sexta-feira, 9 de agosto de 2024

Gaza brasileira: nem casas de reza escapam ao massacre contra indígenas em Douradina


Nem as casas de reza dos povos indígenas estão escapando dos ataques dos jagunços (agora conhecidos como milicianos), a mando de fazendeiros que se recusam a aceitar a lei de demarcação, temerosos em perder suas terras. De 2019 e 2023, foram queimadas ou destruídas 13 dessas Oga Pissy, o nome em guarani das casas de reza. Desse total, 9 ataques criminosos ocorreram em Mato Grosso do Sul.

No momento, a comunidade indígena de Douradina é alvo de um massacre intermitente, ataques com uso de balas de chumbo (e não apenas de borracha, como se imaginava), uso de potentes holofotes para impedir que os indígenas durmam à noite (um verdadeiro ato de tortura pós-ditadura), emprego de tratores para destruir moradias e plantações, além do uso de queimadas como forma de espantar os moradores.

Esses ataques ocorrem desde agosto do ano passado e ganharam mais intensidade enquanto as autoridades discutem se aprovam ou não o Marco Temporal, um projeto de lei criado para impedir novas demarcações de terras mas que está prestes de ser derrubado. Os ataques são uma forma de fazendeiros pressionarem os políticos parlamentares a aprovarem o Marco Temporal e protegerem suas propriedades que se encontram em terras indígenas.

Douradina fica no sul do Estado e possui pouco menos que 6 mil habitantes, sendo o menor município de Mato Grosso do Sul em área territorial, fazendo divisa com Dourados. Foi uma cidade criada por fazendeiros, proprietários dos latifúndios naquela região antes pertencente aos povos originários.

Quando os povos indígenas foram expulsos a toque de caixa de suas terras, no começo do século passado, o Governo criou a Reserva Indígena Guarani Kaiowá, em Dourados, como forma de aldear e apaziguar os nativos. Com o passar do tempo, a região tornou-se um ponto de conflito e manifestações, quando houve um despertar da consciência e os povos indígenas passaram a reivindicar a retomada de suas terras que ficam no entorno dessa reserva, cansados de esperar por novas demarcações. Douradina é apenas um desses pontos.

As Oga Pissy não são simplesmente casas de reza, mas locais de encontros sociais, culturais e políticos das comunidades indígenas. Ali são discutidas as principais questões que afligem a comunidade. Queimar e destruir Oga Pissy é uma tentativa de o oponente apagar os principais traços culturais do povo, trata-se de um atentado às tradições seculares. As Oga Pissy são consideradas centros sagrados pelos indígenas, que nelas guardam apetrechos de seus rituais.

O fato é que o movimento das retomadas em TI (Terras Indígenas) está escancarando uma onda de violência que vem crescendo na medida em que os fazendeiros, megaempresários do agronegócio brasileiro, sentem-se ameaçados em perder bens e lucros acumulados desde a instalação da República, quando a ordem vigente passou a ser desalojar indígenas de suas terras e repassá-las aos produtores rurais com a formação dos enormes latifúndios.

E o governo progressista permanece neutro, apesar do massacre. Tanto é que, em vídeo gravado por agências de notícias independentes, fica claro o tom conciliador com que a ministra dos Povos Originários, Sonia Guajajara, trata a questão durante sua visita à Douradina, ao solicitar que as vítimas do massacre fossem “mais pacíficas”.

A Força Nacional também esteve presente, mas a barbárie continua, tanto é que no fim de semana de 3 e 4 de agosto dois novos ataques com armas de fogo foi perpetrado, deixando 11 indígenas feridos, dois deles com gravidade, na cabeça e no pescoço.

A retomada Guaaroka é uma das sete ocupações feitas pelos Guarani Kaiowá dentro da Terra Indígena (TI) Panambi-Lagoa Rica. A área de 12,1 mil hectares já foi identificada e delimitada pela Funai em 2011, mas o processo demarcatório está estagnado desde então.    

Vinculada ao Ministério da Justiça (MJ) e com a atuação criticada pelos indígenas, a Força Nacional delimitou um espaço para cada um dos dois grupos que acampam na área sobre a qual está a fazenda do agropecuarista Cleto Spessato. De um lado, os povos originários na retomada Yvy Ajere. De outro, os ruralistas armados, que contam com o apoio dos deputados federais ligados à bancada do agronegócio.

No início da noite de domingo, 4 de agosto, fazendeiros avançaram com fogo, trator, rojão e tiros, a despeito da presença da Força Nacional, contra a retomada Yvy Ajere.  Segundo relatório do Conselho Missionário Indígena (CIMI), "os agentes se mantiveram atrás da linha de ataque dos jagunços sem esboçar qualquer reação para impedir as agressões". Cenas que, se mostradas em rede nacional pela tevê comercial patrocinada, lembrariam ataques contra palestinos na faixa de Gaza. Mas esse massacre aos povos indígenas continua restrito à cobertura de uma pequena parcela da imprensa independente e a pedidos de socorro das próprias vítimas.