dos palestinos, dizendo que ‘não há inocentes em Gaza’ (sic). Assume-se sionista e recorre a citações do Pentateuco (Velho Testamento, na Bíblia) para dizer que ela luta, sim, por sua ‘terra ancestral e presente’. Primeiro, o Estado de Israel tem apenas 76 anos e foi fundado sobre o território milenar da Palestina. Em pleno século XX, é o único que não tem fronteiras definidas (e há quem diga que as duas listras azuis são explícita afirmação que seu território começa no rio Nilo (Egito) e termina no Eufrates (Iraque). Somente tem direito à cidadania, ou nacionalidade, ‘israelense’ quem professa a religião judaica, não quem nasce dentro de seu território, como nos demais países do Planeta.
Com base no Departamento de Estado dos Estados Unidos, agora surge uma campanha para ‘alertar’ sobre o aumento de casos de antissemitismo. Como assim? Os árabes somos semitas também, ou vão mudar as escrituras, ao sabor dos interesses da Casa Branca e do Knesset, parlamento do Estado sionista imposto aos palestinos sem os consultar? Essa é a tal ‘democracia’ ocidental? Não foi esse o legado dos atenienses nem dos renascentistas e iluministas, até porque eles eram assumidamente laicos: l-a-i-c-o-s, alguns declaravam solenemente serem ateus, ante a barbárie cometida em nome de Deus na Idade Média...
Ao contrário da atual propaganda nazissionista, os árabes ao longo da história protegeram os judeus das perseguições do ocidente, sobretudo nas Cruzadas e na Inquisição. Ou por quê havia milhares (senão milhões, não se sabe ao certo) em território ibérico quando os ‘mouros’ dominaram a península e legaram contribuições civilizatórias que fizeram os reinos católicos da Espanha e Portugal pioneiros na Europa que renascia depois da lúgubre e obscurantista Idade Média, de sortilégios e privilégios apenas para os ‘sangue azul’? Por quê, afinal, os Palestinos e demais árabes terem que pagar a conta do holocausto nazista, praticado por europeus e imposto aos judeus nas primeiras décadas do século XX, em território europeu?
Qual direito divino (sic) detém o ocidente e, por tabela, os judeus para invadir, expulsar, saquear, difamar, humilhar, aprisionar, infelicitar quatro ou mais gerações de palestinos em seu próprio território? Hoje está provado que os sionistas, com sua obsessão e ação de extermínio acintoso dos palestinos, pretende não só se apossar do território milenar que cultivaram, habitaram, desenvolveram, viveram e conviveram por milênios: os sionistas querem usurpar sua história, suas culturas, seu protagonismo na vanguarda da humanidade e, sobretudo, sua existência enquanto povo milenar. Aliás, o fato de ser judeu nascido e criado na Europa ou em outro continente não significa que tenha a mesma cultura dos originários palestinos, pois judeus europeus são e serão sempre europeus.
Contra fatos não há argumentos, e muito menos narrativas falaciosas. Antissemitismo é o que vem sendo cometido no genocídio de Gaza, nos massacres da Cisjordânia e da velha e milenar Jerusalém, berço das três religiões monoteístas mais populosas do Planeta.
A história tem mostrado que muitas falácias a que recorreram os poderosos em diferentes tempos têm sido o uso da religião para dominar e subjugar grandes contingentes humanos. No final do século XIX, o movimento sionista fundado por Theodor Herzl, um judeu europeu interessado na criação de um ‘lar nacional para os judeus’ quando a Grã-Bretanha era a poderosa potência colonial, detentora do império britânico, ‘aquele em cujo território o sol não se punha’.
Os sionistas, depois de sondar ricas terras da Patagônia (não muito distante das cobiçadas Ilhas Malvinas, pertencentes à Argentina, e não Inglaterra), estiveram de olho no território de Uganda (África, continente rico em diamantes, ouro e petróleo), e até na Amazônia, na América do Sul, onde as lendas europeias do mitológico El Dorado (ou, em português, Eldorado) despertavam a cobiça pelo ouro e outros minérios. Meu Avô materno Yussef Al-Hany, um dentista libanês druso (em árabe ‘derzi’, uma denominação religiosa oriental espiritualista) que passara pela Europa até chegar à Amazônia, mais de um século atrás (tempo da Madeira-Mamoré), contava epopeias de ousadas expedições cujos integrantes sumiram na profundeza da selva tropical, à época temida pelas lendas, feras e, sobretudo, pela malária endêmica.
Nessa época o império turco-otomano -- que no século XV conquistara o coração do império romano do oriente (império bizantino), com a queda de Constantinopla, e que levara às grandes navegações por conta da procura de rotas alternativas para compra de especiarias e tecidos das Índias e outros fornecedores do oriente, empreendimento liderado pelos reinos católicos da Espanha e de Portugal graças ao legado árabe na Península Ibérica -- se encontrava em franca decadência e nos estertores da morte. Grã-Bretanha e França, de olho no espólio turco, já se articulavam para lotear o território árabe, a despeito das promessas feitas, por meio de T. E. Lawrence (o famigerado Lawrence da Arábia), de que, em troca da ajuda dos líderes árabes no enfrentamento dos tirânicos feitores turco-otomanos, obteriam sua libertação -- ledo engano: ingleses e franceses já haviam se entendido, por meio do Acordo de Sykes-Picot, na partilha do imenso mundo árabe, desde parte da Ásia e a região magrebina da África.
Pouco tempo depois, em plena Primeira Guerra Mundial, o chanceler britânico Arthur Balfour envia a um dos máximos líderes sionistas de Londres, o Lorde Rotschild, carta que entra para a história como Declaração Balfour, em que o representante do Reino Unido (antes de derrotar o império otomano) se compromete a concretizar o propósito sionista do ‘lar nacional judeu’ na Palestina, que ainda estava sob o domínio da Turquia. Enquanto os colonizadores britânicos proibiam os árabes de qualquer arma, sobretudo com munição, os sionistas europeus, recém-chegados, usando sempre a falaciosa metáfora de ‘forças de defesa’, promoveram, sim, atentados, como o do Hotel David, em Jerusalém, onde as autoridades coloniais britânicas se hospedavam enquanto serviam ao império britânico.
Outro atentado terrorista cometido por grupos como o Irgun e o Haganá (eram mais de seis organizações de milicianos europeus ligados ao sionismo) foi o famigerado Massacre de Deir Yassin, de 1947, quando famílias inteiras de palestinos, em pânico, abandonaram suas aldeias, suas plantações seculares de oliveiras e suas atividades milenares de vida no campo. Eles, por serem judeus, podiam recorrer ao terrorismo, como o Estado de Israel, desde que existiu por decisão de governos de países-membro da ONU, em 1947, SEM CONSULTAR O POVO PALESTINO, sobre um território único que eles partilharam de propósito sem continuidade, para impedir que remanescesse o Estado da Palestina, como não existe até hoje. E a imprensa ocidental vem cinicamente chamar de ‘ministério de saúde (minúsculas, pois é falácia, não existe governo constituído) do Hamas’, ‘exército do Hamas’, ‘guerra contra o Hamas’, se sequer há um Estado constituído, um governo criado.
Se no tempo dos faraós, milênios atrás, os sacerdotes já se valiam da fé, esse recurso foi usado também pelo império romano depois do século IV depois de Cristo, quando césar, o imperador romano, se ‘converteu’ ao cristianismo. Depois de séculos de perseguição aos cristãos, o mesmo império que perseguiu e até fez o julgamento de Jesus Cristo (com o conluio dos sumos rabinos Anás e Caifás, que O denunciaram como ‘falso Messias’, não esqueçamos).
Valendo-se, dessa forma, das escrituras religiosas, os sionistas, antes mesmo de Joseph Goebbels ter-se tornado célebre homem da propaganda de Adolf Hitler na Alemanha, já usavam a repetição da narrativa destituída de qualquer base histórica. Valiam-se da ‘tradição’ religiosa para tentar legitimar sua campanha, explicitamente propagandística. Benjamin Netanyahu e aquela ‘comentarista’ sionista são a prova eloquente de que eles se consideram acima do bem e do mal. Essa balela de terra prometida (sem maiúsculas, pois não passa de propaganda sionista), assim como a vergonhosa consigna de ‘uma terra sem povo (sic) para um povo sem terra’ tem que ser desmascarada. Como Joe Biden disse em 1986, ‘se não existisse Israel, teríamos que criar um’, os Estados Unidos e a União Europeia precisam, sim, de um enclave ocidental na Arábia milenar, sobretudo por causa do SUBSOLO COBIÇADO.
A verdadeira razão por que a OTAN e todas as potências econômicas e militares ocidentais se mobilizam não é a ‘terra prometida’, mas o subsolo cobiçado. A história demonstra sem qualquer artifício, de modo explícito e transparente. Foi só eclodir o conflito na Palestina para a OTAN se ‘esquecer’ da Ucrânia, governada desde 2014 por um sionista, Volodimir Zelensky. Coincidência? Não, é que eles são os ‘eleitos de deus’ (sem maiúscula, pois não se trata do Criador, mas o da propaganda sionista). Daqui a pouco, vão querer, por causa do lítio e da água, nos tirar da América do Sul. Só que não: vivemos ‘os últimos dias de Pompeia’, fim do nefasto império do ocidente. Talvez nossa geração não veja, mas nossos Filhos e Netos viverão tempos alvissareiros, livres da tirania sionista, cuja mais eloquente manifestação de opressão e barbárie acontece neste momento na Palestina, milenar, que encontrará paz quando as atuais potências ocidentais se recolherem à sua insignificância histórica, como povos de índole predadora e seu comportamento, igual ao de Átila, o uno, com rastro de terra arrasada.
O ETERNO
MENINO DA FRONTEIRA
Ahmad
Schabib Hany
Professor e historiador
Neste feriadão de 15 de novembro, em
pleno coração do Pantanal e da América do Sul, Corumbá voltou a ostentar
contornos de cosmopolitismo e racionalidade, sobretudo pela volta do querido
Amigo-Irmão Dary Jr. Foram catorze anos de sua até então mais recente
apresentação, na terceira edição do Festival América do Sul, em 2007, quando
trouxe a emblemática banda Terminal Guadalupe, fruto de sua inesgotável
genialidade.
Graças ao alerta dos igualmente
queridos Amigos-Irmãos Luiz Taques e Nelson Urt, pudemos desfrutar dos
registros, durante sua estada, de encontros com Amigos e a apresentação
memorável “O menino velho da fronteira” em discreto ambiente do Porto Geral. É
que a imprevisibilidade da Vida muitas vezes nos furta reencontros magistrais,
como o deste querido Amigo que tenho a honra e o prazer de acompanhar (e
curtir) desde a sua infância.
Até parece ter sido ontem. Estávamos
em fins da década de 1970 quando, por meio de minhas Irmãs Fatmato e Waded,
conheci a querida e hoje saudosa Dona Edna Esteves e seu querido Filho, que
desde tenra idade, com a precocidade peculiar dos talentosos, foi (e é) um
questionador, inovador. Além da inteligência singular, seu talento incansável
já chamava a atenção dos que tinham o privilégio de privar de sua Amizade.
Com a instalação da ‘novacap’, em
decorrência da criação de Mato Grosso do Sul, fomos nos reencontrar em Campo
Grande, sempre mediante a iniciativa da Fatmato e Waded, quer fosse pela
realização do Festival de Música de MS (I e II FESUL), algum curso ou seminário
etc. Mas foi quando, em companhia de Fatmato, assistimos a um belíssimo tributo
à imortal Elis Regina na casa de Dona Edna, com acolhedora companhia de Dary,
já entrando na adolescência, tendo se revelou verdadeiro gentleman.
Mas qual não foi a minha surpresa ver
o querido Dary Jr. na equipe de Hélio Ferreira, nos saudosos programas ‘Cheiro
da Terra’ e ‘Câmera 5’? Ainda não atingira a maioridade e já ‘causava’!
Matérias geniais, inesquecíveis, na área da cultura, da temática social (no
sentido amplo, não da crônica social) e da economia. Não posso esquecer do
tempo em que o saudoso Doutor Lécio Gomes de Souza era diretor da então Casa de
Cultura Luiz de Albuquerque, a querida Mestra Elenir Lena Machado de Mello a
biblioteconomista que se encarregava da estruturação da Biblioteca Pública Estadual
Dr. Gabriel Vandoni de Barros, e o jovem Dary Jr. o repórter da à época TV
Cidade Branca fazendo memorável matéria, digna de ter sido guardada nos
arquivos da emissora.
Em 1989, tive a honra de tê-lo como
meu colega de CEUC (o então Centro Universitário de Corumbá), e por meio dele
pude conhecer os queridos Júlio Galharte, Maria Inês Arruda e o saudoso Gilson
Sávio, querido Companheiro que se eternizou na emblemática jornada daquele ano,
quando dirigia uma picape do querido e hoje saudoso Padre Pasquale Forin. Não
demorou muito, Dary foi levado para a TV Morena, na capital, quando o querido
Jornalista Luiz Taques era chefe de reportagem do Jornalismo da emissora.
Trocou Letras por Jornalismo e faz história, no sentido mais amplo.
De Corumbá para o mundo. A grande
revelação do talento corumbaense não parou mais: Curitiba, Brasília etc. Suas
entradas ao vivo na Vênus Platinada e em outros canais em que o Jornalismo é
prioritário, além de um programa inesquecível na TV Justiça. Isso sem falarmos
de suas incursões irreverentes e inovadoras na música, desde os tempos do
‘Carestia em Ascensão’, em Corumbá, até ‘Dario Júlio e os Franciscanos’.
Talento a toda prova. Ética
inquestionável. Sensibilidade latente. Coragem infindável. Maturidade saudável.
Esse é o Pai do Francisco. A quem agradecemos publicamente pela generosa menção
afetuosa a toda a nossa Família, inclusive no programa do querido Amigo Joel de
Souza, na nossa caríssima FM Pantanal. Esse é o Dary. A quem esperamos rever
logo, de novo, e desta vez em casa com o Francisco, em que serão anfitriões os
seus contemporâneos Omar e Sofia - integrantes das novas gerações, razão de ser de nossa luta por um
mundo melhor, mais justo, solidário e digno, em que liberdade não seja uma
palavra vã. Vida longa e muita saúde, grande Dary!
Cuba, a dignidade de um povo do tamanho de sua altivez
Ahmad Schabib Hany
Professor e historiador
“Lo que brilla con luz propia, nadie lo puede acabar.
Su brilho puede alcanzar la oscuridad de otras cosas.”
Pablo Milanés (Canción por la Unidad Latinoamericana)
Desde que a trágica colonização se abateu sobre o continente batizado de americano, o povo do território que foi chamado de Cuba, ainda no século XVI, nunca mais conheceu a paz e a concórdia, mas o saque e a exploração até que a Revolução Cubana de 1959 lhe assegurou soberania, dignidade, respeito e autoestima.
Piratas, corsários e todas as corjas oriundas da Europa usavam o arquipélago cubano, no Caribe, como base de apoio às suas aventuras.
No genocida processo de colonização, os povos originários praticamente foram extintos pelos espanhóis, e para explorar a mão de obra escrava e alimentar o comércio negreiro, trouxeram aprisionados centenas de milhares de africanos, que hoje constituem a maioria da população cubana.
Na dura luta pela independência da Espanha, o povo cubano teve como líder o pensador, jornalista e poeta José Martí, também chamado de “O Apóstolo”, mutilado em pleno combate pelas tropas coloniais antes do fim da guerra pela independência, em fins do século XIX.
É dele este emblemático pensamento:
“A liberdade custa muito caro e temos ou de nos resignar a vivermos sem ela ou de nos decidir a pagarmos o seu preço.” (José Martí)
Mas seu exemplo, resgatado pela Revolução Cubana, sequer foi honrado pelos sucessivos ditadores, verdadeiros marionetes do “Grande Irmão do Norte” e demais representantes dos interesses das empresas açucareiras e de orgias para a elite estadunidense, na primeira metade do século XX.
