sábado, 20 de agosto de 2022

Banda Intervenção, rock e reflexão anarquista no Resistência Bar

Banda Intervenção nos 13 anos do Resistência Rock Bar

Passam das duas horas desta madrugada gelada em Corumbá, no Pantanal do Mato Grosso do Sul. A dose de conhaque Democrata esquenta da cabeça aos pés. O som e os versos da banda Intervenção incendeiam a alma e rebate o frio no porão. 

Com Lipe na guitarra e na voz, Binha no baixo e Wanessa na bateria, o grupo de Campo Grande que migrou para São Paulo trouxe para o Resistência Rock Bar, em Corumbá, o seu show de punkrock, uma pegada forte com composições autorais de profunda crítica social e gritos de reflexão e protesto. 

E nem poderia ser diferente: todos os integrantes da banda são anarquistas, formados nas bases dos coletivos de Campo Grande e agora na capital paulista. Wanessa também é baterista da banda de mulheres Mestruação Anárquica, de São Paulo. O anarquismo traz uma linguagem libertária e revolucionária, e bandas como Intervenção predominam na programação do Resistência Rock Bar, que celebra 13 anos de história e movimento libertário. 

Banda Resistência Suicida aqueceu a madrugada

O Resistência Rock Bar é uma bandeira levantada contra o fascismo e todas as outras correntes conservadoras, e contra a enganosa política partidária que se aproveita da aparelhagem estatal para, na corrida por votos e poder, manipular a população, transformá-la em massa de manobra. 

Distúrbios de Conduta no som de abertura

A banda Distúrbios de Conduta, com os corumbaenses Rodrigo Daltro (vocal e guitarra), Joel (baixo), Wangrey (guitarra) e Felipo (bateria), abre a programação, com uma pegada vigorosa, levando a proposta de produzir um som rápido e agressivo, direcionando sua música contra a ala mais conservadora da sociedade. O grupo surgiu em 2017 em Corumbá e tem Rodrigo como líder.

A banda Resistência Suicida, com os corumbaenses Gabriel Omar (guitarra e voz), Lourenço Santiago (voz) e Zamo (bateria) fecha a madrugada, que fica caliente em confronto com os 8 graus lá fora.

CD traz 16 faixas autorais

Pago dez reais por um CD do Intervenção, troco algumas ideias com o vocalista do grupo Lipe, como um pastel frito na hora por dona Marta na saída e pego o rumo de casa ao lado dos amigos Denise e Alex, em seu Siena com ar-quente, ouvindo a faixa 16 do CD, “Mentiras’, que diz muito sobre o mundo distópico desses dias: “Mentiras, mentiras, vendidas e compradas/a prazo na TV, população manipulada/mentiras, mentiras, em todos os lugares/mentiras nas faces, mentiras nos olhares/Não faça nada de errado/não faça nada proibido/seus erros são contados/seus acertos esquecidos/Um passo em falso no centro da cidade/onde o valor é a desonestidade/políticos, pastores, vestidos de terno/te prometem o céu e o inferno...”

Serviço: Banda Intervenção - punkrock. CD a R$ 10 e LP vermelho a R$ 90. Kit com LP, CD e camiseta a R$ 150. Contatos pelo face Intervençãopunkrock ou pelo whats 99882-1870 ou 99105-3907 (com Talita).


 

sábado, 6 de agosto de 2022

Livro de Taques relata amores de Dolores e atrocidades da guerra do Chaco


São quase dez da noite deste sábado caliente do inverno de Corumbá, no Pantanal de Mato Grosso do Sul, e acabo de sair a Praça de Nossa Senhora de Urkupiña, santa boliviana, no dia das celebrações da Independência da Bolívia. Salsa, merengue, cumbia são alguns dos ritmos tocados pelo grupo Sombras de América, que veio de Puerto Quijarro, cidade irmã da fronteira com a Bolívia, para animar os festejos. Brasileiros e bolivianos, muitos com dupla nacionalidade, dançam e cantam na praça que hoje é o centro da maior comunidade boliviana - para onde a fronteira avançou e se faz presente - em Corumbá. 


