quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Salve o Sarobá! Biblioteca Lobivar é reaberta ao público.


Obras do poeta corumbaense já podem ser consultadas na biblioteca
Nelson Urt
Navepress

Quem anda a procura de livros, principalmente aqueles com histórias da nossa região e suas figuras populares, já pode recorrer à Biblioteca Municipal Lobivar Matos, que teve as portas reabertas na rua Delamare, entre a Major Sertório e a Firmo de Matos, no centro de Corumbá. Na verdade, a biblioteca está de volta às origens, pois desde sua inauguração, em 1948, aquele prédio lhe pertencia.

Lá dentro podem ser consultados os dois únicos e raros livros publicados por Lobivar: Areôtorare (1935) e Sarobá (1936), este com poesias e personagens sobre uma favela de negros formada em Corumbá no período pós-abolição. Só essas duas obras bastam para agregar um rico acervo, mas há muitas outras. O acervo contém 30 mil itens, entre livros, revistas e jornais.

Sarobá e Areôtorare, obras de Lobivar no acervo
A biblioteca foi reaberta ao público neste começo de agosto, após seis meses sem funcionar. Nela, além das obras de Lobivar, podem ser encontrados livros referências na história regional de autores como Manoel de Barros, Pedro de Medeiros, Valmir Corrêa, Augusto César Proença, Benedito C.G.Lima. Há um raro exemplar de Sopa Paraguaia, livro de crônicas e poesias do escritor ladarense João Lisboa de Macedo, além de jornais e revistas do século passado.

Com as cada vez mais constantes anomalias econômicas, políticas e sociais destes tempos nebulosos, os livros, acreditem, foram deixando de ser prioridade para uma certa classe dominante, e a biblioteca acabou perdendo seu espaço. O salão passou a ser destinado a outros setores administrativos ligados à Educação, e ficou conhecido como Espaço Educacional. Foi sede do Cartório Eleitoral e passou uns tempos nas mãos da IFMS. Enquanto isso, a cidade ficava com uma biblioteca municipal sem-teto, provisória e itinerante.

A biblioteca chegou a funcionar no andar térreo do Grande Hotel de Corumbá, onde se instalou por um período a Fundação de Cultura, presidida por Helô Urt. Os demais blocos do Grande Hotel estavam desabitados e interditados pela Defesa Civil.

Meu primeiro contato com as obras de Lobivar Matos foram por meio de Helô, uma apaixonada pelo poeta corumbaense e grande incentivadora da biblioteca fundada em 1948. O acervo ganhou o nome de Biblioteca Municipal Lobivar Matos em 1975, por meio de lei estadual no então Mato Grosso, portanto, antes da divisão do Estado. 

Helô me contou que seu sonho era ver o Grande Hotel um dia revitalizado para se tornar a grande sede da cultura no centro de Corumbá, assim como são o Centro Cultural Luiz Otávio Guizzo e o Centro Cultural da avenida Fernando Correa em Campo Grande.

Quando o prédio inteiro do Grande Hotel foi interditado pela Defesa Civil, por questões de segurança, a biblioteca passou uma temporada em uma sala do prédio da Missão Salesiana, na rua Dom Aquino. Seguindo sua peregrinação, foi transferida para o prédio histórico do Instituto Luiz Albuquerque, na esquina da rua Antônio Maria com a Praça da República. Um dos primeiros conjuntos arquitetônicos construídos em Corumbá, há 148 anos, o ILA já necessitava naquela época de uma revitalização, mas faltavam projetos e recursos para isso.

Em 2014 o prédio do ILA passou por uma reforma emergencial no telhado, que estava caindo. Outros reparos foram feitos nas instalações elétricas. Mesmo deteriorado, o prédio abrigou por longo tempo a sede da Fundação de Cultura, com salas ocupadas pela Biblioteca Municipal Lobivar Matos e o Museu Regional. Durante o Carnaval e o Banho de São João as salas serviam como oficinas de montagem. Ali costuravam-se as fantasias do Bloco dos Palhaços e da Ala das Pastorinhas.

E enquanto isso o teto desabava gradativamente, o piso apodrecido de madeira das salas e escadas cedia, num caminho sem volta para a deterioração. O ILA é um dos prédios históricos contemplados para revitalização completa com recursos da União do PAC Cidades Históricas. Mas até este mês de agosto de 2019, acreditem, o projeto de revitalização ainda não foi concluído pelos órgãos públicos responsáveis – Estado, Prefeitura e IPHAN – e, portanto, os recursos não foram liberados pelo governo federal.

O resultado foi a interdição do prédio, por decisão da Prefeitura de Corumbá, após Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF). Na verdade, o MPF quis acelerar o processo, exigindo da administração pública que fossem tomadas medidas urgentes em atenção à segurança do prédio, seu acervo e funcionários. Com tanto material inflamável, era constante o risco de incêndio e de desabamentos do teto.