Durante praticamente duas décadas de luta contra o ditador Fulgencio Batista, mais um fantoche dos interesses americanos em solo cubano, três jovens líderes de um levante popular sem precedentes deram outro rumo à história do Povo Cubano: Fidel Castro, Camilo Cienfuegos e Ernesto Che Guevara.
A ira da elite entreguista cubana e os interesses do poder capitalista americano tentaram de todos os meios silenciar a Revolução. Mas o Povo Cubano deu o apoio necessário ao novo líder, Fidel Castro, e aos poucos foi se aproximando do socialismo, em plena Guerra Fria.
No início da década de 1960, com a participação de Che Guevara no governo revolucionário cubano, os Estados Unidos tentaram uma invasão, mal sucedida e que custou caro ao governo norte-americano, humilhado dentro de sua área de influência. O ponto alto dessa tensão foi a crise do mísseis, quando a União Soviética enviou mísseis para a defesa da ilha e os Estados Unidos tentaram repelir – segundo alguns historiadores o episódio por pouco não foi o estopim de uma possível terceira Guerra Mundial.
Desde então, Cuba vive um terrível bloqueio econômico (um verdadeiro boicote econômico que impede que as demais nações do continente negociem com o governo da ilha), além de parte de seu território, a região de Guantánamo, ter estado sob permanente ocupação militar estadunidense. Aliás, é lá onde atualmente se encontra a abominável prisão que o governo dos Estados Unidos mantém desde 2001 aprisionadas as vítimas de sua propaganda terrorista contra os árabes: sem qualquer processo formal, violando as mais elementares prerrogativas dos Direitos Humanos e das convenções internacionais, os autoproclamados “paladinos da democracia e dos direitos humanos” cometem toda forma de desumanidade, em nome de uma ficção que eles mesmos criaram – a luta contra o “terrorismo” (quando eles são os maiores terroristas).
Mesmo acuada, Cuba não deixou de manter viva a chama da solidariedade socialista, e, além de ter recebido jovens de todas as partes do mundo para frequentar suas universidade, escolas profissionais e centros de excelência em diversas atividades humanas, enviou suas missões humanitárias para vários continentes, sobretudo África (Angola e Moçambique) e América Latina (Peru, Argentina, Bolívia, Chile, Equador, Venezuela e mais recentemente Brasil).
Não por acaso, Fidel Castro, ao lado de Jawaharlal Nehru (Índia), Gamal Abdel Nasser (República Árabe Unida) e Josip Broz Tito (Iugoslávia) foram os protagonistas do Movimento de Países Não Alinhados, que representou uma alavanca à luta dos povos por sua libertação nacional, seja América, África, Ásia, Oceania e Europa.
Até para os conservadores, Cuba tem um sentido emblemático, ou, como os camaradas baianos declararam na convenção de solidariedade anterior, “uma terrível pedra no sapato, uma vez que é a demonstração real da superioridade moral do socialismo”. E são eles que disseram que soube superar “as maiores adversidades após o fim da União Soviética sem fechar um único hospital ou escola e sem abrir mão da solidariedade internacional: menor taxa de mortalidade infantil da América Latina, menor taxa de violência urbana, analfabetismo zero, todas as crianças na escola, primeiro país do continente americano a cumprir as metas do milênio segundo a ONU, melhor país da América Latina e 30º do mundo para ser mãe, segundo a fundação inglesa Save the Children”.
Depois da extinção da União Soviética, os trabalhadores do mundo e alguns governos socialistas e anti-imperialistas passaram a colaborar com o Povo Cubano, mas o mérito de sua heroica superação é deles, exclusivamente. Ao contrário da insaciável propaganda enganosa do “grande irmão do norte” e de todas as iniciativas terroristas estadunidenses de sabotar, cooptar e denegrir o Povo Cubano de todas as formas, Cuba dá inequívocas provas de sua decisiva opção pelo socialismo como real alternativa para a sociedade decadente e cada vez mais fratricida do hediondo capitalismo, agora travestido de sociedade global, mas sempre igualmente perverso, tirânico, excludente e mais que nunca intolerante e explorador.
Por isso, a solidariedade a Cuba e à dignidade de seu bravo e heroico Povo é incondicional, fraternal, militante e, sobretudo, literalmente dialética: proativo, criativo, palpitante, alegre, futurista e permanente – como a Vida –, com a mesma convicção dos jovens que transformaram e transformam o mundo para as novas gerações, e dos sábios anciões como Oscar Niemeyer que, do alto de seus mais de cem anos, calou a boca dos milhões de cínicos “ex-socialistas” arrependidos: “Enquanto houver uma só criança no mundo a morrer de fome, tenho orgulho de ser socialista.”
Foi assim como Chico Buarque verteu para o português o citado poema de Pablo Milanés:
A história é um carro alegre cheio de um povo contente, que atropela indiferente todo aquele que a negue.
É um trem riscando trilhos, abrindo novos espaços, acenando muitos braços, balançando nossos filhos.
Quem vai impedir que a chama saia iluminando o cenário, saia incendiando o plenário, saia inventando outra trama?”
(Pablo Milanés e Chico Buarque, Canção para a Unidade da América Latina)
Até
sempre, Seu Ariodê!
Ahmad
Schabib Hany
Ariodê Martins Navarro. Estatura
física comparável à própria estatura moral: homem sincero e solidamente
convencido, como católico praticante, de que a Vida, a existência digna, é o
maior patrimônio que todo ser humano tem, ao lado de sua dignidade. Até porque
tais condições, ou atributos, não são passíveis de serem encontrados em gôndolas
de supermercados ou prateleiras de estandes de feiras por aí...
Conheci Seu Ariodê, como era
afetuosamente chamado entre os resistentes membros dos conselhos de políticas
públicas, em 2002, segundo ano do penúltimo mandato do prefeito José Francisco
Mendes Sampaio, também já eternizado. Então, já sexagenário, ele era “calouro”
do Conselho Municipal de Saúde (CMS) de Ladário, representando a Pastoral da
Criança, em substituição à sempre lembrada Dona Úrsula, esposa de um alto
oficial de Marinha que, ao acompanhar o cônjuge, precisou renunciar ao cargo.
Convidado para participar de uma
reunião de urgência dos membros não governamentais (usuários do SUS e
trabalhadores em saúde) do CMS de Ladário na sede provisória do Fórum
Permanente de Entidades Não Governamentais de Corumbá e Ladário (Forumcorlad),
então em dependências do Colégio São Miguel, das Irmãs Franciscanas, encontro
um senhor altivo, seguro de si mas discreto, com voz de locutor de FM e de uma
paciência invejável. Aposentado da Marinha, Seu Ariodê era a prova inequívoca
de que, sobretudo nestes tempos de intolerância explícita, um cristão
consciente é capaz de mover montanhas sem procurar holofotes, sem o
exibicionismo narcisista hoje reinante.
Admirável em suas atitudes, sempre
imbuído dos melhores propósitos, sou testemunha da retidão de caráter e
generosidade a toda prova. Essa primeira reunião, ainda como candidato a
substituto na vaga de Dona Úrsula, foi uma sinalização da grande “aquisição”
que a esposa de oficial de Marinha obteve, talvez não involuntariamente, para o
controle social das políticas públicas de Ladário. Entrou como suplente, mas
antes do final do mandato de conselheiro já era titular. Não demorou muito para
ser o mais votado dos conselheiros no mandato seguinte e ter sido eleito por
unanimidade para presidente do conselho no período posterior.
Casado com Dona Margareth Urt
Navarro, grande Companheira de Vida, Seu Ariodê era orgulhoso de sua Família.
Mas muito discreto. Não associava seu nome e sua atuação ao prestígio familiar.
Ele era irmão do senhor Adelson Martins Navarro, que com a renomada Jornalista
Clarimer Navarro, na década de 1970, integrou a célebre redação do glorioso Diário
de Corumbá, então sob a direção do saudoso Jornalista Carlos Paulo Pereira
Júnior. Cunhado do querido Amigo, Jornalista, Professor de História e mestrando
Nelson Urt, reconhecido repórter e redator de publicações emblemáticas como a Placar,
Diário Popular e O Estado de S. Paulo. Pai realizado de filhos
que o orgulhavam, entre eles dois jornalistas consagrados, Andersen Navarro e
André Navarro, por décadas repórteres e âncoras das diferentes emissoras da
Rede Mato-grossense de Televisão e de diversas emissoras de rádio da região.
Na função de presidente do CMS, foi
responsável pela adoção de uma rotina para aquele lócus, resultado de suas
pesquisas e demandas em favor da emancipação dos conselhos de políticas
públicas dos respectivos gestores. Não demorou muito para, com base em um TAC
(termo de ajustamento de conduta do Ministério Público do Estado de Mato Grosso
do Sul) proposto pelos também sempre lembrados Doutora Patrícia Cristina Peres
da Silva e Doutor Ricardo Mello Alves, então sucessivos titulares da Quinta
Promotoria da Comarca de Corumbá, obtivesse uma série de garantias para o funcionamento
pleno daquele lócus, inclusive a sonhada sede para o funcionamento pleno dos
conselhos.
Essa habilidade (e ao mesmo tempo
coragem e determinação) fez com que, no interregno de dois anos entre cada
segundo mandato no CMS de Ladário, fosse candidato a membro de outro conselho,
como os de Assistência Social, dos Direitos da Criança e do Adolescente e da
Cidade, sempre em sua querida Ladário. Chegou a ser presidente do CMDCA (dos
Direitos da Criança e do Adolescente), com total desenvoltura, pois estudava
muito e procurava se informar em boas fontes, fosse na região ou Campo Grande
ou Brasília. Aprendeu a lidar com destreza com o seu computador para não ficar
para trás nas questões de que lidava, qualquer que fosse o conselho.
Quando, por ingerência política, foi
tirado de uma entidade tradicional, na tentativa de silenciá-lo, tivemos a
honra de vê-lo representar a aguerrida OCCA (Organização de Cidadania, Cultura
e Ambiente), da qual foi membro coordenador enquanto a entidade esteve em
atividade, ao lado outros ladarenses incansáveis, como a também saudosa Helô
(Heloísa Helena da Costa Urt) e o ex-prefeito Aurélio Quintiliano da Cruz, além
dos aguerridos psicólogos Tânia Nozieres de Santana e Aguinaldo Rodrigues, que
representavam com muita dignidade o Sindicato de Psicólogos de Mato Grosso do
Sul.
Embora ambos tivessem formação
militar, e precisamente da Marinha, Seu Ariodê e o também saudoso técnico de
enfermagem (depois bacharel em Direito) José Batista de Pontes, o sempre
lembrado Seu Pontes, tinham entendimentos diferentes no encaminhamento das
questões de conselho (um em Ladário, outro em Corumbá, é claro). E digo isso
como homenagem à autonomia e dignidade deles, pois, cada um procedia de acordo
com as suas convicções e seus entendimentos, mas sempre à luz da lei e do
interesse coletivo. Antes de tomar alguma decisão, Seu Ariodê conversava com os
seus pares e ex-membros de conselhos, tanto em Ladário como em Corumbá, para
poder fundamentar a decisão que devesse, com sabedoria e humildade.
Precisamente em Ladário, onde o
Forumcorlad nasceu em 1993 como resposta eloqüente da cidadania ao processo de
efetivação das leis pós-Constituinte, graças à iniciativa de Dona Elígia Assad,
Dona Vera de Souza e Dona Imaculada da Silva, três incansáveis integrantes da
Ação da Cidadania (à época funcionárias da extinta Enersul, ainda estatal, e
membros da comunidade católica de Ladário) e ao apoio de Dom José Alves da
Costa (saudoso Bispo Diocesano e coordenador geral da Ação da Cidadania e do
Pacto pela Cidadania), do Padre Pasquale Forin (Vigário-geral e coordenador
adjunto da Ação da Cidadania e do Pacto pela Cidadania) e do Padre Júlio Mônaco
(pároco de Nossa Senhora dos Remédios e depois capelão da Marinha), essas
experiência serviram de lastro legítimo e sólido para que fossem irradiadas
pelo Brasil afora, como laboratório do Estado de Direito, que pode estar
abalado, mas não sucumbirá aos desvarios destes momentos de apagão
institucional.
Hoje isso parece soar como uma
ficção, tamanha a intolerância reinante, em que iluminados surgidos do nada,
aferrados a um fundamentalismo torpe, se pretendem os descobridores ou
inventores da roda, da democracia e da verdade. Neste triste retrocesso que a
História haverá de elucidar a seu tempo, temos a generosa e impoluta trajetória
exemplar, mas despretensiosa, de homens e mulheres íntegros, como o querido e
agora saudoso Seu Ariodê, protagonistas de um tempo em que cidadania e
solidariedade norteavam as ações pioneiras dos que construíram a base do
controle social no coração do Pantanal e da América do Sul.
Não posso esquecer do sucesso que fez
ao participar de uma edição do programa semanal Cidadania em Ação, da
OCCA, na pioneira FM Pantanal, também conhecida como Rádio Comunitária. Durante
o tempo do programa, não só pelo vozeirão peculiar (tão grave quanto o do
saudoso Hélio Ribeiro, da também saudosa Rádio Bandeirantes dos idos de 1970),
mas pelas reflexões iluminadas de sua fala, diversos ouvintes ligavam para a
emissora ou para nossos celulares para pedir informações de nosso ilustre e
agora saudoso entrevistado. Tentamos novas entrevistas com ele, mas por conta
da saúde (e, sobretudo, seu comedimento singular) não mais retornou ao estúdio
da emissora.
A propósito, nada mais justo que a
atual Casa dos Conselhos levasse o seu nome. Em outras palavras, que seja
instituída a Casa dos Conselhos Ariodê Martins Navarro. Homenagem justa e
oportuna, até para ficar na História de Ladário e da Cidadania. Afinal,
qualquer pessoa com mais de 25 anos em Ladário (e Corumbá) sabe que ele é parte
da história da efetivação do texto constitucional no cotidiano das pessoas
simples e humildes de nosso torrão. Enfrentando incompreensões e tiranetes de
plantão e até tirando dinheiro do próprio bolso, quando há detentores de cargos
públicos, eletivos ou comissionados, auferindo dividendos de forma no mínimo
questionável, como a crônica político-policial dos últimos anos tem constatado.
Com profundo pesar nos despedimos com
um até sempre deste querido Companheiro de Cidadania, que generosamente
ofereceu importantes momentos de sua Vida para o bem-comum, para a qualidade de
vida de seus semelhantes e, sobretudo, para a concretização das conquistas da
Constituição Cidadã. Humilde e discreto, firme e valoroso, foi um verdadeiro
Mestre de Cidadania e verdadeiro Amigo que levaremos no peito para sempre, e
que, não por acaso, nos deu a honra de ser, com Dona Margareth, Padrinho de
casamento de minha Companheira, e que seu exemplo marcante de Pai, Esposo e
Cidadão permanecerá para sempre em nossas memórias e corações.
“Que os sonhos que nos acalentaram
renasçam em outros corações...” (Charles Chaplin)
A mala do mula
|
Schabib e Taques: parceiros na luta pelas humanidades |
Ahmad
Schabib Hany
Professor universitário, articulista
Não é do Lula. Mesmo que a
hoje “maioria silenciosa” fosse ao delírio se assim tivesse sido. Aquela mesma
que, há menos de um ano, vestida das cores da seleção tomava as ruas para (sic)
“salvar o Brasil”. Pelo silêncio das panelas e patos, já foi salvo, a despeito
da queda do PIB, da estagflação, do aumento do desemprego e da entrega da base
de Alcântara, da Embraer, dos campos do pré-sal...