Também era dia do lançamento do novo livro do escritor corumbaense Luiz Taques, “Aposto que você nem sabia do namoro dela com um ex-combatente da guerra do Chaco”. Taques veio de Londrina com a esposa e o cachorro da família, Pedro, especialmente para lançar o livro. E, claro, para rever os amigos.

Compro um exemplar autografado pela escritor, em uma mesa lateral. Trata-se de uma edição bilingue, com tradução para o espanhol por conta do professor de História e articulista Ahmad Schabib Hany.

 “Queria falar apenas da Guerra do Chaco. Mas não conseguia. Pressentia que necessitava de uma companhia para dialogar comigo. Afinal, abordar sozinho madrugada adentro batalhas fratricidas não era moleza, não. Desse modo nascia Dolores, a personagem central deste conciso drama fronteiriço”, relata Luiz Taques na abertura do livro. 

Um livro que fala dos amores de Dolores e das atrocidades humanas em solo chaquenho, envolvendo Bolívia e Paraguai, entre 1932 e 1935. Com o brilho genial da escrita do corumbaense Taques, premiado jornalista defensor dos direitos humanos.

Serviço: Livro "Aposto que você nem sabia no namoro dela com um ex-combatente da guerra do Chaco", 72 páginas. Editora Maria Petrona, Londrina-PR. 2022. O livro custa R$ 39,90 (frete incluso para envio pelo Correios) e pode ser adquirido por meio do PIX luiztaques@gmail.com.

Imagem de Nossa Senhora de Urkupiña e o grupo Sombras de América


Taques e Pedro (o cão) e as devotas de Urkupiña

domingo, 24 de julho de 2022

No Resistência Rock Bar, o mix inigualável da fronteira: charango, voz e guitarra


Nelson Urt
Navepress

O Resistência Rock Bar fica no final da rua Portocarrero, quase esquina com a Edu Rocha, em Corumbá, a 12 km da linha de limites com Puerto Quijarro, na fronteira Brasil-Bolívia. É ali que chego pontualmente às 20h30 neste sábado caliente do inverno corumbaense. Para ver de perto as quatro bandas do programa que celebra os 13 anos do bar: Distúrbios de Conduta, Andróide Melancólico, Taos Hum e Resistência Suicida.

O Resistência é um bar temático, ativista, com cartazes antifascistas espalhados pelos quatro cantos do salão e do lado de fora onde o professor de História José Lourenço Santiago, o dono, serve a galera com ajuda dos amigos. Na entrada, o preparo do saboroso churrasquinho é feito por Valdecir, pescador e indígena guarani.

Posters de Raul Seixas e Janes Joplin vão além da decoração, ao lado do rosto pintado de urucum de uma jovem guerreira guarani. Bar com dois ambientes: mesas ao relento e um salão para o show acústico das bandas – um lugar reservado ao rock e para quem gosta dele.

Ali o que prevalece é a criatividade do rock autoral e composições de cunho social, com mensagens contra o fascismo, o racismo estrutural, as desigualdades sociais de um país sufocado pelo mercado de capitais, o agronegócio e a cultura de massa.

Gabriel Omar e Zamo no Resistência Rock Bar: nova pegada 

O Andróide Melancólico possui uma pegada diferente. João Carlos Ibanhez, o Zamo, procurava um violino para introduzir no rock. Mas, quase por acaso, encontrou um charango à venda na Bolívia. Descendente de negros e da etnia guarani, adaptou os acordes do instrumento típico da cultura andina ao frenético ritmo do rock’in’roll. Deu no que deu.

