Em decisão histórica, a pedido do Ministério Público Federal (MPF), a Comissão de Anistia, vinculada ao Ministério dos Direitos Humanos, concedeu nesta terça, 2 de abril, a primeira reparação coletiva a indígenas. Com a anistia política, a União deve reconhecer e reparar, por meio de órgãos como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o Ministério da Saúde, violações a direitos humanos causados pela ditadura militar aos povos indígenas Guyraroká (Guarani Kaiowá), de Mato Grosso do Sul, e Krenak, de Minas Gerais.
Os pedidos de anistia aos povos originários
foram apresentados pelo MPF em 2015. Nos documentos, o órgão apontou que,
durante a ditadura militar no Brasil, entre 1964 e 1985, as comunidades
indígenas sofreram os mais diversos tipos de violações. No caso dos Guarani
Kaiowá, políticas federais de povoamento do país levaram agentes estatais a
promover traslados compulsórios dos indígenas, provocando mortes e
desintegração dos modos de vida da comunidade. Os indígenas foram retirados das
vastas áreas que ocupavam e confinados em espaços exíguos, definidos
unilateralmente pelo poder público. As terras anteriormente ocupadas por eles
foram liberadas à ocupação de terceiros, que tiveram a posse dos terrenos
legitimada por títulos de propriedade. O afastamento violento de seus
territórios impossibilitou o exercício de suas atividades econômicas,
relacionadas principalmente à agricultura.
Os Krenak foram expulsos de seu território,
presos e torturados, além de serem submetidos a maus-tratos e ao trabalho
forçado pelo poder público. Entre as principais atrocidades estão a criação da
Guarda Rural Indígena, a instalação de um presídio chamado de Reformatório
Krenak, e o deslocamento forçado para a fazenda Guarani, no município de
Carmésia (MG), que também funcionou como centro de detenção arbitrária de
indígenas.
De acordo com o MPF, essas violações colocaram
em risco a existência desses povos. "A perda do território tradicional
teve impactos gravíssimos sobre os indígenas, colocando em risco a própria
existência desses povos, inclusive diante da importância do território, do qual
foram removidos compulsoriamente, para sua reprodução física e cultural",
defendeu o MPF.
Os dois pedidos de anistia haviam sido
rejeitados em 2022, pela anterior composição da Comissão de Anistia, no governo
passado, mas foram analisados novamente após recursos apresentados pelo MPF.
Com as novas decisões, as reivindicações indicadas pelos povos indígenas como
medidas reparadoras da violência a que foram submetidos durante o regime
militar foram integralmente acatadas.
Medidas de reparação
Em relação aos Krenak, parte das reivindicações aprovadas pela Comissão de Anistia foram apresentadas ao MPF em reunião realizada dia 1º de abril, na sede da Procuradoria-Geral da República, em Brasília. Além de reconhecer a condição de anistiados políticos, os indígenas pediram à Comissão que recomende ao Estado brasileiro a criação de programas de assistência psicológica continuada, bem como de iniciativas voltadas à cultura, incentivando práticas tradicionais no território.
Outra reivindicação apresentada foi a criação de
um grupo de trabalho para discussão e formulação de proposta de lei que inclua
os povos indígenas como destinatários das reparações econômicas, sociais e
culturais referentes ao período da ditadura militar no Brasil. Os indígenas
também pediram à Comissão que recomende à Funai a conclusão da demarcação do
território tradicional de Sete Salões, considerado sagrado para o povo Krenak,
e que o órgão reveja o seu posicionamento em ação civil pública na qual pediu a
suspensão do processo de demarcação e titulação do território tradicional. Em
2021, ao julgar procedente ação civil pública ajuizada pelo MPF, a Justiça
Federal determinou que a Funai concluísse o processo em 6 meses, mas a Funai
recorreu da sentença.
“O povo foi expulso do território, aprisionado,
feito de cobaia aos macabros experimentos da ditadura. Para que não exista uma
repetição do passado, deve-se estabelecer obrigações”, apontam os indígenas no
documento entregue ao MPF, que também foi lido na sessão da Comissão de
Anistia.
Anistia aos Guyraroká
Representante do MPF no julgamento do pedido de anistia ao povo Guarani Kaiowá, o procurador da República Marco Antonio Delfino de Almeida destacou diversos casos de remoções forçadas vivenciadas pela etnia. “Nós, sistematicamente, violamos os direitos dessas populações. É necessário que a memória e a verdade saiam desse subterrâneo do Estado brasileiro, para que possamos promover a devida reparação aos povos indígenas”, ressaltou.
Ainda durante o julgamento, o procurador da
República Edmundo Antonio Dias, responsável pelo pedido de anistia coletiva do
povo indígena Krenak, apresentou também a reivindicação de que seja concluída a
implantação do Memorial da Anistia Política do Brasil, em Belo Horizonte (MG).
A proposta é que o espaço tenha uma seção que trate exclusivamente das
atrocidades massivas cometidas contra os indígenas.
“O Memorial da Anistia Política do Brasil é um
compromisso assumido pelo Brasil perante a Corte Interamericana de Direitos
Humanos, que foi valorada positivamente pela Corte na sentença proferida no
Caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia). A criação de uma seção
destinada exclusivamente às graves violações cometidas contra os povos
indígenas – que resultaram, segundo estimativa da Comissão Nacional da Verdade
(CNV), em pelo menos 8.350 mortes – constitui medida essencial no eixo da
Memória e Verdade”, afirmou Dias.
Notícia publicada em: https://www.mpf.mp.br/ms/sala-de-imprensa/noticias-ms/a-pedido-do-mpf-povos-guarani-kaiowa-de-ms-recebem-anistia-coletiva-inedita-por-danos-causados-pela-ditadura-militar
Fonte: Assessoria de Comunicação
Social do MPF em Mato Grosso do Sul www.mpf.mp.br/ms
Foto: Ministério da Justiça e Segurança Pública/Arquivo Nacional/Memórias Reveladas (Confinamento de indígenas Krenak durante a ditadura militar)
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