Trata-se nada menos que da mala do mula, integrante da comitiva oficial
brasileira, membro da tripulação do avião presidencial reserva com destino a
Tóquio, flagrado no aeroporto de Sevilha, capital da Andaluzia, Espanha, com
vergonhosos 39 quilos de cocaína. Pelo ordenamento jurídico espanhol, “atentado
à saúde pública”, crime inafiançável e imprescritível.
Segundo nossa legislação, no
mínimo, tráfico internacional de drogas com alguns agravantes (prevaricação,
concussão, formação de quadrilha etc, além do enquadramento na Justiça
Militar). Mas, de acordo com a atual narrativa presidencial, “bandido bom é
bandido morto”. Esperemos sentados, pois o sinistro Abraham Weintraub, da
(falta de) Educação, já relevou o caso, levando em conta o peso dos
ex-presidentes Lula e Dilma, comparados por ele à substância alucinógena
transportada criminosamente na comitiva oficial de seu chefe. Cabe, no mínimo,
interpelação desse funcionário.
Praticamente no mesmo momento
o “superministro” Sérgio Moro postava uma self diante da sede da DEA,
órgão americano de combate às drogas, em sua viagem aos Estados Unidos sem
agenda pública. Sabe, sim, o ex-célebre juiz que, pelo menos no Executivo e no
Legislativo, até os presidentes da República, da Câmara e do Senado devem
satisfação ao erário e ao público, por isso precisam expor com transparência os
motivos de sua viagem, em tese, a serviço do Brasil. E diante da repercussão do
caso, para decepção dos defensores de seu punitivismo radical com que ganhou
fama, faz uma pífia declaração antes da apuração, minimizando o episódio ao
twitar que se trata de “ínfima exceção”, quando o tráfico de drogas é o segundo
crime mais comum na Justiça Militar.
Ao contrário do general Santos Cruz, ex-secretário-geral da Presidência, que
revelou no congresso da ABRAJI (Associação Brasileira de Jornalismo
Investigativo) que o núcleo duro do governo “age como uma gangue” e que “é
muito dinheiro jogado pelo ralo”, o general Mourão, no exercício da
presidência, chamou o sargento de “mula qualificado” mas o general Heleno viu
“falta de sorte”, ele que é responsável pela Segurança Institucional e vive a
reivindicar prisão perpétua para Lula.
Alguns meses atrás, o Amigo
Luiz Taques, renomado Jornalista e Escritor, ofertou generosamente ao público
leitor -- obviamente, não será o caso dos alucinados seguidores do (sic) “guru”
Olavo de Carvalho, que não costumam ler além de três linhas -- a
novela-reportagem “Mulas” prefaciada pelo genial Amigo Jornalista e Poeta Edson
Moraes, em que denuncia o maniqueísmo oportunista das autoridades ante a
estereotipia cômoda da criminalização dos moradores da fronteira. Ao converter
a dialética realidade fronteiriça em primorosa ficção, Taques faz um
diagnóstico profundo de uma lógica perversa que não se restringe à região em
que nasceu e passou sua infância.
E acaba de constatar o
escritor com faro apurado de repórter que nem o coração do poder central está
livre dos traços dessa realidade, ainda que os atuais inquilinos bradem o
contrário. Acontece que não há “traficante solitário”: feito fio da meada,
quando se pega um mula -- geralmente por delação do capo ou de uma quadrilha
concorrente -- acaba por vir o novelo todo, para desespero das elites
hipócritas que prometeram a si e a outros “idiotas inúteis” um país
hollywoodiano livre de pobres, problemas sociais e, sobretudo, justiça social.
Portanto, não se trata de
falta de sorte, como disse o general Heleno, e muito menos de ínfima exceção,
no dizer do ex-juiz Moro: a realidade se impõe aos deslumbrados e assemelhados,
a lhes ensinar que nem heróis nem vilões fazem história, mas o povo, a
humanidade liberta de déspotas e tiranetes serviçais de um império decadente
que produz e reproduz essa relação mórbida, tão somente para saciar seus
devaneios narcisistas e auferir riqueza e poder real em sua nefasta existência.
Quebra cabeça ou fio da meada,
não se devem relevar os recorrentes vínculos de personagens muito próximos a
milicianos como o tristemente célebre Queiroz, além de vizinhos de condomínio
da família do chefe de governo. Todo contubérnio deve ser institucionalmente
eliminado, com transparência e sem seletividade. Sob pena de ver o Brasil
rebaixado a republiqueta de tiranetes traficantes, como lamentavelmente tivemos
nossa querida Bolívia nos tempos do sanguinário Hugo Banzer Suárez, cuja
“conje”, Yolanda Prada de Banzer, passou pelo constrangimento de ter em sua
comitiva um membro flagrado no Aeroporto de Congonhas (Cumbica ainda não havia
sido construído) com uma mala recheada do maldito pó, embora em menor
quantidade (não chegava a dez quilos), episódio narrado em “Com a pólvora na
boca”, do Historiador Júlio José Chiavenatto, e “La veta blanca” (“O veio
branco”, em português), do Jornalista René Bascopé Aspiazu (diretor do
emblemático semanário boliviano “Aquí”, fundado pelo Padre Luis Espinal,
assassinado ao lado do líder socialista Marcelo Quiroga Santa Cruz durante o
golpe dos narcogenerais comandados pelos sanguinários García Meza, Arce Gómez e
Natusch Busch).
A
Geopolítica global e a crise no Brasil: convite à reflexão
Elisa Pinheiro de Freitas
Doutora em Geografia Humana pela USP e coordenadora e professora do curso de Geografia no Campus
Pantanal UFMS
31mar2016
Geologicamente, somos um país seguro, se comparado com aqueles que se
localizam no, assim, chamado círculo de fogo do Pacífico. Mas, nestes últimos
meses, temos deixado de ser um país seguro
do ponto de vista do Estado de Direito. Por que lhes digo isto? Por que temos
acompanhado uma sucessão de fatos e eventos, por parte de alguns setores
institucionais, a saber, o Judiciário, o STF, a PF, o MP, as Mídias de amplo
assenso social, os setores das classes médias abastadas, reacionárias,
recalcadas, egocêntricas e de cunho nazifascistas, todos juntos, se voltam
contra um governo que, apesar de todos os deméritos, engendrou uma agenda de
políticas públicas capazes de soerguer uma Espanha inteira ao nível do consumo
básico. Calculem, portanto, qual seja a população absoluta de uma Espanha. É de 46 milhões!
Agora, imaginem vocês. Um partido que
acendeu ao governo federal em 2003 e que herdou um país
esfacelado pela implementação doutrinária do Consenso de Washington. Vendeu a
Vale a preço de banana (um adendo: Em 1997 a Vale foi vendida por 3,3 bilhões
de dólares, aquém do seu real valor de mercado. Em 2010 o valor de mercado da
Vale era de 147 bilhões de dólares. Nota-se claramente que o governo FHC
desconsiderou as potencialidades futuras daquela companhia estatal e a
justificativa alegada para a sua privatização era o da existência de “ampla e
irrestrita corrupção”, ora, como se o capitalismo não engendrasse, ele próprio,
como um sistema econômico contraditório, a corrupção. Se querem acabar com a
corrupção, o capitalismo deve ser implodido antes!
Então vejam: histórica-geograficamente,
o Brasil se constituiu a partir do conflito e do consenso entre forças
antagônicas. O consórcio hegemônico formado pelas oligarquias antinacionais que
sempre receberam o amparo dos Impérios (Inglaterra, e atualmente, EUA) hoje
estão atuando com mais força para evitar que o governo de centro-esquerda que
está no poder há 13 anos, continue a fazer políticas capazes de assegurar o bem
estar de grande parte do povo brasileiro. Imaginem vocês que um líder operário,
pouco escolarizado tenha feito um movimento de tirar 46 milhões de pessoas da
fossa onde se encontravam. Evidente que o mundo inteiro passa a ver o Brasil
com outros olhos: como um país que tem um potencial imenso de riquezas
materiais e imateriais e que pode influenciar os seus vizinhos a seguirem na
mesma direção....Como não bastasse as conquistas sociais dos 13 anos, a maior
empresa brasileira – a Petrobrás – a única que não havia sido privatizada,
conseguiu uma façanha: encontrar poços de petróleo abaixo da camada pré-sal. O
que essa conquista significava? Que o Brasil entraria para o clube restrito dos
países produtores de petróleo. Logo o Brasil!
Durante esses 13 anos, o Brasil
aprofundou os laços com os países periféricos do sistema internacional,
tornando-se líder do G70 como também um integrante dos BRICs, um contraponto as
hegemonias norte-americanas e a UE. Além disso, nos Fóruns Internacionais sobre
o combate a Fome, o Brasil se tornou a grande referência por ter, justamente,
consolidado políticas de transferência de renda para a população mais
vulnerável. Tanto o é, que a dois mandatos seguidos, é o brasileiro José
Graziano da Silva que tem dirigido a Organização das Nações Unidas para
Alimentação e a Agricultura (FAO).
Também é o brasileiro Roberto Azevedo
que dirige a Organização Mundial do Comércio (OMC). Ora, um país que passou a
ter voz na Organização das Nações Unidas (ONU), passou a ser referência no
combate à fome e a pobreza, que dirige a OMC e que é detentor da única
petrolífera capaz de explorar petróleo em águas profundas (não é a toa que a
CIA, como apontou a revelação de Edward Snowden, espionou a presidenta como
também todas as tecnologias desenvolvidas pela Petrobrás), ora ora, esse modelo
de país não interessa aos EUA!
Talvez o ponto nevrálgico dessa
discordância norte-americana em relação aos rumos das políticas domésticas
sul-americanas, entre elas, a do Brasil, tenha sido à criação do Banco dos
BRICs. Um banco de desenvolvimento para os países considerados ‘emergentes’.
Para os/as entendidas, saberão que em 1823, o então presidente dos EUA James
Monroe lançou as bases da célebre doutrina
monroe que, em última instancia, estabeleceu o seguinte corolário: “A
América para os Americanos”. O que isso, no fundo queria dizer? Que nenhum país
de fora do continente americano poderia intervir na política domestica dos EUA
e dos demais países do continente. Assim, as antigas potências europeias
tiveram de declinar de sua ávida sede de recolonizar as terras americanas.
Esse fato marcou dois eventos. Um é que
refratou as potencias europeias do continente. O outro é que todo o continente
americano passou a ser considerado área de influencia para os EUA. Logo, a
política externa norte-americana passou desenhar suas estratégias para conter
qualquer ameaça contra sua hegemonia no continente americano. Daí se entende os
golpes que vários dos países latino-americanos sofreram no decurso do longo
século XX. Agora imaginem vocês como os EUA se sentiram com a ousadia do
Brasil, no período do governo Lula, de construir o Porto de Mariel em Cuba?
Todos sabem que a América Central (onde se localiza a ilha de Cuba) é o quintal
dos EUA. Como é que o Brasil ousou a injetar capitais e a sua engenharia num
país símbolo do comunismo? Vejam, eu disse “engenharia”, logo, envolvo as
grandes construtoras que estão no furacão da LAVA A JATO (VASA A JATO)!
Pergunto a vocês: em história e em geografia há coincidências? Um lugar é igual
a outro? Não....
Então eu queria chamar a atenção de
vocês para os fatos eminentemente geopolíticos que estão no centro da crise
político-econômica brasileira. Certamente, não darei conta de explicitar todos,
mas, os mais evidentes creio que sim.
1. Não é de interesse dos EUA permitir a
autonomização política, econômica e territorial dos países latino americanos. O
que quero dizer com isso? Que não é de interesse da política externa
norte-americana que os países latinos americanos mobilizem seus recursos
(população, minerais, capitais etc) para o próprio desenvolvimento e promoção
do bem estar dos seus povos;
2. Não é de interesse dos EUA a
integração Sul-Americana no sentido de ampliar a cooperação econômica e
política dos países da região. Nesse sentido tenho que fazer um adendo. Até meu
projeto de pesquisa (Integração Sul-Americana e o papel estratégico de Corumbá
(MS) na rede urbana da Bacia do Prata), dependendo de quem assumir o Estado
brasileiro, deixará de ser pertinente a medida em que os nossos
antinacionalista passem a falar manso com Washington e ríspido com a Bolívia,
por exemplo....
3. Não é de interesse dos EUA e nem de
suas petrolíferas que a Petrobrás seja a exploradora principal do pré-sal;
4. Não é de interesse dos EUA que a
engenharia brasileira se expanda para além das fronteiras brasileiras, isso
gera competição com outras engenharias nacionais....
5. Não é de interesse dos EUA que o
Brasil seja líder na sua região geográfica, no caso, a América do Sul e nem
seja um dos protagonistas dentro dos Brics.
6. Não é de interesse dos EUA (desde a
Doutrina Monroe) que qualquer potencia intervenha no continente americano. Isso
vale para a China, Rússia, Índia que, por meio dos Brics, tem estreitado
relações com os países latino-americanos.
Por fim, queria chamar a atenção para
outro fato. Vejam as consequências da Primavera Árabe no norte da África e no
Oriente Médio. Que país esteve por traz da incitação popular nesses países de
longas ditaduras? E quais são as consequências visíveis? O surgimento do Estado
Islâmico e da pulverização das redes terroristas; a massa de migrantes sírios,
iraquianos, afegãos para a Europa. Daí fica pergunta: os EUA são, de fato, os
guardiões da democracia no mundo? Ou seguem desestabilizando os estados
nacionais economicamente fracos para conseguirem implementarem suas intensões?
Por que os EUA não intervêm na política doméstica da Rússia? Da China, por
exemplo? Fica, assim, o meu convite à reflexão, a proposta última desta aula
pública!
Fontes
de Inspiração:
AGNEW, John; CORBRIDGE, Stuart. Mastering Space. Hegemony, territory and international political
economy. London/New
York: Routledge, 1995, 260p.
ARRIGHI,
Giovanni. O longo século XX. Trad.
Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto; São Paulo: Editora Unesp, 1996.
408p.
BANDERIA,
Luiz Alberto Moniz. A segunda guerra
fria. Geopolítica e dimensão estratégica dos Estados Unidos. Rio de
Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2013.
CLAUSEWITZ,
Carl Von. Da natureza da guerra.
Trad. Ana Nereu. Lisboa: Edições Coisa
de ler, 2007, 111p.
CONANT, Melvin A; GOLD, Fern Racine. A Geopolítica Energética. Trad. Ronald
Sergio de Biasi. Rio de Janeiro : Atlântida, 1978, 200p.
COSTA,
Wanderley Messias da. Geografia Política
e Geopolítica. 2. ed. São Paulo : Edusp, 2008, 349p.
FREITAS,
Elisa Pinheiro de. Viriato Soromenho-Marques. Portugal na queda da Europa. Lisboa: Temas e Debates; Círculos de
Leitores, 2014. 2015.
FREITAS,
Elisa Pinheiro de. A nova geopolítica da
energia: reflexões sobre os biocombustíveis. Revista de Geopolítica, 2016,
vol. 5, no 1, p. 113-129.
GUIMARÃES,
Samuel Pinheiro. Quinhentos anos de
periferia. Porto Alegre/Rio de Janeiro: Editora da Universidade UFRGS/
Contraponto, 2001.
HEINBERG, Richard. The Party's Over: Oil, War And The Fate Of Industrial Societies. Gabriola Island:
New Society Publishers. 2006. 307p.
KLARE, Michel T. The
new geography of conflict. Foreign Affairs. v. 80, n. 3, p. 49-61, mai/jun.
2001.
KENNEDY,
Paul. Ascensão e queda das grandes
potências. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1989.
MACKINDER, Halford J. The geographical pivot of history. Geographical journal (1904).
