Educadora musical leva alunos a aprenderem o modo de fazer e tocar o instrumento que é patrimônio pantaneiro
Nelson Urt
Cena rara. Leidiane dedilha a música Mercedita na viola de
cocho debaixo de um arvoredo na rua 15 de Novembro, nos paralelepípedos do
centro de Corumbá, coração do Pantanal do Mato Grosso do Sul. Poucas pessoas
carregam essa habilidade de tocar o sucesso portenho no instrumento típico do
Pantanal. Ela se prepara para gravar Mercedita com violão, arranjo feito
especialmente por seu primeiro professor. É o seu projeto do momento.
Ela percorre a estrada da música há 20 anos. Leidiane Garcia
nasceu em Campo Grande, mas o sangue paraguaio, por parte de mãe, corre nas
veias da moça. Quando começou a estudar violão clássico aos 13, ingressou na Orquestra
de Violões de Campo Grande, ganhou uma bolsa e não parou mais. “Essa
experiencia me levou a escolher a música como profissão, como alimento”, conta,
durante uma entrevista à Navepress no Sebo da Rua XV.
Hoje como Educadora Musical, aos 33 anos, tem seu trabalho o Projeto
Piloto: Música e Patrimônio (2018), entre os 121 finalistas do Prêmio
Rodrigo Melo Franco de Andrade, instituído pelo Iphan (Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional). O projeto teve como objetivo realizar a
“Oficina do modo de fazer a viola de cocho" e tocar o instrumento típico
do Pantanal. O projeto foi desenvolvido entre os alunos da Escola Cássio Leite
de Barros, no bairro Nova Corumbá.
Este é apenas um entre os projetos desenvolvidos por Leidiane
e inscritos em concursos nacionais. Nesse ano ela também foi semifinalista do XXI
Prêmio Arte na Escola Cidadã, realizado pelo Instituto Arte na Escola.
Em 2016, chegou à semifinal do XVII Prêmio Arte na Escola
Cidadã. E finalista na etapa estadual no Prêmio Professores do Brasil, em 2015.
“Em cada ano desenvolvo um projeto diferente, porém, com a questão do
patrimônio sendo um dos eixos do projeto desenvolvido”, diz. “O primeiro
projeto que desenvolvi foi em 2014, o Série Concertos na Escola: Vivência e
Prática Musical. Levei vários concertos para a sala de aula.”, revela.
O primeiro concerto foi dedicado ao violão clássico. O segundo foi a primeira “Oficina do Modo de Fazer a Viola de Cocho”. Levou o mestre Sebastião Brandã0 para fazer a “Oficina do Modo de Fazer Viola de Cocho” e uma apresentação junto ao mestre Martinho (in Memoriam) e os alunos participantes. Depois levou o Grupo de Percussão do Instituto Moinho Cultural. “No último bimestre, o concerto da Orquestra do Campo e um Quarteto de Cordas”. “Paralelamente, na hora atividade, ocorreram os ensaios com meus alunos estudando percussão e voz, e criei o Grupo Vocal e de Percussão Siriri, com envolvimento das crianças”.
A primeira apresentação aconteceu na escola, na Feira Pedagógica, e depois em eventos como convidados. “Em 2017 comecei a oferecer bolsa para meus alunos estudarem violão clássico e popular, para depois aprenderem viola de cocho”.
“Consegui conciliar os ensaios aos sábados com o Grupo
Vocal e de Percussão do Siriri e as crianças estudando instrumento, assim,
passei a ter um aparato maior para apresentações”, conta.
Em 2018 e 2019 seus alunos participaram do Festival América
do Sul. Eles ganharam a oportunidade de
se apresentar dentro e fora do espaço da escola. “Muitas crianças não acessariam
esses espaços se não fossem por essas ações. Não teriam acesso às oficinas. A
ideia principal foi essa: levar até eles um espaço que está próximo ao ambiente
deles. Porque a escola é isso: o primeiro espaço social fora do ambiente
familiar”, destaca.
Veja 0s principais trechos de sua entrevista à Navepress:
VIOLÃO CLÁSSICO
“Em 2004, com 17 anos, passei no vestibular para Licenciatura
em Música na UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) em Campo Grande.
E, com 18 anos, comecei a dar aulas em conservatórios e escolas de Música, e
não parei mais.”
ONDE FICA CORUMBÁ?
“Em 2008, terminando a faculdade, surge a oportunidade de ministrar
aula num projeto social em Corumbá. Só que eu não sabia onde ficava Corumbá,
não conhecia a cidade. Faltava a experiência com projeto social, então falei
pra minha família: eu vou embora. Vim sozinha, deixei todo mundo desesperado em
casa. Avisei: vou embora, vou trabalhar, se não der certo volto pra casa.
Estava com 21 anos. Cheguei em março de 2008”.
COM AGRIPINO NO MOINHO
“Decido então dar aula no Moinho Cultural, que na época era
um projeto social, não era um instituto ainda. Vim pra cá. Não conhecia a viola
de cocho. Então no Moinho me falaram: aqui tem seu Agripino, o mestre da viola
de cocho, você vai ter contato com ele”.
A MAGIA DA VIOLA
“Comecei a me aproximar da viola de cocho junto ao seu
Agripino, em 2008. Fiquei surpresa em ouvir o som daquele instrumento tocado
por ele. Uma coisa é o instrumento executado pelo tocador e outra coisa é o
instrumento na mão de outra pessoa. Parecia que a magia não vinha junto quando
entregava o instrumento nas mãos. Você vê maravilhas com o tocador, com o
mestre. Faltava a vivência musical, que veio com a prática e o contato com os
mestres”.
VISITA A CUIABÁ
“Em 2009 fui para Cuiabá para conhecer em Santo Antônio do
Leverger o trabalho do Alcides Ribeiro, um artesão da viola de cocho. (Nesse
momento a entrevista é interrompida por uma professora que passa pela rua 15 de
Novembro; ela elogia o trabalho de Leidiane: “a música faz bem para a alma das
crianças, elas amam a música; parabéns!”)
CRIANÇAS E MESTRES
“A ideia principal do projeto, trazendo seu Sebastião Brandão
como parceiro, meu amigo, é justamente para que exista essa aproximação das
crianças aos mestres.”
TRÊS DIAS EM MATO GROSSO
“Em três dias em Mato Grosso consegui muitas referências para
trabalhar. Foi um divisor de águas ali. Foram três dias, em 2009, mas até hoje
em dia tenho contato. Comprei algumas violas para inserir no Moinho in Concert
daquele ano, a Rainha Nuvem. Também comprei duas para mim. Tenho há 11 anos essas
violas”.
DUO MIRANDA & GARCIA
“Em 2014, iniciei parceria e realizei o primeiro concerto com
o tenor Virgílio Miranda. Em 2015, realizamos o Concerto 100% Brasileiro,
com apresentação de abertura do concerto feita por meus alunos do “Grupo Vocal,
de Percussão e Dança”, no SESC Corumbá, na época localizado no Porto Geral.”
TRABALHO EM TRÊS PERÍODOS
“O Projeto Piloto não é o único que desenvolvi, vem de
uma cadência para chegar até ele. Eu costumo dizer que não trabalho só dois
períodos, mas tenho três períodos. No terceiro período eu preciso tocar, me
apresentar, escrever para meus alunos tocarem e fazer minhas adaptações.”
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