quarta-feira, 6 de novembro de 2024

Agronegócio financia lobby para censurar livro didático


Nelson Urt/Navepress

Não bastasse a voracidade com que devastam a Amazônia, o Pantanal e outros biomas nativos brasileiros, em nome do avanço do agronegócio que garante os pomposos números de exportação na balança comercial do Brasil, agora o setor que mais consome e usa agrotóxico no mundo quer, com negacionismo, apagar sua imagem negativa dos livros didáticos escolares de todo o País. E, por extensão, das mentes dos jovens estudantes brasileiros. Mais uma tentativa de tratar o brasileiro como um imbecil.

É isso mesmo: o agronegócio financia um lobby (palavra de origem inglesa que designa influência, pressão, jogo de interesses particulares sobre o poder público) para patrulhar e censurar os livros didáticos. Para tanto, um grupo de políticos e empresários do setor criou uma associação chamada “De olho no material escolar”, agora conhecida como “Donme”.

Criada em São Paulo, a Donme tem ligações com secretarias de Agricultura e Educação do Estado e mantem diálogos com a cúpula do Congresso Nacional, na tentativa de influenciar a formação do Plano Nacional de Educação (PNE), que será definido em 2025 com validade para os próximos dez anos. Entre suas ações, promove excursões a feiras de agronegócio com professores, alunos e editores, e se reúne com parlamentares chaves na Câmara e no Senado.

O vice-presidente da associação é Christian Lohbauer, cientista político e um dos fundadores do Partido Novo. Dezenas de corporações e empresas do agronegócio estão por trás do grupo fundado em 2021 pela pecuarista Letícia Jacintho, atual presidente da associação.

O financiamento é pesado, e conta com cerca de 70 empresas. Na lista estão siglas do porte da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), que representa companhias como a JBS, Cargill, Itaú BBA e Cosan.

Como se sabe, a JBS substituiu a Vale (que se foi) e explora o minério de ferro e o manganês do maciço do Urucum, em Corumbá, mas seu ramo original é o agronegócio.

A Donme também é financiada pela Coplife Brasil, representante das maiores fabricantes multinacionais de agrotóxicos e que era presidida por Christian Lohbauer (o do Partido Novo) até 2023, quando ele deixou o cargo para assumir como vice-presidente da Donme.

Neste trecho de uma reportagem publicada no dia 30 de outubro deste ano pela ONG Repórter Brasil, fica claro como o grupo Donme pretende “domar” o Ensino e interferir no aprendizado das crianças usando como artifício o negacionismo:

“O que as crianças e os adolescentes estão aprendendo que vai ser bom para o mundo do trabalho?”, perguntou Christian Lohbauer, vice-presidente da associação De Olho No Material Escolar, a uma plateia de políticos e empresários reunidos na capital paulista, no início de outubro. Ele discursava durante evento do Lide, grupo criado pelo ex-governador de São Paulo João Dória.

“Ela não pode aprender, todos os dias, em todos os materiais, há 30 anos, que tem trabalho escravo na cana-de-açúcar. Ela não pode aprender que o alimento brasileiro está envenenado com agrotóxicos. Ela não pode aprender que a pecuária é responsável pela destruição da Amazônia, porque não é verdade”, o próprio Lohbauer respondeu. 

Como se observa, trata-se de um grupo que se apresenta interessado em contribuir com o desenvolvimento do Ensino educacional brasileiro, mas que na verdade defende puramente os interesses das multinacionais do agronegócio e do agrotóxico.

Não interessa para esse grupo a diversidade de temas, conceitos e informações nos livros didáticos, mas sim a hegemonização desses livros em torno de conceitos que as companhias multinacionais defendem, ou seja, o lucro acima de tudo.

A Donme afirma o seguinte em seu site: “Somos uma entidade que busca a atualização do material escolar com base em conteúdo científico, equilibrado e que gere perspectivas positivas para os estudantes”.

Disseminar conteúdos que negam ser o Brasil o maior consumidor de agrotóxicos do mundo (dados comprovados em estatísticas oficiais) é uma das principais estratégias da Donme. Tanto que a organização criou a Agroteca, em parceria com a Universidade de São Paulo (USP), uma biblioteca virtual com publicações sobre o agronegócio, e nela encontram-se conteúdos negacionistas e que tentam implantar uma imagem positiva do setor quando o mundo sabe que a aplicação de agrotóxico é um malefício para a saúde.

Senão, vejamos: segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o Brasil lidera, e com folga, o ranking de consumo de pesticidas, quando considerados os dez países cm as maiores áreas da lavoura no mundo. A média no Brasil é de mais de 12 quilos aplicados por hectare; na sequência estão a Indonésia (6,5 quilos por hectare), a Argentina (5,9) e os Estados Unidos (com 3).

O que as crianças e adolescentes precisam aprender com clareza é que existe um outro tipo de agricultura, real e sustentável, capaz de produzir alimentos sem o uso de pesticidas nocivos à saúde, sem agredir o meio ambiente. Essa agricultura, que pode ser chamada de familiar ou agroecológica, e que surge a partir de assentamentos em todo o Brasil, e inclui sítios e pequenas plantações, fornece hoje cerca de 70% dos alimentos que chegam à nossa mesa – ou até mais. E nós, brasileiros, que não somos nada imbecis, temos o direito e o dever de fazer a nossa escolha. A vida não está à venda.

(Com informações da ONG Repórter Brasil/Charge: Latuff)


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