MARX,
Karl. O capital. Crítica da economia
política: livro I. Trad. Reginaldo Sant’Ana. 25 ed. Rio de Janeiro :
Civilização Brasileira, 2008. 966p.
MOGENTHAU,
Hans J. A política entre as nações. A
luta pelo poder e pela paz. Trad. Oswaldo Biato. Brasília : Editora da
Universidade de Brasília; Imprensa Oficial do Estado de São Paulo : Instituo de
Pesquisa de Relações Internacionais, 2003, 1152p. (Clássicos IPRI).
PIKETTY,
Thomas. O capital no século XXI.
Trad. Sarah Adamopoulos. Lisboa: Círculo Leitores, 2014, 910p.
RAFFESTIN,
Claude. Por uma geografia do poder.
Trad. Maria Cecília França. São Paulo : Editora Ática, 1993, p. 269.
RANGEL,
Ignácio. A história da dualidade
brasileira. In: MAMIGONIAN, Armen; REGO, José Marcio (Org.) O pensamento de
Ignácio Rangel. São Paulo: Editora 34, 1998, p. 139-170.
TOCQUEVILLE,
Alexi. A democracia na América.
Trad. Neil Ribeiro da Silva. 4ed. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo :
Edusp, 1987, 597.
WALLERSTEIN,
Immanuel. As consequências para o mundo
do declínio dos Estados Unidos. Trad. Luis Leiria. Carta Maior, São Paulo :
Carta Maior, 12 de set. 2011. Disponível em:
.
Acesso em: 14 de setembro 2011.
YERGIN,
Daniel. O petróleo. Uma história de
ganância, dinheiro e poder. Trad. Leila Marina U. Di Natale, Maria Cristina
L. de Góes. São Paulo : Scritta, 1992. 932p.
O ano em que a
Terra perdeu sua biocapacidade
Leonardo Boff
Escritor e articulista do Jornal do
Brasil Online
30dez2015
O ano que acaba de
2015 merece esta qualificação latina: annus nefastus. Outros o chamam de annus
horribilis. Ocorreram tantas calamidades que além de espanto nos causam
preocupações.Nâo obstante tudo isso esperamos pelo irromper do annus
propicius.
A primeira delas é
o Dia da Sobrecarga ou da Ultrapassagem da Terra (Earth Overshoot Day) ocorrido
no dia 13 de setembro. Isto significa: neste dia a Terra revelou que seu
estoque de suprimentos para manter sistema-vida o sistema-Terra ultrapassou os
limites. Ela perdeu sua biocapacidade. A Terra é o pressuposto de todos os
nossos projetos. Como a Terra é um Super-ente vivo, os sinais que nos envia de
que não aguenta mais, são as secas, as enchentes, os tufões e o aumento da
violência no mundo. Tudo está ligado a tudo, como nos repete insistentemente o
Papa Francisco em sua encíclica.
Associado a este
fato, é ilusório o consenso alcançado no dia 12 de dezembro com a COP21 em
Paris: o aquecimento deveria ficar abaixo de 2º Celsius rumando para 1,5º até o
fim do século. Isso implica uma troca de paradigma de civilização não mais
baseado em combustíveis fósseis, sabendo que todas as energias alternativas
juntas não chegam a 30% do que precisamos. Essa conversão, as grandes
petroleiras e os fornecedores de gás e carvão não têm condições de fazer, nem a
querem. A ideia é retórica e a promessa vazia.
O terceiro evento nefasto é
a violência terrorista na Europa, na África, os milhares de refugiados e a
guerra que as potências militaristas, todas juntas, movem contra o Estado
Islâmico e contra outros grupos armados na Síria. Os médio-orientais as
interpretam como prolongamento das antigas cruzadas. Fontes seguras nos atestam
a vitimação de milhares de civis inocentes.
Outro evento nefasto é
a transformação dos EUA, depois dos atentados contra as Torres Gêmeas, num
estado terrorista. Com suas 800 bases militares distribuídas no mundo inteiro,
intervém, direta ou indiretamente, lá onde percebem seus interesses imperiais
ameaçados. Internamente, o “ato patriótico”não foi abolido e representa a
suspensão de direitos fundamentais. Não é sem razão que a polícia americana
matou em 2015 cerca de mil pessoas desarmadas, 60% das quais eram negros ou
latinos.
Outro fato horribilis é
a corrupção na Petrobrás em altíssimo nível e em conseqüência o surgimento de
uma onda de ódio, de raiva e de decepção especialmente depois das eleições
presidenciais de 2014. Não é de se admirar, pois o Brasil é cheio de
contrastes, como o viu bem Roger Bastide (Brésil, terre des contrastes,
Hachette 1957) mas antes dele Gilberto Freyre que escreveu:”considerado em seu
conjunto, a formação brasileira foi um processo de equilíbrio entre
antagonismos”.
Esse antagonismo, quase
sempre mantido sob o manto ideológico do “homem cordial”, saiu do armário agora
e se mostra claramente de modo particular pela mídia social. A expressão “homem
cordial” que Sergio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil, 21. Ed.,
1989,p.101-112) tomou emprestado do escritor Ribeiro Couto, é geralmente muito
mal compreendida. Não tem nada a ver com a civilidade e polidez. Tem a ver sim
com a nossa aversão aos ritos sociais e aos salameleques; somos pela
informalidade e a proximidade.
Trata-se de um
comportamento brasileiro que se rege antes pelo coração do que pela razão. Ora,
do coração nasce a gentileza e a hospitalidade. Mas como bem acentua Buarque de
Holanda:”a inimizade bem pode ser tão cordial como a amizade nisto que uma e
outra nascem do coração”(nota de rodapé 157 da p. 106-107).
Esse equilíbrio
frágil se perdeu em 2015 e irrompeu a cordialidade negativa como ódio,
preconceito e raiva contra militantes do PT, contra nordestinos e negros. Nem
as figuras constitucionalmente respeitáveis como a Presidenta Dilma Rousseff
foi poupada. A internet abriu as portas do inferno da injúria, do palavrão, da
ofensa direta das pessoas, umas contra as outras.
Tais expressões
apenas revelam nosso atraso educacional, a ausência de cultura democrática, a
intolerância e a luta de classes. Não se pode negar que se verificou, em certos
setores, raiva contra os pobres e contra os que ascenderam socialmente, graças
às politicas sociais compensatórias (mas pouco emancipatórias) do governo do
PT. Os antagonismos brasileiros se mostraram claramente, não harmonizados e
agora de rédeas soltas, uns contra os outros, em verdadeira luta (chamem de
classes, de interesses, de poder, não importa). Mas há uma ruptura social no
Brasil que nos custará muito para costurá-la. No meu entendimento, só a partir
de uma real democracia participativa que vá além da atual delegatícia e
farsesca, pois representa antes os interesses dos grupos beneficiados do que os
do povo como um todo.
O que nos vale é a
nossa superabundância de esperança que supera o annus nefastus na
direção de um annus propicius. Que Deus nos ouça.
O ódio nosso de cada dia
Leandro Karnal
Historiador e professor de História Cultural da Unicap2014
O Brasil não tem terremotos ou
furacões. Carecemos de tsunamis. O fundamentalismo religioso, aqui, é mais
lembrado pela estética da saia e cabelos compridos que por genocídios. Mesmo
não sendo um paraíso, todo brasileiro sabe que não vivemos no inferno. A Terra
de Santa Cruz é um cálido purgatório, no máximo.
Esse quadro tem sido pintado, com
cores mais fortes ou mais fracas, desde nossa cena fundacional, em 1500. Sérgio
Buarque de Holanda usou a celebrada expressão “homem cordial” para descrever
nossas raízes, em 1936. Ainda que tenha defendido que o cordial deriva de
impulsivo pelo coração, não o dócil, o texto do pai do Chico foi lido sob o
prisma do pacifismo. Na mesma década, Gilberto Freyre tinha pintado um
latifúndio no qual a escravidão emergia com uma toada malemolente. Os dois
clássicos foram absorvidos por um público pátrio que amou encontrar, mesmo onde
não havia, uma base narrativa para nossa representação pacifista.
Contraponto necessário a nossa
ilusão: nossos vizinhos são agressivos. Guerras civis devastaram Argentina e
Colômbia. A escravidão custou mais de 600 mil mortos para ser abolida nos EUA.
Aqui? Uma penada de ouro de uma princesa gentil num belo domingo de maio de
1888.
A expressão guerra civil não
aparecia nunca nos livros didáticos do Brasil. Cabanagem, Balaiada,
Farroupilha? Eram revoltas regenciais, termo didático, não sangrento e
asséptico. A violência? Uma exceção. Euclides da Cunha destacou que a repressão
a Canudos era algo único: “Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a
história, resistiu até o esgotamento completo”. Lá nos sertões ainda sobrevivia
uma possibilidade de violência sem concordata, mas era excepcional. Caso ímpar
num país de “acordões” e de gabinetes de conciliação, atavismo do século 17 que
insistia em não morrer.
Nosso racismo? Completamente
aguado em comparação ao apartheid sul-africano ou estadunidense, dizia-se. Aqui
jamais houve negros separados de brancos em ônibus. Antagonismos homicidas
entre islâmicos e judeus no Oriente Médio? Abaixo do Equador os dois filhos de
Abraão dividiam calçadas de lojas e se cumprimentavam varrendo a frente de seus
estabelecimentos. O campo de prisioneiros de guerra alemães no Brasil, em Pouso
Alegre (MG), em 1943/1944, era quase uma colônia de férias se comparado aos
similares europeus. Que país bucólico e pacífico! Que terra bafejada pela
harmonia!
Esse quadro sem desastres
naturais de monta nem ódios ancestrais e genocidas foi passado a várias
gerações, a minha inclusive. Em plena ditadura, na escola, cantávamos “as
praias do Brasil ensolaradas” onde Deus plantara mais amor e onde “mulatas
brotam cheias de calor”. Nesse Éden tropical e erótico, nada se falava sobre
repressão a dissidentes. E, combinação maravilhosa: o céu nos sorria e a terra
jamais tremia.
Os momentos de polarização
política, como 1935 (Intentona Comunista) ou 1964 (golpe militar), foram
retratados na versão oficial e conservadora como infiltração de doutrinas
estrangeiras de ódio. Era o marxismo pantanoso em meio a um povo cristão e
pacífico. Foram os primeiros momentos nos quais a elite pátria pensou em “nós”,
ou seja, os pacifistas que queriam construir uma país de progresso e
prosperidade, contra “eles”, os grevistas, sindicalistas, agitadores e outros
que insistiam em inocular no corpo nacional o vírus do dissenso. “Nós”
correspondia aos patriotas, aos que só desejavam a paz. “Eles” correspondia à
cizânia e aos cronicamente insatisfeitos. Sempre fomos bons em pensamentos
maniqueístas, em dualismos morais perfeitos. Ninguém é católico por séculos e
emerge ileso desse destino...
A grande política foi criada
nessa duplicidade: os getulistas e lacerdistas, Arena e MDB, PT e PSDB. Briga
de torcidas sim, porque cada lado sempre retirou sua agenda da outra facção.
Mais do que briga, dança coreografada. “Nós” somos éticos, “eles” são
corruptos. “Nós” trabalhamos por um Brasil grande e disciplinado, empreendedor.
“Eles” querem só as benesses do governo numa vida ociosa e vampiresca. “Nós”
sustentamos o Brasil. “Eles” apenas se aproveitam. Qual o grande problema
nacional? “Eles” não entendem que “nós” estejamos corretos.
A microfísica do poder e da
sociabilidade repetia esse padrão. No trânsito, o que atrapalha? Se eu for
motociclista, óbvio, carros, ônibus e pedestres não funcionam. Sou taxista:
esses carros particulares estão a passeio e são descuidados. Ciclista estou?
Falta cidadania aos outros. Infelizmente, todos erram e, desgraçadamente,
apenas eu sei dirigir.
O primeiro problema da nossa
intensa violência no trânsito(estamos entre os quatro países que mais matam
pessoas) é que não participo, como sujeito histórico, da barbárie. A violência
é do outro, nunca minha. Aliás, rodo como um Gandhi orientado pela Madre Teresa
de Calcutá. Os outros? Gêngis Khan no banco de passageiros com Átila ao
volante.
O trânsito é uma metáfora
trágica. Somos um país violento. Violentos ao dirigir, violentos nas ruas,
violentos nos comentários e fofocas, violentos ao torcer por nosso time,
violentos ao votar.
Passei duas semanas fora do País
às vésperas do segundo turno presidencial. Desembarquei no sábado, faltando
poucas horas para a abertura do horário de votação. Distante do meu país, fui
invadido, via internet, por textos duros, propagandas furibundas, imagens de
escárnio e análises corrosivas. Todas tinham um ponto em comum: o outro era a
fonte do deslize ético e do método ilícito de campanha. A campanha do outro
partido era D-E-P-L-O-R-Á-V-E-L. “Nós” apenas nos defendíamos no interior do
castelo puro da civilização, jogando contra-ataques em direção à horda
nauseante.
Findo o pleito, uma ressaca
nacional: o Brasil descobriu-se raivoso. Os brasileiros ficaram surpresos com a
carga de ódio que fluiu pela rede. Estávamos ainda nas praias do Brasil
ensolaradas? Na terra do leite e do mel sem terremotos? Este ainda seria o país
do futuro? Dormimos num vale suíço e acordamos numa guerra em Serra Leoa.
Esse ódio sempre esteve lá. Ódio
não é dado a ter infância. Nasce adulto em lugares úmidos onde o ressentimento
germina. O ódio é parte central da identidade de indivíduos e grupos. Os
regionalismos raivosos (calabreses contra lombardos, bascos contra castelhanos,
etc.) sempre foram, antes de raivosos, regionalismos. Em outra palavras: eu
preciso constituir uma região antes de odiar outra. Mas ódios são circulares
com a identidade: eu preciso odiar também ANTES para constituir uma região. Uma
contradição interessante.
Aqui começa a delícia do ódio. Ao
vociferar contra outros, o ódio também me insere numa zona calma. Se berro que
uma pessoa x é vagabunda porque nasceu na terra y, por oposição estou me
elogiando, pois não nasci naquela terra nem sou vagabundo. Se ironizo com
piadas ácidas uma opção sexual, destaco no discurso oculto que a minha é
superior. Todo ódio é um autoelogio. Todo ódio me traz para uma zona muito
tranquila de conforto. Não tenho certeza se sou muito bom, mas sei que o outro
partido é muito ruim, logo, ao menos, sou melhor do que eles. É um jogo moral
denunciado por dois grandes judeus: Jesus e Freud.
Mas o ódio apresenta outra função
interessante. Ela aplaina as diferenças do meu grupo. O ódio, como vários
ditadores bem notaram, serve como ponto de união e de controle. O ódio é gêmeo
xifópago do medo, e pessoas com medo cedem fácil sua liberdade de pensamento e
ação.
Há que se lembrar: a brisa do
amor fraterno é mais etérea do que o furor da tempestade de ódio. Insultar no
trânsito é mais intenso do que dizer eu te amo na cama, ao menos
considerando-se a abundância da primeira frase e a escassez da segunda.
O ódio é uma interrupção do
pensamento e uma irracionalidade paralisadora. Como pensar é árduo, odiar é
fácil. Se a religião é o ópio do povo para Marx, o ódio é o ópio da mente. Ele
intoxica e impede todo e qualquer outro incômodo.
