Aula Pública no Campus Pantanal: momento de reflexão e ação |
Imaginem cursar jornalismo nos anos 70, anos de
chumbo da ditadura, quando o jornalista Vladimir Herzog acabava de ser
assassinado nos porões do DOI-Codi, aparelho de repressão militar em São Paulo,
e a censura ditava a lei da mordaça aos meios de comunicação e universitários.
Tempos proibidos a Marx, Engels e a qualquer outro nome da esquerda, enquanto a
disciplina de Geopolítica versava apenas sobre as suntuosas obras da ditadura
para garantir o “milagre brasileiro” em um currículo totalmente esvaziado. Fazer
faculdade do faz-de-conta era, no mínimo, um chute no saco (quando não se era preso e
torturado). Passei por essa amarga experiência como estudante de jornalismo na
Faculdade Cásper Líbero, na avenida Paulista. Época em que o Centro Acadêmico
era um razoável ponto de resistência, pois ali pelo menos poderíamos tocar e
cantar Chico Buarque e outros da MPB. Em 1978 participei da greve dos
jornalistas e de piquetes na porta da Folha de S.Paulo, na tentativa de barrar
a saída dos jornais para as bancas. Inútil, havia muitos fura-greves a serviço dos patrões. As assembléias da categoria eram realizadas
não no sindicato na rua Rego Freitas, mas diante do altar da Igreja da Consolação – território neutro, onde estaríamos protegidos de uma provável repressão militar. Mais da metade da
categoria perdeu o emprego, como retaliação das empresas - e eu fui um deles. Mas a greve serviu
como um divisor de águas para colocar de um lado os jornalistas de princípios
éticos e coletivos, e aqueles que posavam como jornalistas mas eram apenas
marionetes nas mãos da chamada imprensa-empresa.
Quatro décadas depois, eis-me aqui neste auditório
do Campus Pantanal UFMS, superlotado de estudantes e professores que respiram os bons ventos
da liberdade e da democracia nesta Aula Pública. Que façamos bom proveito. Podemos
e devemos, sim, com certeza e bons propósitos, ler e discutir Marx e Engels, exercer nossos direitos sem sermos taxados de subversivos. Discutir a verdadeira
geopolítica, a sociologia, a filosofia, a antropologia, reconstruir e cobrir a
história com um espírito isento e crítico.
Neste emblemático e de triste memória 31 de março,
manchado pelo golpe de 1964 que nos amordaçou durante 21 anos, nada melhor do
que repetir de alto e bom som que “este erro não queremos repetir”. Sobram
motivos, e eles foram perfilados durante a Aula Pública “Geopolitica
Global e a Crise no Brasil: um convite à reflexão”, encabeçada no Campus
Pantanal UFMS pelas mentes brilhantes dos professores Elisa Freitas (Geografia), Fabricio Santiago
(Filosofia) e Ahmad Schabib (História).
Eis algumas das reflexões colocadas pelo professor
Ahmad Schabib, do curso de História:
“A gente tem que ver a historia sem
preconceito, tem de ter grandeza da alma, tem de perder esse jeito vira-lata de
ser.” ( A frase "complexo de vira-latas", cunhada pelo jornalista, dramaturgo e
escritor Nelson Rodrigues, referia-se à baixa auto-estima do povo brasileiro,
que se sente inferior aos demais povos, principalmente europeus e
norte-americanos. “O brasileiro (...) cospe na própria imagem”, afirmou Nelson.
“Dizem que o capitalismo deu certo, mas deu certo
para menos de 1% da humanidade, o resto foi navio negreiro, foi assim que eles
fizeram dinheiro, levando a batata andina que virou batata inglesa, levando
chocolate asteca que virou chocolate suíço. Então , o capitalismo vive da
roubalheira. Essa operação lava-jato poderia ter sido denotada muito tempo
antes”. (A esse respeito, a professora Elisa Freitas, doutora em Geografia Humana pela USP, afirma que o PT (Partido dos Trabalhadores) errou ao não trocar a
diretoria da Petrobras herdada do governo FHC, diante dos indícios de corrupção;
e “o abacaxi caiu no colo da Dilma”, concluiu.
“Quando ficaram sabendo que FHC (ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso) havia recebido 7 milhões de dólares de algumas
empreiteiras antes do final do mandato, quando já havia criado o Instituto FHC,
disseram: “deixe o velhinho trabalhar, deixa o velhinho sobreviver”. Isso foi
dito por um jornalista”.
“Esses dois (Karl Marx e Friedrich Engels, autores
do Manifesto Comunista) em 1848 falaram o óbvio que até então ninguém
tinha falado, que a sociedade se constitui de classes, que tem um lado de quem
está por cima da carne seca e tem o lado de quem nem tem a carne seca, sua
própria carne é seca, já nos ossos.”
“A luta de classes se dá por interesses
antagônicos. Se uma determinada classe tem uma maneira de enxergar a vida, as
outras que estão na outra ponta têm legítimos interesses pelos quais tem
de lutar, é a assim que a humanidade vai se superando. Parece chavão, mas na
história não há marcha-ré”.
“O presidente da OAB jurava que em 1964 não era
golpe. Tivemos 21 anos para ele se desmentir. Não temos o direito de repetir
esse erro. Mas não vai ser com militares, não. O golpe hoje é unicamente pelo
judiciário. E pelo aparelho policial. Eles estão passando para todos os países
que consideram democráticos, entre aspas, um modelo de policia independente.
Banco central independente. Sabem o que vai virar o presidente? Um gerente.
Eles não querem um presidente estadista, querem presidente gestor.”
Auditóriaofoi pequeno para receber estudantes e profesores |
“O maior inimigo dos Estados Unidos não é
ideológico mas a questão econômica. Estão em pleno declínio. Capitalismo
vive da crise, da guerra e do roubo. Cria-se estratégia para desovar material
obsoleto. Pólvora já não faz parte da estratégia. Espectro global é a estratégia.
Se faz através da mídia golpista, que é sonegadora e não paga impostos”.
“Nossa elite tem vergonha de ser brasileira, de
conviver no mesmo espaço com o povo brasileiro. Ela só se realiza quando faz
papel de agregada da metrópole na Europa e agora nos Estados Unidos.”
“Leiam mais e sejam seletivos. Escolham o que é bom
para a formação de vocês, sejam protagonistas. É importante ter orgulho de ser
brasileiro, ser latino americano e de viver em uma sociedade miscigenada,
mesclada. Por que essa historia de querer ter pedigree? Deixa isso para os
pets, porque não somos pet, somos gente, e como gente somos exigentes”
“Além da reflexão, é preciso ação. Tenham orgulho
desse país continente, a grande democracia está aqui e agora. Não a deixem ser
estuprada.”
Leia no canal Artigos o comentário da professora Elisa de Freitas, doutora em Geografia Humana pela USP, "Geopolitica global e a crise no Brasil".
Leia no canal Artigos o comentário da professora Elisa de Freitas, doutora em Geografia Humana pela USP, "Geopolitica global e a crise no Brasil".