Nelson Urt/Navepress
Não bastasse a voracidade com que devastam a Amazônia,
o Pantanal e outros biomas nativos brasileiros, em nome do avanço do
agronegócio que garante os pomposos números de exportação na balança comercial do Brasil, agora o setor que mais consome e usa agrotóxico no
mundo quer, com negacionismo, apagar sua imagem negativa dos livros didáticos
escolares de todo o País. E, por extensão, das mentes dos jovens estudantes
brasileiros. Mais uma tentativa de tratar o brasileiro como um imbecil.
É isso mesmo: o agronegócio financia um lobby (palavra de origem inglesa que designa influência, pressão, jogo de interesses particulares sobre o poder público) para patrulhar e censurar os livros didáticos. Para tanto, um grupo de políticos e empresários do setor criou uma associação chamada “De olho no material escolar”, agora conhecida como “Donme”.
Criada em São Paulo, a Donme tem ligações com
secretarias de Agricultura e Educação do Estado e mantem diálogos com a cúpula
do Congresso Nacional, na tentativa de influenciar a formação do Plano Nacional
de Educação (PNE), que será definido em 2025 com validade para os próximos dez
anos. Entre suas ações, promove excursões a feiras de agronegócio com
professores, alunos e editores, e se reúne com parlamentares chaves na Câmara e
no Senado.
O vice-presidente da associação é Christian Lohbauer,
cientista político e um dos fundadores do Partido Novo. Dezenas de corporações
e empresas do agronegócio estão por trás do grupo fundado em 2021 pela
pecuarista Letícia Jacintho, atual presidente da associação.
O financiamento é pesado, e conta com cerca de 70
empresas. Na lista estão siglas do porte da Associação Brasileira do
Agronegócio (Abag), que representa companhias como a JBS, Cargill, Itaú BBA e
Cosan.
Como se sabe, a JBS substituiu a Vale (que se foi) e
explora o minério de ferro e o manganês do maciço do Urucum, em Corumbá, mas
seu ramo original é o agronegócio.
A Donme também é financiada pela Coplife Brasil,
representante das maiores fabricantes multinacionais de agrotóxicos e que era
presidida por Christian Lohbauer (o do Partido Novo) até 2023, quando ele
deixou o cargo para assumir como vice-presidente da Donme.
Neste trecho de uma reportagem publicada no dia 30 de
outubro deste ano pela ONG Repórter Brasil, fica claro como o grupo Donme
pretende “domar” o Ensino e interferir no aprendizado das crianças usando como
artifício o negacionismo:
“O que as crianças e os adolescentes estão
aprendendo que vai ser bom para o mundo do trabalho?”, perguntou Christian
Lohbauer, vice-presidente da associação De Olho No Material Escolar, a uma
plateia de políticos e empresários reunidos na capital paulista, no início de
outubro. Ele discursava durante evento do Lide, grupo criado pelo ex-governador
de São Paulo João Dória.
“Ela não pode aprender, todos os dias, em todos os
materiais, há 30 anos, que tem trabalho escravo na cana-de-açúcar. Ela não pode
aprender que o alimento brasileiro está envenenado com agrotóxicos. Ela não
pode aprender que a pecuária é responsável pela destruição da Amazônia, porque
não é verdade”, o próprio Lohbauer respondeu.
Como se observa, trata-se de um grupo que se apresenta
interessado em contribuir com o desenvolvimento do Ensino educacional
brasileiro, mas que na verdade defende puramente os interesses das
multinacionais do agronegócio e do agrotóxico.
Não interessa para esse grupo a diversidade de temas,
conceitos e informações nos livros didáticos, mas sim a hegemonização desses
livros em torno de conceitos que as companhias multinacionais defendem, ou
seja, o lucro acima de tudo.
A Donme afirma o seguinte em seu site: “Somos uma
entidade que busca a atualização do material escolar com base em conteúdo
científico, equilibrado e que gere perspectivas positivas para os estudantes”.
Disseminar conteúdos que negam ser o Brasil o maior
consumidor de agrotóxicos do mundo (dados comprovados em estatísticas oficiais)
é uma das principais estratégias da Donme. Tanto que a organização criou a
Agroteca, em parceria com a Universidade de São Paulo (USP), uma biblioteca
virtual com publicações sobre o agronegócio, e nela encontram-se conteúdos
negacionistas e que tentam implantar uma imagem positiva do setor quando o
mundo sabe que a aplicação de agrotóxico é um malefício para a saúde.
Senão, vejamos: segundo dados da Organização das
Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o Brasil lidera, e com
folga, o ranking de consumo de pesticidas, quando considerados os dez países cm
as maiores áreas da lavoura no mundo. A média no Brasil é de mais de 12 quilos
aplicados por hectare; na sequência estão a Indonésia (6,5 quilos por hectare),
a Argentina (5,9) e os Estados Unidos (com 3).
O que as crianças e adolescentes precisam aprender com
clareza é que existe um outro tipo de agricultura, real e sustentável, capaz de
produzir alimentos sem o uso de pesticidas nocivos à saúde, sem agredir o meio
ambiente. Essa agricultura, que pode ser chamada de familiar ou agroecológica,
e que surge a partir de assentamentos em todo o Brasil, e inclui sítios e pequenas
plantações, fornece hoje cerca de 70% dos alimentos que chegam à nossa mesa –
ou até mais. E nós, brasileiros, que não somos nada imbecis, temos o direito e
o dever de fazer a nossa escolha. A vida não está à venda.
(Com informações da ONG Repórter Brasil/Charge: Latuff)