Por fim, o ódio tem um traço do
nosso narciso infantil. O mundo deve concordar conosco. Quando não concorda,
está errado. Somos catequistas porque somos infantis. A democracia é boa sempre
que consagra meu candidato e minha visão do mundo. A democracia é ruim,
deformada ou manipulada quando diz o contrário. Todo instituto de pesquisa é
comprado quando revela algo diferente do meu desejo. Não se trata de pensar a
realidade, mas adaptá-la ao meu eu. As crianças contemporâneas (especialmente
as que têm mais de 50 anos como eu) batem o pé, fazem beicinho, mandam mensagem
no WhatsApp e argumentam. Mas, como toda criança, não ouvimos ninguém. Ou
melhor, ouvimos, desde que o outro concorde comigo; então ele é sábio e
equilibrado. Selecionamos os fatos que desejamos não pelo nosso espírito
crítico, mas por uma decisão prévia e apriorística que tomamos internamente.
Grosso modo, isso foi explicado em Uma Teoria da Dissonância Cognitiva, de Leon
Festinger.
Seria bom perceber que o ódio
fala muito de mim e pouco do objeto que odeio. Mas o principal tema do ódio é
meu medo da semelhança. Talvez por isso os ódios intestinos sejam mais
virulentos do que os externos. Odeio não porque sinta a total diferença do
objeto do meu desprezo, mas porque temo ser idêntico. Posso perdoar muita
coisa, menos o espelho.
Mas o ódio é feio, um quasímodo
moral. A ira continua sendo um pecado capital. Assim, ele deve vir disfarçado
da defesa da ética, do amor ao Brasil, da análise econômica moderna. Esses são
os apolos que banham de luz a fealdade. E, como queria o rebelde (que
odiava o Estado), sempre teremos 999 professores de virtude para cada pessoa
virtuosa. Em oposição, encerro acrescentando: sempre teremos 999 pessoas
odiando para cada pessoa que pensa. Isso às vezes me dá um ódio...
A CULTURA EDUCATIVA ADOECEU. PRECISAMOS ABRAÇÁ-LA.
Nathalia
Claro
Acadêmica do curso de História da UFMS e repórter da Agência Navepress. 13/10/2015
Hannah Arendt, influente filósofa judia do
século XX, lembrava que tempos de crise instigam a reflexão humana a buscar por
respostas para sua nova realidade. Esta mesma filósofa em seu trabalho “Entre o passado e o futuro”(Ed.
Perspectiva, a. 2000)atentava sobre a banalidade da cultura em tempos de crise
que, para ela, desgastada para consumo, artificializada para ser enfileirada
numa prateleira, só se tornava atrativa ao Estado quando lucrativa ao Mercado.
Impunha-se um preço em cima do objeto cultural e instantaneamente o objeto se
propagava a nível midiático. Logo, a cultura educativa não tem mesmo valor que
a cultura utilitária. E isto nos parece cada vez mais tangível ao vermos que os
setores da Educação e da Cultura – a educativa, não a industrial – são os
primeiros a ruírem diante uma crise. Atualmente, a palavra crise tornou-se um
mantra. Mas será que é somente a tal “crise econômica” a culpada deste
distanciamento entre a população e a cultura educativa?
Trabalhei longos 12 meses no Museu de História
do Pantanal, no Porto Geral de Corumbá. Lembro-me que, depois do primeiro dia
de trabalho, ao chegar na faculdade e divulgar a notícia entre meus colegas,
muitos me olharam impressionados e indagaram: “Há um museu em Corumbá?!”. Seria
compressível a surpresa se o Muhpan houvesse inaugurado no ano de 2014 – “ah, é
algo recente, tudo bem”. Mas não, não era uma instituição recente. O Muhpan,
aberto em 2008, já possuía mais de meia década de inauguração. “Ah, deve ser
caro, nem todo mundo tem dinheiro para ir em um lugar desses”. Não, não era
caro, pois ele era gratuito. Sim, total
free. “Ah, sua localização não é boa”. Oras,o Porto Geral não é o lugar
mais visitado de Corumbá? Nunca encontrei uma boa resposta para esse
desconhecimento – e desinteresse – para com o museu. Interativo, refrigerado, 3
andares com coleções de acervos que remontam a Pré-História no Pantanal até a
atualidade, monitorado, organizado e com boa recepção. Mesmo assim, a grande
parte do público era de estrangeiros. Quando não eram estrangeiros, eram
acadêmicos ou estudantes de ensino regular com visitadas agendadas. Mas sabe
aqueles curiosos da própria cidade que entram no museu sem compromisso somente
pelo desejo de conhecer? Eram raros. Pelo contrário, a maioria quando convidada
a entrar torcia o nariz. O olhar exprimia: “Ah, não, é chato. Vamos em outro
lugar”.
Certa vez, lembro-me de um grupo da USP no
Muhpan. USP! Das maiores universidades do Brasil. Senti aquele frio na barriga
de guiar tais estudantes que, ao meu ver, deveriam ser dos mais exigentes e
intelectuais que eu iria me deparar. Preparei-me junto aos meus melhores
livros, treinei minha voz, minha postura, minha retórica. Ah, ledo engano! Se
havia dois ou três alunos me questionando, era muito. A grande maioria, munida
de seus iphones, tablets e paus de selfie, só desejou saber a senha do WiFi e
se eu poderia tirar boas fotos enquanto eles posavam ao lado de acervos que não
fizeram questão de conhecer a história. O acervo histórico com seus mais de
3000 anos de história estático ao lado do estudante, como um boneco colorido
que enfeita um posto de gasolina.
O museu, assim como outras instituições culturais
“tradicionais”, parece ter sido legado ao passado – fruto de uma época quando a
tecnologia não havia nos corrompido. “Acervos históricos? Posso ver isto no
Google com dois cliques”, pensa-se agora. Além do elitismo que sempre espreitou
a cultura erudita – “museu é para gente letrada, bem vestida, etcetera”. Foi,
para tanto, que o Muhpan pretendeu desfigurar estas barreiras e se tornar
inclusivo: sem preço e dinâmico. Mas então, amigos... parece que não foi
suficiente.Com o tempo, eu passei a notar que grande parte desta
cultura/educação que adoece não é simplesmente pela “crise econômica”. É uma
crise humana, ouso dizer que é a crise da nova geração.
Neste ano de 2015, o Moinho Cultural,
instituição reconhecida pelos seus trabalhos artísticos e gratuitos a
comunidade corumbaense, ladarense e boliviana, esteve falindo. O convênio com a
Vale não ia bem – a Vale estava em crise e o efeito cascata atingiu seus
patrocínios. Tive a oportunidade de dar aulas de Educação Patrimonial durante
algumas semanas no Moinho Cultural. Foram poucas semanas, mas ver de perto
aquele trabalho magnifico, de crianças terem contato com instrumentos musicais
como piano, cello e violino, engradeceu meus olhos e meu coração. Eu facilmente
visitaria a instituição somente para observar aquele amontoado de crianças
eufóricas e humildes, serem educadas com amor através das artes. Tenho em mente
de que a fórmula certa da Educação não jaz no Ensino Superior, mas está lá
embaixo, logo na infância. É de pequeno que se torce o pepino. As crianças,
ainda pequenas, que são educadas dignamente, tornam-se jovens questionadores e
sensíveis a vida. De todo modo, a instituição se mantém através da campanha
“Abrace o Moinho”. Eu sinceramente não sei se todos abraçaram e se todos
abraçariam o Moinho. Alguém me disse no ponto de ônibus: “Vou pagar pro filho dos outros fazer balé”. Quanto
egoísmo, eu pensei. Não é o filho dos outros, é a semente que plantamos, é a
nossa próxima geração, devemos abraçar. Mas que utilidade nos tem a cultura
educativa neste mundo mecânico?
O Museu de História do Pantanal não está bem,
adoeceu. Seus convênios seguem o abismo que o próprio Moinho abarcou. Quantas
pessoas abraçariam o Muhpan? Eu realmente não tenho bom pressentimento. Uma
divina intervenção do Estado é tão utópica quanto, espontaneamente, toda a
população, do dia para a noite, tomar consciência de que deve se sensibilizar
mais para a cultura educativa que lhe cerca. Não é uma questão somente de
visitar um museu ou ir à um concerto de música clássica do Moinho Cultural. É
uma questão de não se apegar somente ao produto descartável. É uma questão de
se deixar consumir pela cultura educativa, de se fazer parte dela.
Não esperemos que todas as instituições
culturais de Corumbá desabem à falência para sentirmos falta. Visitem-nas,
abracem-nas, façam valer a pena os investimentos feitos em nossa cidade.
Serviço: O
Museu de História do Pantanal está aberto da quarta-feira ao sábado das 13h às 17h30, e aos domingos das 8h às 12h. Endereço: Rua Manoel Cavassa, 275 - Centro, Corumbá -
MS. Telefone: (67) 3232-0303.
SALIM HAQZAN E A OFICINA DE TEATRO EM CORUMBÁ
Nathalia Claro
Acadêmica do curso de História da UFMS e repórter da Agência Navepress. 13/10/2015
“O teatro é o primeiro soro que o homem inventou
para se proteger da doença da angústia” dizia Jean Barrault. Da Grécia Antiga
para Roma, e da Europa para todo o planeta, o teatro tornou-se uma das mais
importantes manifestações artísticas humanas. Como confronto, como provocação,
como uma válvula de escape, como um meio de comunicação. Todos os grandes
momentos do teatro coincidiram com momentos de instabilidade política, de
superação de modelos, de afirmação de novos modelos. Sófocles, por exemplo,
vivia numa democracia que aceitava a escravidão e incentivava um imperialismo
que acabou por detonar com Atenas. A época de Shakespeare testemunhava a
prosperidade da monarquia inglesa, mas tinha a Invencível
Armada nos calcanhares. Tchekhov retratou a nostálgica decadência da
aristocracia rural russa, enquanto o proletariado ensaiava seus primeiros passos.
Brecht escrevia, essencialmente, sobre as relações de poder num mundo já
dividido entre o capitalismo e o comunismo. O teatro, em sua essência,
desafia o status quo, a existência
humana tal como ela se apresenta ao indivíduo. O teatro transforma e se
compromete a desenvolver o senso crítico humano, pois a arte, antes de mais
nada, é libertadora.
É por isso que destacamos a importância das
oficinas artísticas que acontecem em Corumbá. Entrevistado da matéria de
hoje, Salim Haqzan é o grande
responsável por essas oficinas gratuitas financiadas pela Escola Tenir. Formado
pela Escola de Teatro Macunaíma em São Paulo em 1992, Salim Haqzan,
corumbaense, começou no teatro aos sete anos de idade no Teatro da Escola Santa
Teresa, e desde então, não ficou nenhum ano vida latente no teatro.
Como foi o processo
de construir uma oficina teatral em Corumbá?
Salim Haqzan - Na verdade, eu voltei para Corumbá em 1993 e
desde então venho ministrando oficinas de teatro, a princípio mais direcionadas
para a formação de professores, no antigo CEFAM e, posteriormente, continuei o
meu trabalho aqui na cidade, levando aulas de teatro para quem quisesse. Sempre
trabalhei com um público bem diversificado, o critério sempre foi querer fazer.
Sempre que eu pense em um módulo para as aulas, levo em conta o grupo. No caso
do Teatro Recreativo e Meditativo o principal é o prazer de estar ali nas
aulas, compartilhando com outra pessoa, olhando nos olhos. O que tem de novo
nesse projeto é o fato dessas aulas serem contínuas e totalmente gratuitas,
pelo fato de ser um projeto financiado por uma instituição privada.
Atualmente,
sabe-se que o teatro pode ser um excelente aliado na educação básica por meio
de uma didática interativa. Como você analisa a importância educacional, e
social, do teatro para as crianças, jovens e adultos que participam das
oficinas?
Salim - O teatro é um espelho. Através do teatro você
se vê, através de si e do outro. É uma ferramenta eficaz, por ser
multidisciplinar. Apesar de toda essa tecnologia que nos rodeia, o Google e a
ditadura dos I-Phones, Andróides e Smart Phones, as pessoas ainda se rendem ao
teatro. O que acontece é que as elas começam a perceber o outro através do
olhar e do toque que os jogos inevitavelmente proporcionam. Isso nos torna mais
sensíveis, perceptivos e sociáves. O teatro como todas as outras artes, mudam a
gente pra melhor.
“O teatro é um espelho. Através do teatro você se
vê, através de si e do outro”
Nós
moramos em uma cidade predominantemente multicultural. Um dos grandes fatores
desta pluralidade é a questão de Corumbá ser uma cidade fronteiriça. Na sua
opinião, como a fronteira influencia as manifestações artísticas em Corumbá?
Você já trabalhou com artistas ou alunos de países vizinhos? Se sim, como foi
sua experiência?
Salim - Eu nasci em Corumbá e desde bem pequeno fui
influenciado por tudo o que vi. Meus pais tinham comércio no centro da cidade e
eu sempre vi e ouvi as pessoas falando outras línguas. Tanto os amigos árabes
do meu pai, quanto os bolivianos que costumavam levar mercadorias aqui do
Brasil pra lá. Em 1995, fui com mais um ator e um músico viajar pela Bolívia,
Peru e Chile e identifiquei mais semelhanças que diferenças. Um bom exemplo
disso é nossa arte pré-histórica. Rupestres que são encontrados aqui, também,
foram encontrados em outros lugares da nossa América do Sul. Não é de hoje que
nos influenciamos. Já fiz alguns trabalhos na Bolívia, no Peru e no Uruguai com
atores daqui e de lá, hoje sou voluntário no Centro de Interpretação Ambiental
de Puerto Quijarro, onde desenvolvo trabalho junto a WWF, com professores da
rede pública de ensino das duas cidades e trabalho há alguns meses com um grupo
de Jovens também em Puerto Quijarro.
Constantemente
você participa na produção de oficinas e outros eventos artísticos em Corumbá.
Como alguém que “vive” o negócio, você acha que existe pouco incentivo político
na cultura em nossa cidade? A prefeitura já se propôs a financiar algum projeto
teatral?
Salim - Eu desenvolvo o meu trabalho a partir dos
projetos que escrevo ou que sou convidado a participar. Geralmente são
incentivos do governo federal ou estadual. A Prefeitura de Corumbá ainda está
engatinhando nessa questão. As pessoas aqui ainda estão articulando
politicamente para que haja um olhar mais generoso para o que a cidade tem de
valor. Eu na verdade não conto com paternalismos públicos, até porque em uma
cidade em que o poder local não conseguiu manter uma biblioteca funcionando
para as pessoas lerem e pesquisarem a sua própria história, a coisa fica bem
mais complicada.
Quais
são os requisitos básicos para algum interessado em participar das oficinas
teatrais e do Grupo de Experimentos e truques teatrais, no qual você é ator e
diretor?
Salim - Hoje o requisito básico é o desejo. Basta
querer e ir até a Escola Tenir, sempre terças e quintas feiras, das 19h às
20h30 e experimentar uma aula no projeto TEATRO RECREATIVO E MEDITATIVO.
Agradecemos
a entrevista e deixamos o espaço aberto para seu convite aos leitores.
Salim - Eu é que agradeço essa oportunidade e o meu
convite é para os empresários, peço para que experimentem investir em arte.
Pode ser bem bacana você relacionar o nome da sua empresa em um projeto social
como dança, teatro, música, coral, artes plásticas. Dessa maneira a nossa
cidade pode ficar bem mais interessante.
Serviço: O
projeto Teatro Recreativo e Meditativo acontece todas as terças e quintas
feiras, das 19h às 20h30 na Escola Tenir, Rua Cuiabá, 263 - Centro, Corumbá -
MS. Telefone:(67) 3234-3900.
O MUNDO INTENSO E APAIXONANTE DE CORUMBÁ
Nelson Urt
Jornalista e acadêmico de História da UFMS Campus Pantanal - 20/09/2015
Era verão de 1971 e resolvi trocar o último ano do ensino médio vespertino do Colégio Estadual Maria Leite pelo noturno recém aberto do Colégio Dom Bosco. Matriculei-me, mas nunca apareci. Um dia antes de começar as aulas arrumei a bagagem e parti para uma viagem que parecia sem volta. Destino: São Paulo.