Dessa forma, o acervo da Biblioteca Lobivar Matos é agora transferido para o Espaço Educacional, que por sua vez precisa passar por readequações e reformas – os dois aparelhos de ar-condicionado estão quebrados - constatamos isso nesta semana ao entrar na biblioteca.

Serviço – Biblioteca Municipal Lobivar Matos, rua Delamare, 1557, Centro, prédio do Espaço Educacional, entre as ruas Major Gama e Firmo de Matos. Aberta ao público de segunda a sexta das 8h às 17h.

quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Juventude despedaçada: homicídios crescem entre jovens e negros


O equilíbrio do Pantanal também corre riscos diante da economia de mercado 
Nelson Urt
Navepress

Esta é uma imagem que captei na BR-262 no momento em que regressava pelo Pantanal do Mato Grosso do Sul, no caminho que liga a capital Campo Grande à minha cidade natal, Ladário, à beira do rio Paraguai, na linha de fronteira com a Bolívia. O fato é que há uma tênue linha invisível separando o que se vê e o que se sente neste pôr do sol e o que a sociedade de consumo nos impõe externamente. Mesmo o Pantanal, com sua beleza que parece infinita, corre tantos riscos quanto a Amazônia de perder seu equilíbrio e sua harmonia, e os que dependem dele para sobreviver também são passíveis de ameaças - há mineradoras trabalhando por perto.

Nesse sentido, a economia de mercado, com todos os seus tentáculos, visando o acúmulo de capital e o lucro a qualquer preço, tornou-se uma máquina muito cruel contra os homens e a natureza. E o preço maior está sendo pago pelas camadas mais pobres da população. Negros, jovens e pobres, mais precisamente.

Vejam os números do Atlas da Violência 2019, divulgados neste começo de agosto pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Números oficiais, científicos, nada de achismo, propaganda ou especulação política. 

O Brasil atingiu pela primeira vez em sua história o índice de 31,6 homicídios por 100 mil habitantes, correspondente aos 65.602 homicídios registrados em 2017.  São 179 mortes por dia. O correspondente a uma guerra a cada ano.

E, mais uma vez, a pesquisa comprova que o homem jovem, negro, com até sete anos de estudo, compõe o perfil das pessoas mais sujeitas a esse tipo de morte violenta intencional. A taxa de negros vítimas de violência cresceu 33% entre 2007 e 2017, em dez anos. Em 2017, eram pretas ou pardas 75,5% das pessoas vítimas de homicídio.

Quase 5 mil mulheres mortas violentamente no ano

O ano de 2017 registrou, também, um crescimento dos homicídios femininos no Brasil, chegando a 13 por dia. Ao todo, 4.936 mulheres foram mortas, o maior número registrado desde 2007 – sendo que 66% delas eram negras. Entre 2007 e 2017, houve um crescimento de 30,7% nos homicídios de mulheres no Brasil. 

O Ipea leva em conta um fator crucial para tanta disparidade: há um abismo de desenvolvimento humano entre os municípios mais violentos e os mais pacíficos do Brasil. E o que fazer para encurtar essa diferença? Esta é a questão que muitos preferem responder e combater de modo simplista, elegendo o tráfico e o consumo de drogas como maiores vilões da sociedade. Dentro desse raciocínio, basta aumentar as forças militares, aumentar o número de presídios e colocar mais polícia na rua para buscar a solução. Mas houve solução?

Muitos outros, como nós, defendem outro ponto de vista e dentro de uma nova postura. Uma educação de qualidade para todos, o acesso de todas as classes sociais  às moradias e aos bens de consumo e culturais, a preservação do meio ambiente, o culto às tradições históricas e patrimoniais e o respeito aos direitos civis no Brasil – são princípios chaves que precisamos cultivar para reverter esses números constrangedores que colocam nosso País como um dos mais violentos do planeta.

Campo Grande, a segunda capital mais segura

Se é que isso possa servir de conforto para a gente do Mato Grosso do Sul, Campo Grande ocupa hoje o posto de segunda capital menos violenta do País, com 18,8 homicídios por 100 mil habitantes, atrás apenas de São Paulo. Entre as cidades com mais de 100 mil habitantes em MS, Corumbá é a segunda menos violenta, vindo logo atrás da capital, com 29,6 homicídios por 100 mil, com 30 mortes violentas em 2017, apesar de se localizar na linha da fronteira. Ladário ficou com taxa estimada de 20,6, com 4 homicídios em 2017. 

Os municípios mais violentos de MS ocupam a faixa da fronteira com o Paraguai: são eles Paranhos (índice de 91,3), Antônio João (90,8), Ponta Porã (48) e Itaquiraí (67,8).  
Para se ter uma ideia desse abismo de desenvolvimento humano, entre os dez municípios menos violentos do País, todos do interior de São Paulo, os índices vão de 2,7 de Jaú até 8,5 de Sertãozinho.

Leia mais sobre o tema nesta reportagem do Universa:

https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2019/08/08/mulheres-com-filhos-mortos-pela-policia-vivem-medo-pelos-que-estao-vivos.htm