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Grafite em muro de uma escola da rede pública em Ladário-MS, de 2017 |
Nelson Urt
Por muito tempo tentaram convencer a população que o Brasil é um país cordial,
acolhedor, solidário, com igualdade racial e onde prevalece a cultura da paz. É hora de rever esses conceitos. A imagem do país do futebol, da mulata
e do carnaval que por muito tempo as elites dominantes venderam para o
exterior como forma de atrair turistas e seus dólares é um processo em
desconstrução. Não tem mais como dissimular.
A máscara caiu, fazia parte de uma fantasia, criada
pelo Estado para construir um modelo de Nação do novo mundo por meio de uma história alienante. "Dessa forma, a história pode adquirir um caráter de fuga, ao invés de caráter integrador" (Pinsky, 1992).
Até mesmo a ideia
de “país da juventude” tentaram emplacar como forma de transmitir uma dádiva
que, na prática, nunca tivemos, ou seja, o respeito aos jovens, independentemente
de sua classe social, de sua cor, de sua religião.
Outro slogan famoso que tentaram nos meter goela
abaixo é de que moramos no “país do futuro”. Este é um artifício raso de virar
as costas aos problemas do presente e vislumbrar somente o abstrato, o que
ainda virá pela frente, tratando a vida como uma ideia, nunca como realidade.
Olhando para o presente, vemos um quadro
estarrecedor para nossos jovens. Eles estão literalmente morrendo à bala. Que
país é este? Do futuro? Da juventude? Um país onde por ano morrem mais de 25
mil jovens na faixa etária entre 15 e 29 anos de idade por homicídio com arma
de fogo. Mais exatamente 25.255, conforme nos revela o Mapa da Violência 2016
divulgado recentemente pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais
(veja matéria completa no site www.navepress.com.br)
Os números do Mapa da Violência refletem a herança de 20 anos de ditadura e uma
sequência de governos e desgovernos corruptos, o uso indevido das verbas
públicas e a ausência de uma verdadeira política que fortaleça a educação. A
tentativa de reduzir os índices de pobreza, de elevar o poder de acesso à
educação e cultura, de tornar protagonistas as classes desfavorecidas, foi
ceifada por mais um golpe.
Longe de usar os índices apenas como munição barata
para tripudiar a imagem do país, o que me interessa é levar nossos jovens à
reflexão sobre como chegamos ao ponto de nos tornarmos o décimo país mais
violento do mundo quando se trata de homicídios com arma de fogo, enquanto
nossos políticos e economistas, capitalistas, insistem em bater na tecla de que
somos uma potência emergente, democrática, navegando nas águas do
neoliberalismo global.
Quem retrucar a esses números e apontar as favelas
e os traficantes que tomam conta dos morros do Rio de Janeiro como causadores
de tão volumosos índices vai perder tempo. A culpa não é do Rio, nem de São
Paulo, nem das grades metrópoles. Muito pelo contrário: com a taxa de 21,5
mortes por cada 100 mil habitantes, o Rio de Janeiro é apenas o 15º Estado em
homicídios por arma de fogo no país. E São Paulo, que pode ser considerada um
caldeirão, possui hoje taxa de 8,2 e está entre as quatro menos violentas da
lista.
Os Estados de maior violência homicida são, pela
ordem, Alagoas, Ceará e Sergipe. Estados pobres. A capital mais violenta nesses
quesitos no pais é Fortaleza. E a cidade com maior número de vítimas por
homicídios à bala é Mata de São João, na Bahia.
O Brasil vive uma epidemia de homicídios por arma
de fogo, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Por quê? É preciso
responder por quê? Concentração de renda, desigualdade social, desemprego,
apenas para citar o básico. Mas especificamente com relação à juventude, há uma
onda de criminalização do jovem. Para ser mais exato, o jovem negro e pobre. Ser
pobre e negro hoje no Brasil metido a nobre, branco e rico é um castigo muito
pesado. Para esses, o “país da juventude” fica em outro lugar do planeta, menos
aqui.
Os números do Mapa da Violência são claros ao
apontar que morrem 2,6 vezes mais negros do que brancos em homicídios com arma
de fogo.
Em violência homicida por arma de fogo o Brasil teve
44.861 mortes em 2014 e ocupa pior situação que os vizinhos Argentina, Chile,
Peru e Bolívia. E também perde para Cuba, que possui os mesmos índices de
países europeus como França, Noruega, Suécia: apenas 0,2 mortes por cada 100
mil habitantes.
Não era para Cuba que deveriam rumar os brasileiros
descontentes, com ideias socialistas? Pois é, pelo menos na ilha, “pobre, comunista e decadente”,
jovens negros não são criminalizados. E muitos estão se tornando médicos.
No "livre e democrático" Brasil, os homicídios à bala fazem 123 vítimas por dia,
cinco a cada hora, e assim supera países europeus onde frequentemente
ocorrem chacinas, atentados e guerras civis.
Experimentamos nosso próprio veneno. O Brasil é o
quarto maior exportador de armas de fogo no mundo, atrás apenas de Estados
Unidos, Itália e Alemanha. Portanto, uma potência internacional nesse quesito. Trocaríamos esse status por mais educação.
Vivemos, de fato, em um país militarizado, onde
forças armadas agora são enviadas às ruas para deter manifestações populares e
onde a polícia recebe ordens para invadir moradias da periferia em busca de
criminosos, enquanto balas perdidas, ou com endereço certo, tiram a vida de trabalhadores, estudantes, crianças. E a vítima é quase sempre é a mesma: o brasileiro jovem, pobre e negro.
Chegamos a um ponto em que precisamos rever conceitos
e reescrever a nossa história com um profundo processo de mudanças sociais. O país que temos não é o país que queremos. Chega de fantasia, de decretos megalomaníacos, de malversação dos recursos públicos, de boicote à educação dos nossos jovens.
REFERÊNCIAS
PINSKY, Jaime, p.18, 1992, O Ensino de História e a criação do fato, Editora Contexto
Leia mais a respeito em: http://www.navepress.com.br/VIOLENCIA.php