Por algum tempo, meu nome permaneceu na lista de chamada, como uma amarga recordação para aquela menina que passou a ser a minha ex-namorada. Ela seria minha parceira de sala de aula. Mas nunca foi. Percorremos caminhos opostos.
Deixei para trás o primeiro amor, os amigos, a vida mansa e gostosa de Corumbá, as noites quentes em que jogava conversa fora sentado na mureta do La Barranca, ouvindo The Mamas and Papas, e parti rumo ao desconhecido, como alguém que vai para a guerra.
Por sorte, nos meus caminhos em São Paulo, encontrei novos amores, amigos e mestres, que me ensinaram a escrever e ver a vida com gratidão, como uma dádiva divina, um presente a cada dia.
Hoje sou grato a Corumbá dos meus primeiros dias e a São Paulo de 30 anos de lutas e lições. E ao voltar a Corumbá que um dia fez parte dos meus sonhos, volto a sentir o calor, como raio de saudade, dentro do meu coração – repetindo a poesia da marcha de Luiz Feitosa Rodrigues, que mais uma vez vai ser tocada para celebrar o aniversário da cidade.
Nasci em Ladário, na avenida 14 de Março, há 61 anos. Ou seja, tenho exatamente a mesma idade da cidade de Ladário, que em março de 1954 se emancipou como município, após longos anos como distrito. Em Ladário cresci brincando ao lado de Helô Urt e outras primas e primos nas ruas de terra, estudei no Colégio São Miguel com minha tia e professora Lila, depois tomei as primeiras lições com mestres como Hélio Benzi e Rachid Bardauil no Grupo Escolar de Ladário. Quando terminei o ginásio, era hora de enfrentar o primeiro desafio: o Colégio Estadual Maria Leite em Corumbá.
A timidez era tanta que as pernas tremiam ao entrar naquele admirável mundo novo. Era como se um menino do interior de repente desembarcasse na cidade grande. Por sorte, conheci logo de cara alguém que me estendeu a mão, ou melhor, um par de baquetas. Seu nome: Augusto Alexandrino dos Santos, o Malah. “E você, o que toca, garoto?” – perguntou-me. “Por enquanto, nada”, respondi, sem jeito. “Então pega esse par de baquetas e vai aprender a tocar surdo”, decidiu, abrindo a porta para o menino alto e magro entrar para o primeiro time da fanfarra do Maria Leite, que naqueles ainda ocupava o formidável prédio em forma de livro aberto, obra do arquiteto Oscar Niemeyer.
E me esforcei para não decepcionar e merecer a amizade de Malah, que com seu humor apimentado e crítico se tornaria um dos maiores chargistas da cidade. Ele me ajudou a conhecer uma das minhas primeiras lições: a fanfarra faz amigos e nos tira da solidão.
Naqueles anos 70, estudar no Maria Leite era motivo de orgulho para qualquer aluno. Foi um privilégio ter aulas de História com o professor Clio Proença, dono da célebre crônica “Janela Aberta para a Cidade”. Outra sensação incrível foi defender o time de basquete do colégio e ganhar uma final contra a até ali imbatível equipe dos Salesianos.
Não foi nada fácil trocar esse porto seguro de amizades e emoções por caminhos desconhecidos e improváveis. Comprovei, no entanto, que Corumbá é um mundo inesquecível, intenso, apaixonante. Mesmo depois de 30 anos, de me casar e formar uma família paulistana, de me apegar aos prazeres e saberes da Paulicéia Desvairada, descrita na poesia de Mário de Andrade, sabia que por atrás do céu cinzento da avenida Paulista escondia-se o pôr-do-sol mais deslumbrante que eu havia contemplado, à beira do rio Paraguai. E sabia que um dia faria o caminho de volta para casa. Porque todo ser humano precisa ter um lugar para voltar.
Hoje tenho amigos por todos os cantos do País, alguns lá fora. Guardo lembranças de quase todas as capitais brasileiras, de belas cidades e praias do litoral de São Paulo, mas a todos os que conheci recomendo não morrer sem antes conhecer esse paraíso no horizonte do oeste do Brasil: Corumbá.
Quando Shekespeare coloca o dilema “ser ou não ser, eis a questão” para a reflexão da humanidade, aqui podemos perfeitamente encontrar a resposta. Aqui é o lugar do ser, de se emocionar, de cantar, dançar, amar, namorar, procriar, se livrar da solidão, de se integrar a povos latinos como o nosso, de comer bem, de tomar um chope gelado ou um tereré, de chupar bocaiúva e sentir a pulsação do planeta. De contar as estrelas.
Poucos indígenas que habitavam essas terras sobraram para contar suas histórias, foram dizimados durante a colonização, mas os poucos descendentes guatós que restam, mesmo assim, tratam com gentileza os visitantes europeus. Contentam-se em ocupar terras na Ilha Insua, mas sabem que seus ancestrais possuíam muito mais, léguas a frente, até chegar na Serra do Amolar, na divisa com Mato Grosso. Fico feliz quando converso com dona Dalva, o cacique Severo e outros guatós que, vindos da aldeia Uberaba, ancoram o barco no porto de Corumbá.
Bairros negros como o Sarobá ainda escondem verdades sobre a escravidão em Corumbá, mas aos poucos vão saindo da escuridão e ganhando as páginas dos livros, graças à releitura da poesia de Lobivar Matos e ao poeta da resistência, Benedito C.G.Lima.
De volta a Corumbá, reencontrei Malah, outros amigos e familiares que aqui deixei. E a porta deste Diário Corumbaense me foi aberta pela jornalista Rosana Nunes. E aos que me perguntam por que voltei, se as melhores oportunidades muitos vão buscar lá fora, respondo com uma breve frase: na verdade, eu nunca sai, pois guardava dentro do coração um pedaço de tudo que vi, senti e vivi em Corumbá. (Publicado originalmente no Diário Corumbaense, edição de aniversário de Corumbá)
1964: O USO DOS MILITARES PELOS GRUPOS CIVIS REACIONÁRIOS
Leonardo Boff
Teólogo, filósofo, escritor, membro da Comissão da Carta da Terra e presidente
honorário do Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis.
Os 50 anos do golpe militar, pela violência que implicou, agora
devidamente tirada a limpo pela Comissão Nacional da Verdade, não pode deixar
nenhum cidadão honesto indiferente. Importa assinalar claramente que o assalto
ao poder foi um crime contra a constituição e uma usurpação da soberania
popular, fonte do direito num Estado democrático. O primeiro Ato Institucional
de 9/4/1964 alijou esse princípio da soberania popular ao declarar que “a
revolução vitoriosa como Poder Constituinte se legitima por si mesma”. Nenhum
poder se legitima por si mesmo; só o fazem ditadores que pisoteiam qualquer
direito. O golpe militar configurou uma ocupação violenta de todos os aparelhos
de Estado para, a partir deles, montar uma ordem regida por atos
institucionais, pela repressão e pelo Estado de terror.
Bastava a suspeita de alguém ser subversivo para ser tratado como tal.
Mesmo detidos e sequestrados por engano como inocentes camponeses, para logo
serem seviciados e torturados. Muitos não resistiram e sua morte equivale a um
assassinato. Não devemos deixar passar ao largo, os esquecidos dos esquecidos
que foram os 246 camponeses mortos ou desaparecidos entre 1964-1979. E agora
está sendo descoberta a eliminação de muitos indígenas, tidos como empecilho ao
crescimento econômico. Sobre alguns deles foram lançadas até bombas de napalm.
O que os militares cometeram foi um crime lesa-pátria. Alegam que se
tratava de um estado de guerra, um lado querendo impor o comunismo e o outro
defendendo a ordem democrática. Esta alegação não se sustenta. O comunismo
nunca representou entre nós uma ameaça real pois qualquer manifestação neste
sentido foi brutalmente reprimida, não sem o apoio da CIA dos EUA. Na histeria
do tempo da guerra-fria, todos os que queriam reformas na perspectiva dos
historicamente condenados e ofendidos – as grandes maiorias operárias e
camponesas – eram logo taxados de comunistas e de marxistas, mesmo que fossem
bispos como o insuspeito Dom Helder Câmara.
Contra eles não cabia apenas a vigilância, mas para muitos a
perseguição, a prisão, o interrogatório aviltante, o pau-de-arara feroz, os
afogamentos desesperadores. Os alegados “suicídios” camuflavam apenas o puro e
simples assassinato. Em nome do combate ao perigo comunista, se assumiu a
prática comunista-estalinista da brutalização dos detidos. Em alguns casos se incorporou
o método nazista de incinerar cadáveres como admitiu o ex-agente do Dops de São
Paulo, Cláudio Guerra. Causa espanto e constitui até um problema filosófico a
falta de remorsos que o coronel reformado Paulo Magalhães recentemente
manifestou à Comissão Nacional da Verdade de ter atuado na Casa da Morte de
Petrópolis, de ter torturado, assassinado, mutilado cadáveres e ter ocultado o
corpo do deputado Rubens Paiva. Rudof Höss, comandante do campo de extermínio
nazista em Auschwitz que segundo seus próprios cálculos em sua autobiografia
mandou para as câmaras de gás cerca de um milhão de judeus, também não mostrava
nenhum arrependimento. Divertia-se atirando ao leu sobre os prisioneiros e
chorava com uma criança ao chegar em casa ao saber que seu passarinho preferido
havia morrido. É o mistério da iniquidade.
O Estado ditatorial militar, por mais obras que tenha realizado ( “o
milagre econômico” foi apropriado apenas por 10% da população, pelos mais
ricos, no quadro de um espantoso arrocho salarial), fez regredir política e
culturalmente o Brasil. Expulsou ou obrigou ao exílio nossas mais brilhantes
inteligências e nossos artistas mais criativos. Afogou lideranças políticas e
ensejou o surgimento de súcubos que, oportunistas e destituídos de ética e de brasilidade,
se venderam ao poder ditatorial em troca benesses que vão de estações de rádio
a canais de televisão. E muitos deles estão ai, politicamente ativos e ocupando
altos cargos da administração do Estado democrático.
Os que deram o golpe de Estado devem ser responsabilizados moralmente
por esse crime coletivo contra o povo brasileiro, como vários juristas o estão
pedindo. Os militares se imaginam que foram eles os principais protagonistas
desta façanha nada gloriosa. Na sua indigência analítica, mal suspeitam que
foram, de fato, usados por forças muito maiores que as deles. Disse-o
recentemente Tarso Genro, governador do Rio Grande do Sul, numa entrevista ao
Boletim Carta Maior (30/3/2014): “O poder não foi apropriado
diretamente pelos militares para eles próprios. Foi um projeto político dos
setores mais conservadores e reacionários (burguesia nacional e os
latifundiários) que tiveram nas forças armadas um apoio e um protagonismo muito
grande”.
René Armand Dreifuss escreveu em 1980 sua tese de doutorado na
Universidade de Glasgow com o título: 1964: A conquista do Estado, ação
política, poder e golpe de classe (Vozes 1981). Trata-se de um livro
com 814 páginas das quais 326 são cópias de documentos originais. Por estes
documentos fica demonstrado: o que houve no Brasil não foi um golpe
militar, mas um golpe de classe com uso da força militar.
A partir dos anos 60 do século passado, se formou o complexo
IPES/IBAD/GLC. Explico: o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), o
Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) e o Grupo de Levantamento de
Conjuntura (GLC). Compunham uma rede nacional que disseminava idéias golpistas,
composta por grandes empresários multinacionais, nacionais, alguns generais,
banqueiros, órgãos de imprensa, jornalistas, intelectuais, a maioria listados
no livro de Dreifuss. O que os unificava, diz o autor “eram suas relações
econômicas multinacionais e associadas, o seu posicionamento anticomunista e a
sua ambição de readequar e reformular o Estado”(p.163) para que fosse funcional
a seus interesses corporativos. O inspirador deste grupo foi o maquiavélico
General Golbery de Couto e Silva que já em “em 1962 preparava um trabalho
estratégico sobre o assalto ao poder”(p.186).
A conspiração pois estava em marcha, há bastante tempo. Aproveitando-se
da confusão política criada ao redor da renúncia do Presidente Jânio Quadros e
da obstinada oposição ao Presidente João Goulart, que propunha reformas de base
e principalmente a reforma agrária, e por isso, tido como o portador do projeto
comunista, este grupo viu a ocasião apropriada para realizar seu projeto.
Chamou os militares para darem o golpe e tomarem de assalto o Estado. Foi,
portanto, um golpe da classe dominante, nacional e multinacional,
usando o poder militar.
Conclui Dreifuss: “O ocorrido em 31 de março de 1964 não foi um
mero golpe militar; foi um movimento civil-militar; o complexo
IPES/IBAD e oficiais da ESG (Escola Superior de Guerra) organizaram a tomada do
poder do aparelho de Estado”(p. 397).
Especificamente afirma: ”A história do bloco de poder multinacional e
associados começou a 1º de abril de 1964, quando os novos interesses realmente
tornaram-se interesses do Estado, readequando o regime e o sistema político e
reformulando a economia a serviço de seus objetivos”(p.489). Todo o
aparato de controle e repressão era acionado em nome da Segurança Nacional que,
na verdade, significava a Segurança do Capital.
Os militares inteligentes e nacionalistas de hoje deveriam dar-se conta
de como foram perfidamente usados por aquelas elites oligárquicas e
anti-populares que não buscavam realizar os interesses gerais do Brasil mas
sim, alimentar sua voracidade particular de acumulação, sob a proteção do
regime autoritário dos militares.
A Comissão Nacional da Verdade prestaria esclarecedor serviço ao país se
trouxesse à luz toda esta trama. Ela simplesmente cumpriria sua missão de ser
Comissão da Verdade completa. Não apenas da verdade de fatos individualizados
de violência aos direitos humanos, mas da verdade do fato maior da
dominação de uma classe poderosa, (anti)nacional, associada à multinacional,
para, sob a égide do poder discricionário dos militares, tranquilamente,
realizar seus objetivos corporativos e excludentes. Isso nos custou 21 anos de
humilhação, de privação da liberdade, perpetrou assassinatos e desaparecimentos
e impôs um oneroso padecimento coletivo.
Por fim, cabe ouvir as palavras da advogada Rosa Cardoso, advogada e
defensora da prisioneira política Dilma Rousseff e hoje integrante da Comissão
Nacional da Verdade numa entrevista ao Boletim Carta Maior de 20/02/2014:
”Primeiro quero dizer que até hoje as Forças Armadas devem um pedido de perdão
à sociedade brasileira, com o que estariam assumindo uma posição civilizada e
democrática, que é, afinal de contas, o que se espera dos militares no século
21. Lamentavelmente, até agora, não recebemos nenhum sinal, nenhuma mensagem,
que nos indique que haja algum desejo, por parte dos militares, de pedir
desculpas e de fazer uma autocrítica política sobre seu comportamento”. Esta
dívida eles a tem para com todo o povo brasileiro. E deverão um dia saldá-la.
O dia de hoje, primeiro de abril de 2014, 50 anos do golpe
civil-militar, é um dia de pranto pelas vítimas da repressão mas também dia de
ânimo porque a truculência não pode sufocar o sentimento de dignidade nem
abater os ideais democráticos que triunfaram e estão se firmando mais e mais em
nossa consciência nacional.
Dedico este artigo ao meu colega de seminário Arno Preis, cheio de fome
de justiça, morto em Paraíso do Norte- GO no dia 15/2/1972.
ESCOLAS FEDERAIS, SOLUÇÃO PARA A EDUCAÇÃO DO BRASIL
Cristovam Buarque
Senador,
ex-ministro da Educação, professor da Universidade de Brasília
É
do conhecimento de todos que a educação no Brasil está entre aquelas com pior
qualidade no mundo e, provavelmente, é a mais desigual entre todas. Avaliação
feita pela Unesco coloca o Brasil em 88º lugar entre 127 países, atrás do
Chile, e até mesmo do Equador e da Bolívia.
