segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Carnaval de protestos mostra a cara do Brasil

O "Vampirão" foi um dos destaques na avenida: folia crítica
Nelson Urt

A retomada dos enredos críticos é uma das marcas do Carnaval 2018 no Brasil. É verdade que os temas de protesto já vinham ganhando corpo desde o começo do século, mas se fortaleceram muito mais depois do golpe que ceifou Dilma Rousseff, democraticamente eleita, colocou Temer no poder e deu inicio à desconstrução dos direitos trabalhistas e sociais do País, decreto atrás de decreto, relembrando os tempos de chumbo da ditadura. E tudo isso amparado pela nova mídia de mercado, em que as pautas editoriais são dominadas pela grade comercial e as articulações políticas dos empresários das comunicações.
No Rio de Janeiro, o ponto alto dos desfiles das escolas de samba foi o "vampirão" Michel Temer, representado pelo professor de História Léo Morais no ultimo carro da escola de samba Paraíso do Tuiuti. "Sou professor de história e o protesto tem tudo a ver comigo", afirmou "É uma retomada dos enredos críticos, a gente está num momento que tem de gritar mesmo", acrescentou, lembrando que Temer é o governante mais impopular do mundo, com mais de 90% da rejeição.
A escola levou para a avenida o tema "Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão?", questionando o novo modelo de escravidão que se tenta instalar no Pais. E o vampiro é uma metáfora daquele que veio para sugar o sangue do povo.
Pelo Brasil afora, outros manifestos ecoaram, misturando-se à folia carnavalesca. Em parte, o Carnaval vai aos poucos recuperando as suas raízes, graças a uma nova geração de foliões não só preocupada em dançar, pular e cantar, mas em aproveitar esse espaço social para expor suas angústias, inquietações e reivindicações. Eram assim os carnavais antigos, do Brasil imperial, e por isso mesmo chegou a ser proibido nas ruas (justamente para escravos e libertos) e ficou durante muito tempo restrito aos salões da aristocracia.
Ainda no Rio, uma ala do tradicional bloco Boi Tolo, ainda considerado clandestino, surpreendeu ao invadir o hall do aeroporto Santos Dumont, quebrando o cerco dos seguranças. Foi uma invasão pacífica, sem quebra-quebra, limitada aos gritos de protesto como "fora Temer", "fora Crivela" (prefeito do Rio) e outros bordões.
O importante é que este Carnaval, marcado também pelas gigantescas aglomerações de rua, abre uma brecha para novas, autênticas e pacificas manifestações políticas, já que até o momento a população se mantém incrivelmente paralisada e silenciosa enquanto nosso patrimônio social e trabalhista é vilipendiado pela classe política dominante - não só Temer, mas a maioria do Congresso direitista, conservador e aristocrático. Vivemos uma época de movimento e transformação, queiram ou não.
E mais: no Rio, a Salgueiro apresentou uma versão negra de Pietá, uma das esculturas mais famosas de Michelangelo, que originalmente representa Jesus Cristo morto nos braços da Virgem Maria. A Pietà que a escola levou para avenida era negra com seu filho morto também negro no colo. Uma denúncia contra o genocídio da população jovem preta e periférica do Brasil. E os trajes usados pela alegoria eram obras de Carolina de Jesus, escritora conhecida pelo seu livro "Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada", descoberta pelo jornalista Audálio Dantas.





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