Chico Anysio se foi e nos deixou uma
rica herança de mais de 100 personagens, entre eles Seu Boneco, um dos alunos
da Escolinha do Professor Raimundo. Era aquele sujeito pançudo, sempre de
bermuda e chinelos de dedo, touca feita de meia de seda cobrindo a cabeça, que
criou o bordão “eu vou pra galera”. Quem vivia o personagem era um dos oito
filhos de Chico, o ator Lug de Paula, que foi casado com a atriz e também
comediante Heloisa Périssé. Seu Boneco, Bozó, Pantaleão, Baiano, Coalhada,
Nazareno, qualquer que seja o personagem, haverá sempre alguém semelhante em
qualquer parte do País, porque Chico soube com genialidade retratar as características
do povo brasileiro. A herança de Chico também habita as ruas de Corumbá, na
figura de Seu Boneco, apelido que o lavador de carros Renê Vargas dos Santos
ganhou dos moradores do centro da cidade. Mas a vida do Seu Boneco corumbaense não
tem nada de comédia. É cercada de drama, dor e tristeza. Há 13 anos, ele foi um
dos 16 supostos mendigos que as autoridades mandaram colocar em um ônibus e
expulsar da cidade em um episódio que ganhou destaque internacional e mereceu
editorial da Folha de São Paulo com o título “O Tráfico da Miséria”. Os principais envolvidos foram indiciados por
“seqüestro e cárcere privado”. O caso, que abalou os alicerces e deu novos
rumos à política corumbaense, ocorreu durante a gestão do ex-prefeito Eder
Brambilla. “Quando viu todos amordaçados, amarrados, um sargento baixinho da
Polícia Rodoviária logo desconfiou que havia alguma coisa errada, mandou
prender todo mundo que levava o ônibus, até um major, e mandou a gente de volta
pra Corumbá”, contou-me Renê, durante entrevista ao Diário Corumbaense em março de
2008, que escolhi como título “O sobrevivente das ruas”. De Itapetininga,
interior de São Paulo, o ônibus dos “mendigos” retornou a Corumbá, onde hoje
Renê trabalha dignamente lavando carros. É o que faz desde que se mudou de Campo
Mourão, no interior do Paraná, onde deixou a família. Trabalhador solitário, Seu
Boneco nunca mais foi acusado de vadiagem e segue seu destino como sobrevivente
das ruas de Corumbá. Seria cômico se não fosse trágico – diria Nelson
Rodrigues.
Nenhum comentário:
Postar um comentário