Na
avaliação Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), feita pela
OCDE (Organização de Cooperação para o Desenvolvimento Econômico), entre 65
nações o Brasil está em 58º lugar, atrás de Cazaquistão, México e Costa Rica.
Esses
indicadores mostram a média de cada país e incluem tanto os alunos das escolas
pobres quanto os das escolas caras. Se houvesse uma avaliação de como a
educação se distribui entre filhos de ricos e filhos de pobres, o Brasil seria,
sem dúvida, o campeão mundial de desigualdade.
O
desafio brasileiro é elevar a qualidade média da educação, permitindo ao filho
da mais pobre família brasileira estudar em escola tão boa quanto a dos filhos
dos mais ricos. Isso não será possível com a educação sob a responsabilidade
das prefeituras.
Nenhum
Estado ou município poderá oferecer educação de qualidade em todas as suas
escolas. Só a federalização da educação básica será capaz de espalhar essa
escola e a carreira profissional por todo o território brasileiro.
No livro,
"Educação é a Solução: É possível?", defendo a revolução na educação
em virtude do compromisso com as crianças e o futuro do país. Basta o governo
federal espalhar escolas federais por todo o território nacional e assegurar
escola com a máxima qualidade para as nossas crianças - independentemente da
renda da família e da cidade onde mora -, por meio de seis medidas concretas:
1. Ampliação das atuais 451 escolas
públicas federais para 156.164 no país, seguindo o modelo das melhores escolas,
tais como Colégio Pedro II, Escolas Técnicas, Colégios Militares e Institutos
de Aplicação, todas em horário integral e contando com edificações de qualidade
e equipamentos modernos;
2. Transformação das atuais 5.601
carreiras de professores municipais e estaduais em uma única carreira nacional
de Estado, consolidando a carreira nacional do magistério;
3. Pagamento de salário mínimo de R$
9 mil por mês para os professores do novo sistema de educação;
4. Criação de um ministério da
Educação de Base;
5. Implantação de um novo sistema por
cidade que deseje federalizar todas as suas escolas.
6. Definição de prazo de, no máximo,
20 anos para substituir as atuais escolas por escolas decentes, bem equipadas e
em prédios novos, compatíveis com as novas demandas
Operacionalização
No
livro, mostro que é possível implantar o novo sistema de educação federal, a
cada ano, em 300 pequenas cidades médias, atendendo cerca de 3 milhões de
alunos, em 9.500 escolas, com 100 mil novos professores. Em 20 anos, a
federalização estaria completa.
Talvez
antes, em decorrência da pressão popular. Todos vão querer uma educação de
qualidade, com escolas atraentes, pois a educação de qualidade não deve ficar
limitada apenas aos 257 mil alunos das atuais escolas federais da educação de
base, mas deve chegar a todas as crianças e jovens em idade escolar.
A
federalização da educação de base é uma medida atrativa também para prefeitos e
governadores e, no livro, mostro que ela traz economia de R$ 200 bilhões para
prefeituras e Estados.
A
federalização da educação de base traz também uma economia de cerca R$ 57
bilhões de reais para as famílias de classe média com filhos em escolas
particulares.
Quando
todas as escolas da educação de base públicas forem federais, o custo total do
novo sistema será da ordem de R$ 463 bilhões por ano, apenas 6,4% do PIB
brasileiro, previsto para 20 anos. Bem menos do que os 10% que o PNE (Plano
Nacional de Educação) determinará depois de aprovado.
O SIGNIFICADO DE MANDELA PARA O FUTURO DA HUMANIDADE
Leonardo Boff
Teólogo, filósofo e escritor, membro da Comissão da Carta da Terra
Nelson Mandela, com sua morte, mergulhou no inconsciente
coletivo da humanidade para nunca mais sair de lá porque se transformou num
arquétipo universal, do injustiçado que não guardou rancor, que soube perdoar,
reconciliar pólos antagônicos e nos transmitir uma inarredável esperança de que
o ser humano ainda pode ter jeito. Depois de passar 27 anos de reclusão e
eleito presidente da Africa do Sul em 1994, se propôs e realizou o grande
desafio de transformar uma sociedade estruturada na suprema injustiça do
apartheid que desumanizava as grandes maiorias negras do pais condenando-as a
não-pessoas, numa sociedade única, unida, sem discriminações, democrática e
livre.
E o conseguiu ao escolher o caminho da
virtude, do perdão e da reconciliação. Perdoar não é esquecer. As chagas estão
ai, muitas delas ainda abertas. Perdoar é não permitir que a amargura e o
espírito de vingança tenham a última palavra e determinem o rumo da vida.
Perdoar é libertar as pessoas das amarras do passado, é virar a página e
começar a escrever outra a quatro mãos, de negros e de brancos. A reconciliação
só é possível e real quando há a admissão completa dos crimes por parte de seus
autores e o pleno conhecimento dos atos por parte das vítimas. A pena dos
criminosos é a condenação moral diante de toda a sociedade.
Uma solução dessas, seguramente
originalíssima, pressupõe um conceito alheio à nossa cultura individualista: o
ubuntu que quer dizer: “eu só posso ser eu através de você e com você”.
Portanto, sem um laço permanente que liga todos com todos, a sociedade estará,
como na nossa, sob risco de dilaceração e de conflitos sem fim.
Deverá figurar nos manuais escolares de
todo mundo esta afirmação humaníssima de Mandela:”Eu lutei contra a dominação dos brancos e
lutei contra a dominação dos negros. Eu cultivei a esperança do ideal de uma
sociedade democrática e livre, na qual todas as pessoas vivem juntas e em
harmonia e têm oportunidades iguais. É um ideal pelo qual eu espero viver e
alcançar. Mas, se preciso for, é um ideal pelo qual estou disposto a morrer”.
Por que a vida e a saga de Mandela funda
uma esperança no futuro da humanidade e de nossa civilização? Porque chegamos
ao núcleo central de uma conjunção de crises que pode ameaçar o nosso futuro
como espécie humana. Estamos em plena sexta grande extinção em massa.
Cosmólogos (Brian Swimm) e biólogos (Edward Wilson) nos advertem que, a
correrem as coisas como estão, chegaremos por volta do ano 2030 à culminância
desse processo devastador. Isso quer dizer que a crença persistente no mundo
inteiro, também no Brasil, de que o crescimento econômico material nos deveria
trazer desenvolvimento social, cultural e espiritual é uma ilusão. Estamos vivendo
tempos de barbárie e sem esperança.
Cito o o insuspeito Samuel P. Huntington,
antigo assessor do Pentágono e um analista perspicaz do processo de
globalização no término de seu O choque de civilizações: “A lei e a ordem são o
primeiro pré-requisito da civilização; em grande parte no mundo elas parecem
estar evaporando; numa base mundial, a civilização parece, em muitos aspectos,
estar cedendo diante da barbárie, gerando a imagem de um fenômeno sem
precedentes, uma Idade das Trevas mundial, que se abate sobre a
Humanidade”(1997:409-410).
Acrescento a opinião do conhecido filósofo
e cientista político Norberto Bobbio que como Mandela acreditava nos direitos
humanos e na democracia como valores para equacionar o problema da violência
entre os Estados e para uma convivência pacífica. Em sua última entrevista
declarou:”não saberia dizer como será o Terceiro Milênio. Minhas certezas caem
e somente um enorme ponto de interrogação agita a minha cabeça: será o milênio
da guerra de extermínio ou o da concórdia entre os seres humanos? Não tenho
condições de responder a esta indagação”.
Face a estes cenários sombrios Mandela
responderia seguramente, fundado em sua experiência política: sim, é possível
que o ser humano se reconcilie consigo mesmo, que sobreponha sua dimensão de
sapiens à aquela de demens e inaugure uma nova forma de estar juntos na mesma
Casa.
Talvez valham as palavras de seu grande
amigo, o arcebispo Desmond Tutu que coordenou o processo de Verdade e
Reconciliação:“Tendo encarado a besta do passado olho no olho, tendo pedido e
recebido perdão e tendo feito correções, viremos agora a página — não para
esquecer esse passado, mas para não deixar que nos aprisione para sempre.
Avancemos em direção a um futuro glorioso de uma nova sociedade em que as
pessoas valham não em razão de irrelevâncias biológicas ou de outros estranhos
atributos, mas porque são pessoas de valor infinito, criadas à imagem de Deus”.
Essa lição de esperança nos deixa Mandela:
nós ainda viveremos se sem discriminações pusermos em prática de fato o Ubuntu.
SOMOS TODOS BOLIVIANOS
Ahmad Schabib Hany
Membro fundador da OCCA Pantanal
(Organização de Cidadania, Cultura e Meio Ambiente) e do Forum Permanente de
Organizações Não-Governamentais de Corumbá e Ladário-MS
Este dia 22 de junho de 2013 entra tristemente para a história da
cidadania do coração do Pantanal e da América do Sul pela truculência dos
gendarmes que agiram, não como servidores públicos, mas verdugos da irmandade
de dois povos que vêm construindo uma nova página na história latinoamericana.
Por meio deste manifesto público, fazemos nosso incondicional e
irrestrito ato de desagravo às trabalhadoras da Feira Brasbol agredidas
acintosa e covardemente, em plena luz do dia e diante de diversas câmeras,
sábado, 22 de junho, por gendarmes despreparados, eivados do ranço xenófobo que
vem sendo alimentado irresponsavelmente por algumas autoridades de Corumbá, de
modo obtuso e na contramão da história.
Fruto dessa empáfia bizarra, tais agentes do Estado parecem desconhecer
que o outrora polo cosmopolita que abrigou quase todos os povos no coração do
Pantanal e da América do Sul só pôde permanecer por mais cinco décadas como
importante centro comercial intracontinental graças ao mercado andino,
predominantemente boliviano, que permitiu um movimento pela fronteira de
Corumbá de mais de um milhão e meio de dólares por dia, segundo dados da CACEX
(Carteira de Comércio Exterior) do Banco do Brasil.
Graças ao Pacto Pela Cidadania (em que deram o melhor de si cidadãos
como Dom José Alves da Costa, Padre Pascoal Forin, Padre Ernesto Sassida, Irmã
Antônia Brioschi, Jorge Katurchi, Armando Lacerda, Balbino de Oliveira, Arturo
Ardaya, Alexandre Gonçalves, Elemar Ebeling, Lamartine Costa, Maçu Sabatel, Heloísa
Urt, Angélica Anache, Luz Marina Silva, Cristiane Santana, Ednir de Paulo e
Delari Botega), dois parlamentares defenderam em Brasília a implantação da Área
de Livre-Comércio de Corumbá e Ladário, de modo a equalizar as condições de
comercialização entre as duas fronteiras irmãs.
De modo fraternal e sincero, estabeleceram-se canais de interlocução
entre os atores sociais dos dois lados desta fronteira, tendo servido de
instrumento balizador das políticas públicas pioneiras, introduzidas na
sequência. Aliás, os motivos que levaram ao engavetamento dos referidos
projetos de lei no Congresso Nacional não estão relacionados ao sacrifício
feito pela coordenação do Pacto Pela Cidadania, cujos membros foram muitas
vezes alvo do escárnio dos que desde sempre se alimentaram da exclusão social
pantaneira.
Em pleno século XX, quando as fronteiras nacionais são abolidas pelo
inexorável processo histórico de integração dos blocos continentais, é
inadmissível que funcionários públicos de formação no mínimo questionável
coloquem em xeque uma relação fraternal e profícua desenvolvida nos últimos 60
anos, quando da celebração do Tratado de Roboré pelas autoridades do Brasil e
da Bolívia, e que a partir de então culminaram com a construção da Ferrovia
Corumbá – Santa Cruz de la Sierra, do Gasoduto Bolívia – Brasil.
Não é demais recordar os desavisados que, desde o início do
funcionamento do gasoduto (a partir de 2000), Corumbá tem sido beneficiada pela
elevação da parcela que lhe cabe no bolo do ICMS (Imposto de Circulação de
Mercadorias e Serviços), e por conta disso sua receita não despencou no ranking
estadual.
Relembramos ainda aos abutres que se alimentam da discórdia, que vêm
acirrando uma hedionda intolerância com bolivianos e árabes (“turcos”) por meio
de opiniões racistas, destituídas de qualquer fundamentação lógica, que
xenofobia é racismo, crime inafiançável. Antes de passar pelo constrangimento
de estar por trás das grades, prudência e civilidade não são demais.
Como a ignorância é torpe e atrevida, cabe aqui recalcar que, a exemplo
das Mães da Coronilla (as heroínas que protagonizaram a primeira gesta
libertária contra o jugo colonial na chamada América Espanhola, em solo
boliviano), a grande Juana Azurduy, cantada pela voz imortal de Mercedes Sosa,
também era conterrânea de muitas senhoras humilhadas e agredidas neste nefasto
sábado, 22 de junho. A chibata, portanto, feriu de morte a dignidade e a honra
da nação latinoamericana, vítima desde sempre dos feitores e jagunços que
protegem saqueadores e seus sabujos, não seu povo explorado e humilhado.
Está enlutada a mãe-terra em cujo útero foram gestados cérebros
generosos e iluminados como Pedro de Medeiros, Luiz e Mário Feitosa Rodrigues,
Lobivar de Mattos, Apolônio de Carvalho, Wega Nery, Admar Amaral (Ramda Larama),
Clio Proença, Carlos de Castro Brasil, Alceste de Castro, Ângela Maria Pérez,
Magali de Souza Baruki, Renato Báez, Márcio Nunes Pereira, Jorapimo, Heloísa
Urt, Augusto Malah dos Santos, Manoel de Barros, Augusto César Proença, Edson
Moraes, Dary Júnior, Luiz Taques, Nelson Urt, Bolivar Porto, Edson Castro,
Marcelo Fernandes e Felipe Porto.
É por isso que os signatários deste manifesto, à luz da ética universal,
da irrestrita solidariedade e da indignação cidadã, declaram-se também em uma
só voz: SOMOS TODOS BOLIVIANOS!
2013: CORAGEM PARA SE RENOVAR
Leonardo
Boff
Teólogo, filósofo e escritor,
membro da Comissão da Carta da Terra
Há mais
de quinze anos publiquei no Jornal do Brasil, hoje existindo
apenas pela internet online, um artigo com o título “Rejuvenescer como águias”.
Relendo aquelas reflexões me dei conta de como elas são ainda atuais e
adequadas aos tempos maus sob os quais vivemos e sofremos. Retomo-as para
alimentar nossa esperança enfraquecida pelas ameaças que pesam sobre a Terra e
a Humanidade. Se não nos agarrarmos a alguma esperança, perdemos o horizonte de
futuro e corremos o risco de nos entregarmos ao desamparo imobilizador ou à
resignação estéril.
Neste contexto lembrei-me de um mito da antiga cultura mediterrânea
sobre o rejuvenescimento das águias.
De tempos em tempos, reza o mito, a águia, como a fênix egípcia, se
renova totalmente. Ela voa cada vez mais alto até chegar perto do sol. Então as
penas se incendeiam e ela toda começa a arder. Quando chega a este ponto, ela
se precipita do céu e se lança qual flecha nas águas frias do lago. E o fogo se
apaga. Mas através desta experiência de fogo e de água, a velha águia
rejuvenesce totalmente: volta a ter penas novas, garras afiadas, olhos
penetrantes e o vigor da juventude. Seguramente este mito constitui o substrato
cultural do salmo 103 quando diz:”O Senhor faz com que minha juventude se
renove como uma águia”.
E aqui precisamos revisitar C.G. Jung que entendia muito de mitos e de
seu sentido existencial. Segunda esta interpretação, fogo e água são opostos.