Surge assim o som inigualável da dupla Andróide Melancólico, fruto da parceria do charango de Zamo com a guitarra e a voz vigorosa de Gabriel Omar. Eles tocam juntos desde garotos e agora chegam ao ponto da maturidade, com um som despojado e ativista, avesso à cultura de massa e aos padrões da elite burguesa dominante. Trata-se do novo mix da fronteira, mistura do velho e bom rock à milenar melodia andina. Um som que você só vai ouvir no Resistência Rock Bar.

Serviço: Resistência Rock Bar. Rua Portocarrero, quase esquina da Edu Rocha, bairro Aeroporto, Corumbá. Shows de bandas corumbaenses aos sábados a partir das 20h30. Couvert artístico: R$ 8,00. Cerveja litrão: R$ 12,00.

Andróide Melancólico é atração no Resistência Rock Bar


quinta-feira, 9 de junho de 2022

O Brasil alimenta o mundo. E passa fome.

Foto: Marcello Casal Júnior/Agência Brasil

                                                       Nelson Urt


"O Brasil alimenta mais de 1 bilhão de pessoas pelo mundo com agricultura de ponta, mecanizada, e com tecnologia incomparável em todo o mundo. O mundo hoje, ouso dizer, depende muito do Brasil para sua sobrevivência",

Palavras de Bolsonaro durante encontro com Biden na Cúpula das Américas nos Estados Unidos, reproduzidas pelo portal G1 e Jornal Nacional neste dia 9 de junho.

O presidente do Brasil estava sendo bastante sincero. De fato, o mundo afora beneficia-se da política internacional de exportação agropecuária seguida a ferro e fogo pelo sistema do nosso País. A produção do nosso agronegócio abastece irrestritamente o mercado lá fora. E que produtividade: a fronteira agrícola se expande cada vez mais em terras antes consideradas intocáveis da Amazônia e do Pantanal. Plantio de soja transgênica avança enquanto se derrubam matas virgens. Vastas áreas do Pantanal sendo devastadas a queimadas para aumentar a pastagem para o gado e o plantio de soja.

Enquanto isso, aqui entre nós, 33 milhões de brasileiros passam fome. Esses números foram divulgados neste dia 8 de junho pelos principais jornais e sites do País, inclusive a Agência Brasil, órgão de comunicação governamental.

O levantamento divulgado é da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan) e indica que 33 milhões de pessoas não têm o que comer no Brasil. O número de novos brasileiros em situação de fome aumentou 14 milhões em pouco mais de um ano.

Além disso, mais da metade (58,7%) da população brasileira convive com a insegurança alimentar em algum grau – leve, moderado ou grave – segundo a pesquisa. Ou seja, quem come hoje mas não sabe se terá o que comer amanhã.

Em números absolutos, os dados apontam que 125,2 milhões de brasileiros passaram por algum grau de insegurança alimentar.

Segundo a pesquisa, o Brasil retornou ao patamar equivalente ao da década de 1990.

Não cabe aqui condenar ou inocentar este ou aquele governo. Fica claro que o sistema capitalista adotado pelos governantes do Brasil – ora com uma política de bem-estar social, ora imerso no neo-liberalismo, e em algumas vezes condensando ambos os princípios – vem condenando milhares à miséria e contemplando uma minoria a viver confortavelmente na fartura.

A fala de Bolsonaro na Cúpula das Américas é um exemplo claro de que vivemos em dois Brasis, entre a segurança e a insegurança alimentar, da elite do agronegócio exportador e do brasileiro que luta pelo prato de comida. A isso podemos chamar de democracia de fachada, legitimada por uma oligarquia que legisla em causa própria.

A partir desse flagelo, outras anomalias são desencadeadas no País que acumula recordes negativos em quase todas as áreas: na violência doméstica, nas ruas e no campo, no racismo estrutural, no sistema de saúde desestruturado, na agressão ao meio ambiente, na desigualdade social e habitacional, no tratamento às pessoas vulneráveis.

Enquanto isso, na maior cara de pau, candidatos se aproximam com aquele largo sorriso, te dão dois tapinhas nas costas e dizem que tudo vai melhorar após as próximas eleições.