Mas quando unidos, se fazem poderosos símbolos de transformação.
O fogo simboliza o céu, a consciência e as dimensões masculinas no
homem e na mulher. A água, ao contrário, a terra, o inconsciente e as dimensões
femininas no homem e na mulher.
Passar pelo fogo e pela água significa, portanto, integrar em si os
opostos e crescer na identidade pessoal. Ninguém ao passar pelo fogo ou pela
água permanece intocado. Ou sucumbe ou se transfigura, porque a água lava e o
fogo purifica.
A água nos faz pensar também nas grandes enchentes como conhecemos em
2010 nas cidades serranas do Estado do Rio. Com sua força tudo carregaram,
especialmente o que não tinha consistência e solidez. São os infortúnios
davida.
E o fogo nos faz imaginar o cadinho ou as fornalhas que queimam e
acrisolam tudo o que é ganga e não é essencial. São as notórias crises
existenciais. Ao fazermos esta travessia pela “noite escura e medonha”, como
dizem os mestres espirituais, deixamos aflorar nosso eu profundo sem as ilusões
do ego. Então amadurecemos para aquilo que é em nós autenticamente humano e
verdadeiro. Quem recebe o batismo de fogo e de água rejuvenesce como a águia do
mito antigo.
Mas abstraindo das metáforas, que significa concretamente rejuvenescer
como a águia? Significa entregar à morte todo o velho que existe em nós para
que o novo possa irromper e fazer o seu curso. O velho em nós são os hábitos e
as atitudes que não nos engrandecem: a vontade de ter razão e vantagem em tudo,
o descuido consigo mesmo, com a casa, com nossa linguagem e com o desrespeito
para com a natureza, bem como a falta de solidariedade para com os
necessitados, próximos e distantes. Tudo isso deve ser entregue à morte para
podermos inaugurar uma forma de convivência com os outros que se mostre
generosa e cuidadosa com anossa Casa Comum e com o destino das pessoas. Numa
palavra, significa morrer e ressuscitar.
Rejuvenescer como águia significa também desprender-se de coisas que um
dia foram boas e de ideias que foram luminosas mas que lentamente, com o passar
dos anos, se tornaram ultrapassadas e incapazes de inspirar um caminho para o
futuro. A crise atual perdura e se aprofunda porque os que controlam o poder
tem conceitos velhos, incapazes de oferece respostas.
Rejuvenescer como águia significa ter coragem para recomeçar e estar
sempre aberto a escutar, a aprender e a revisar. Não é isso que nos propomos a
cada novo ano?
Que o ano de 2013 que se inaugura, seja oportunidade de perguntar o
quanto de galinha existe em nós que não quer outra coisa senão ciscar o chão e
o quanto de águia há ainda em nós, disposta a rejuvenescer ao confrontar-se
valentemente com os tropeços e as crises da vida e buscar um novo paradigma de
convivência.
E não podemos esquecer aquela Energia poderosa e amorosa que sempre nos
acompanha e que move o inteiro universo. Ela nos habita, nos anima e confere
permanente sentido de lutar e de viver.
Que o Spiritus Creator nunca nos falte!
(Publicado no site Envolverde em 07/01/2013).
O FIM DO EGOISMO
Nelson Urt
Jornalista
Dizem que o fim do mundo está perto. De acordo com o calendário Maia, teria até data para acabar, quando em dezembro houver uma coincidência numérica: 12/12/12. O fim viria por um cataclismo, tão forte quanto o terremoto no Japão, mas em escala mundial. Paralelamente às profecias, existem estudos científicos indicando que a raça humana de fato caminha para a extinção até 2100 se medidas urgentes e revolucionárias não forem tomadas para evitar a poluição de terras e mares, o efeito estufa e o superaquecimento global. Sustentabilidade passou a ser a palavra chave para salvar o planeta, e isso foi tratado e discuto a exaustão na recém finalizada Rio+20.
No entanto, independentemente da trajetória que irá tomar daqui para frente o planeta, se as nações terão ou não peito e coragem para abrir mão de sua riquezas materiais em troca de modelos mais sustentáveis, se o fim do mundo material será daqui a dez ou cem anos – o que se constata é que as pessoas – quer sejam trabalhadores comuns, executivos ou líderes políticos – vivem o tempo da reflexão e adotam uma nova postura, muitos por escolha e visão, outros por obrigação ou conveniência, enquanto outros tantos se mantêm estagnados no passado, insistem em não aceitar as mudanças. Entramos, sim, com certeza, em uma nova era pautada pelo comprometimento coletivo, na qual não cabem mais o egoísmo, a individualidade pernóstica, o acúmulo de riquezas, o levar vantagem em tudo e outros vícios e métodos rasteiros e egocêntricos. Entramos, felizmente, nos tempos de compartilhar, de dividir, de semear, de reciclar, de reutilizar.
Até aqui, cidadãos de bem vinham se curvando diante do sistema mercantilista, que visava exclusivamente o lucro. Eram vítimas das arapucas do dinheiro fácil, dos empréstimos rápidos, dos juros exorbitantes. Eram obrigados a copiar um padrão de vida que não cabia no orçamento doméstico. Hoje houve uma reviravolta. São as empresas e empresários que estão sendo obrigados a se adaptar à nova ordem mundial, ao novo modo de vida do homem do futuro. Por que será que os bancos estão derrubando os juros? Por que será que os pátios das montadoras estão superlotados de carros? Por que será que os grandes fabricantes de cigarro simplesmente sumiram do mapa? Por que será que fabricantes de comestíveis e bebidas artificiais estão fechando as portas?
O homem do futuro sabe que tem o direito de escolha. Escolhe o que é saudável, o que é prático, o que é puro, o que é natural, o que é sustentável. Cansou de poluir o planeta e o próprio corpo. Cansou de comer no pires de empresas que só visam o lucro. Decretou o fim do egoísmo e o começo de um mundo que compartilha o bem. Ninguém mais dá um passo sem pensar no próximo, na coletividade, na participação. Estamos vivendo um tempo em que as máscaras estão caindo. Não adianta mais pintar um poste de verde e dizer que é uma árvore. Estamos vivendo a época das cidades sustentáveis, do homem holístico, integral, transparente. Não há mais lugar para meias verdades, para o faz de conta, para lobos em pele de cordeiro.
O mundo pode até estar no fim, mas muitos novos valores e virtudes ainda vão ser acrescentados nele antes que seja devolvido a Deus para ser enfim transformado no paraíso terrestre. E quem não gostaria de compartilhar esse novo estado de espírito, de viver essa nova revolução de hábitos e costumes que despreza o ganho fácil e valoriza a riqueza da sabedoria, da paz e do respeito ao ser humano? (Publicado no Correio de Ladário em 23/06/2012)
IMAGINE UM MUNDO DE PAZ
Nelson Urt
Jornalista
Quando perguntaram ao Dalai Lama, líder espiritual do Tibete, qual sua previsão para o futuro do mundo, ele respondeu: o mundo caminha para uma época de paz e harmonia entre os povos. Diferentes espiritualistas, filósofos, sociólogos e especialistas como ele, também apostam que os novos tempos indicam uma reviravolta no estilo de vida das pessoas que vai possibilitar a tão sonhada pacificação do planeta que um dia o beatle John Lennon descreveu e apregoou em uma de suas mais belas composições, Imagine. "Você pode dizer;que eu sou um sonhador, mas eu não sou o único; eu tenho a esperança de que um dia; você se juntará a nós, e o mundo viverá como um só", compôs Lennon.
Uma certa fábula certa vez descreveu um gigantesco incêndio em uma floresta quando surgiu um passarinho carregando no bico um baldinho com água. Ele ía e voltava para abastecer o pequeno pote que atirava em gotas para tentar aplacar as chamas que avançavam. Até que apareceu um gavião e perguntou por que inutilmente insistia em apagar o grande incêndio com aquelas minúsculas gotas d’água, no que respondeu: “Estou apenas fazendo a minha parte; e espero que os outros também façam”.
Quando, como o passarinho, cada um resolver fazer a sua parte, mesmo que seja lançando um potinho d’água contra um gigantesco incêndio, quem sabe aplacaremos a grande chama da injustiça social, das drogas, das famílias destroçadas pelo vício, da violência doméstica, da criminalidade, da exploração sexual, da violação dos direitos da criança, da desunião, dos conflitos, da desigualdade, da poluição, do lixo, do desperdício.
O que não faltam hoje em dia são incêndios para se apagar. Mesmo assim há um grupo de pessoas que decidiu caminhar com um pequeno pote de água nas mãos. Pessoas do bem, honestas, sensatas, decididas, responsáveis, comprometidas com a qualidade de vida da população.
Um mestre oriental disse certa vez que quando se consegue salvar a vida de uma só pessoa, significa que se está salvando a vida de toda a humanidade. Não custa tentar. E acreditar.
O Fórum de Segurança lançado esta semana em Ladário é um passo nesse sentido. Um passo dado por pessoas que querem o bem-estar das comunidades. Pessoas que se preocupam em estabelecer a paz, a justiça social, os direitos do cidadão. Ninguém é obrigado a ver, ouvir e sentir o que não quer. Todos têm direito a um sonho reparador. O direito de ir e vir sem ser incomodado. O direito à liberdade.
A proposta do Fórum de Segurança é unir os principais representantes das forças militares e civis, da comunidade, dos bairros, das famílias, para que juntos possam tecer uma rede do bem para combater o mal. A semente foi lançada esta semana pelo prefeito de Ladário, José Antonio, e tem tudo para frutificar. Ações concretas são estabelecidas para dar vida às propostas do Fórum. Com certeza, cada um vai fazer a sua parte. Mesmo que seja com um potinho de água na mão. (Publicado no Correio de Ladário em 04/02/12)
ARTIGO
Cultura da limpeza
Vem aí uma megaoperação de combate à dengue. Acima de tudo, trata-se de uma ação de limpeza, porque numa cidade limpa não há lugar para mosquito da dengue. Como bem explicou o secretário municipal de Saúde, Cleber Colleone, em outros tempos o mosquito transmissor ainda era fraquinho e só conseguia se reproduzir em água parada limpa. Hoje a fêmea reprodutora ovula até em água suja parada e, portanto, a proliferação é bem maior.
Colleone também alertou que neste verão deve entrar pela fronteira e chegar a Ladário e Corumbá o vírus da dengue tipo 4, mais ameaçador por ainda ser inédito por aqui e, portanto, todos estão vulneráveis a ele, mesmo aqueles que já contraíram a doença infectados por outros tipos de vírus.
Dessa forma, a cidade está em alerta. A operação Ladário Limpa e sem Dengue vai ser, sem dúvida, mais um gol na administração do Sr. José Antonio num mês em que outras muitas cidades só pensam em Carnaval. Em Ladário, diferentemente, se pensa, sim, em preparar um bom Carnaval para a população, mas também existe a preocupação de garantir uma vida saudável para os cidadãos. Com dengue não se brinca. E só mesmo a saúde nos dá a liberdade de ir e vir, trabalhar, passear, viajar e brincar o Carnaval.
O interessante é que a operação Ladário Limpa e sem Dengue está diretamente ligada à mudança de postura de uma parcela da população, acostumada a não jogar o lixo no lixo e a conviver com quintais tomados por mato e sujeira. No fundo, essa nova campanha terá como foco a “cultura da limpeza”, ou seja, a primeira etapa da operação será basicamente voltada à conscientização e preparo da população.
A “cultura da limpeza” desperta no cidadão o desejo de manter a cidade limpa e naturalmente faz com que ele coloque o saco de lixo na rua em horários e dias próprios. Nessa mesma cultura da limpeza um cidadão jamais admite se desfazer de um saco de lixo atirando-o no terreno baldio da esquina. E por incrível que pareça até mesmo na eclética avenida 14 de Março já se tem visto lixo jogado na calçada, na sarjeta e na rua – um péssimo exemplo de moradores para o restante da cidade. Os visitantes que chegam acabam tendo uma péssima impressão da cidade.
Para nossa sorte, a cidade com pontos de sujeiras não é uma regra, mas uma exceção. Muitos moradores que residem nas extremidades da cidade, em casas muito mais modestas, estão dando lição de boa educação e respeito ao próximo e à natureza, e não descuidam da limpeza da casa e tampouco se desfazem do lixo nas ruas.
Dessa forma, a operação Ladário Limpa e sem Dengue promete ser um desafio para toda a população cuidar da limpeza e da vida saudável, dando um exemplo de como deve se comportar um cidadão ambientalista, que prepara o futuro e de fato preserva o planeta. (Editorial publicado pelo Correio de Ladário)
ARTIGO
Livre manifestação
A população ladarense começa a observar e sentir os reflexos de três anos de mandato do prefeito José Antonio. Uma das mudanças verificadas é a liberdade de expressão, a livre manifestação, o direito de escolha. Hoje o servidor público recuperou o direito de criticar abertamente a administração pública. Acabou a lei da mordaça que vigorava em outras épocas, quando só havia espaço para opiniões favoráveis. Em audiências públicas ou conferências, o servidor público está livre para exercer os seus direitos de cidadão e pode falar abertamente, sem medo de sofrer retaliações. O que está em vigor é a democracia. Respira-se novos ares, novos tempos.
Uma das marcas do Partido dos Trabalhadores tem sido o fortalecimento do trabalhador como cidadão de bem, dando-lhe voz, opinião, atitude, consciência e participação. Se essas opiniões são a favor ou contra a administração pública é outra história – o que deve prevalecer é a política da paz e do relacionamento em alto nível.
É evidente que alguns poucos oportunistas se aproveitam dessa abertura para criar tempestades, tentando fazer com que questões pontuais gerem crises na administração. Um buraco de rua ou uma lâmpada queimada pode ser apontada como caos na administração, quando na verdade são pendências cotidianas normais e fáceis de ser corrigidas em uma cidade que há quatro anos atrás vivia afundada em buracos e na escuridão. Mas felizmente esses poucos incendiários não têm conseguido seus intentos, mesmo porque temos uma população inteligente e politizada.
O mesmo servidor público que ganha o direito de criticar os erros da atual administração é suficientemente inteligente e bem informado para verificar os avanços do município. Quem não verifica essas mudanças vai cair em contradição e se passar por mal informado, pois até mesmo corumbaenses e outros visitantes observam que hoje Ladário é uma cidade revigorada, mais limpa, mais bonita, mais iluminada. A iluminação e decoração de Natal e o Show da Virada de Ano Novo são os mais recentes exemplos dessa transformação sócio-cultural.
Podem acusar a administração de tudo, menos de preguiçosa, porque ela tem trabalhado duro, com muito suor, e neste quarto ano de mandato do sr. José Antonio começa a colher os frutos desse trabalho sério, inteligente e ousado. Não foram feitas obras eleitoreiras, isso é um fato. Todas as obras são perenes, para durarem para sempre. Quem ganha com isso é a população.
Mesmo o servidor mais contrariado vai verificar os avanços proporcionados pelo Plano de Cargos , Carreiras e Salários, que acabou com uma distorção e uma injustiça salarial que colocava 80% dos trabalhados com ganhos inferiores ao salário mínimo. Hoje isso não existe mais. Hoje todos recebem acima do mínimo. As horas extras foram incorporadas aos salários. Houve ganhos de 20% na reposição salarial e 7% de aumento real. Enfim, a folha de pagamento dos servidores públicos teve uma alta na atual gestão. E no final de 2011 Ladário se colocou entre as cinco cidades de Mato Grosso do Sul que registraram as maiores altas no rateio do ICMS, resultado do novo conceito administrativo em prática.
O que se oferece hoje para Ladário é o direito de obter qualidade de vida comparável às melhores cidades do País. Afinal, o ladarense tem ou não esse direito? (Editorial publicado no Correio de Ladário)