segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Dez emoções nunca vistas no Festival




Danielle, Noemi, Marcelle, Mara e Lucilene: elas por elas
Nelson Urt
Navepress

Gostou do Festival América do Sul? - perguntam-me. na saída do Stand da Literatura. Gostei, respondo, de pronto. Porque consegui extrair deste festival a energia positiva de cada momento que vivi ao lado de amigos e companheiros, artistas, poetas, artesãos, ativistas. Gostei porque dancei e cantei com o MJ6, a mais querida banda pop corumbaense de todos os tempos, durante o show dos seus 50 anos, no último dia do Festival. Chorei ouvindo “Caminho eu” na voz de Tadeu Atagiba. E me arrepiei ao ver o poeta Augusto César Proença literalmente atirar a bengala de lado para bailar como menino diante do palco, do alto dos seus 80 anos e centenas de crônicas publicadas, entre elas uma que virou filme, “Atrás da poeira não vem mais seu pai”. Gostei porque vendi livros, muitos livros artesanais da Maria Preta Cartonera, no stand, ao lado de companheiros da Academia de Literatura e Estudos de Corumbá. Nunca vi na cidade tanto fluxo de pessoas por metro quadrado - isso só na Bienal. Gostei de ter conversado tantas horas com tanta gente interessada em literatura. Sim, também me manifestei: ergui meus punhos em defesa, revolta e protesto contra o massacre dos irmãos bolivianos no ato deflagrado pelo senador-suplente Anísio Guató, pelo professor Schabib Hany e pelo ativista cultural Anibal Monzon na Tenda dos Povos Indígenas, ao lado de etnias terenas, guatós, kadiweus, guarani-kaiowá...
Samuel, Fabián, Marcelo, Férrez e Urt no Quebra Torto
E, de quebra, integrei a mesa de debates do Quebra Torto com Letras, no Moinho Cultural, e aprendi muito com pesos pesados da literatura como os escritores Reginaldo Férrez (roteirista paulista da série e filme Cidade de Deus), Fabián Severo (autor uruguaio de poesias em portunhol),  Marcelo Silva (que lançou o livro Estrada Parque Pantanal) e Samuel Medeiros (autor de Senhorinha – a resiliência feminina na Guerra do Paraguai), com mediação da professa Rosângela Villa. Um dia antes, o Quebra Torto foi das mulheres, belas e empoderadas: Lucilene Machado (autora de Os homens não amam as mulheres), Mara Calvis (As aventuras de Ygor, o peixe barbado, nas águas de Campo Grande), Noemi Jaffe, Danielle Ferreira (O Reino Perdido de Odara), com mediação de Marcelle Saboya. Comprovei que um festival nunca morre quando a gente consegue carregar ele dentro do coração, sabendo que ele, como arte, cultura e educação, é um catalizador, um transformador de vidas. Porque o coração sempre bate mais forte, é uma porta aberta para novas emoções.


sábado, 28 de setembro de 2019

30 razões para gostar da Feira do Imigrante


Os venezuelanos Richardi e Jesus tocaram na Praça da República
Nelson Urt

Do que gostei na feira? – perguntam-me no grupo do Circuito Imigrante, organizador da Feira do Imigrante em Corumbá, em parceria com a UFMS, MPF, Pastoral da Mobilidade Humana e Fundação de Cultura e Patrimônio Histórico. Ah, gostei de um monte de coisas. Cheguei antes das 8h, ainda havia sombras escondendo nosso astro rei neste começo de primavera, 28 de setembro.
Gostei da salteña do Arturito que foi meu café da manhã. Entre mordidas na salteña via as meninas de esticarem numa sessão de yoga dirigida pela professora Claudia Natacha. 
O grafiteiro e desenhista Helker Hernany, de chapéu de palha, chegou em seguida para dar sua oficina de stencil debaixo da copa de uma árvore.
Helker ensinou desenho stencil às crianças
Gostei do vory vory paraguaio, que foi o meu almoço. Vory vory é um cozido de frango e bolinas de queijo preparado por dona Anuncia Ayala, presidente do Asilo São José.
Gostei da poesia do Acelino Chumbo Grosso, meu poeta preferido. 
Comprei o livro Um Texto Meu, da Bruna Souza Arruda, ela já usa aquela maquininha que facilita o troco. Troquei com a escritora algumas palavras. Ela prepara o oitavo livro, essa menina vai longe. Ao lado da Bruna estava a poeta e ativista argentina Vivi Mendez, que expos seus livros na escadaria do monumento aos heróis da guerra do Paraguai. 
Gostei da dança paraguaia do Anjos Dourados, grupo da minha terra Ladário. Gostei do play list da Caroline Leandro, que me atendeu e tocou até Mercedes Sosa, a rainha da música latino americana. 
Gostei da poesia do Anibal Monzon e do Virgilio Miranda, integrantes do grupo Argos de teatro. Gostei de ver o Varal de Cartões do Eneo da Nóbrega – cartões e capas de livros desenhados com a boca ou os pés por uma comunidade de paraplégicos paulistas. 
Grupo Anjos Dourados levou dança paraguaia à praça
Gostei do Varal de Poesias do mestre Benedito C.G. Lima, que dividiu seu tempo e energia entre a feira e o projeto de todos os sábados na Praça da Independência, Passa na Praça que a Arte te Abraça.  
Gostei da declamação de Vitória Toledo, poetisa estreante. Gostei de ouvir violino e trompete dos venezuelanos Jesus Zacarias e Richardi Urbano. Gostei dos geladinhos da Andri Rodrigues e seu atraente carrinho cor-de-rosa. 
Gostei da locução vibrante de Arturo Ardaya na apresentação dos convidados. Gostei da presença solar da estilista Ju Gamboa. Gostei de rever o professor de educação física Carlo Golin. E de rever o boliviano Guzman ao lado de filhas e netos – ele um imigrante pendular, com serviços de turismo em Corumbá e Puerto Quijarro.
Professora Natacha deu aula experimental de yoga 
Enfim, gostei do novo espaço, a histórica e charmosa Praça da República, de onde se avista os prédios centenários da Igreja Candelária e do Instituto Luiz Albuquerque, e do lado norte vemos a ladeira que desemboca nas barrancas do rio Paraguai. Isso só Corumbá tem. Cenário ideal para as próximas feiras. 
Feira do Imigrante que se consolida nos corações e mentes de todos aqueles que veem nela um novo caminho para encontros e reencontros, divertimento, reflexões, discussões e maior entendimento sobre o que de fato é a fronteira e as relações fraternas e democráticas entre os povos da América do Sul.


quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Salve o Sarobá! Biblioteca Lobivar é reaberta ao público.


Obras do poeta corumbaense já podem ser consultadas na biblioteca
Nelson Urt
Navepress

Quem anda a procura de livros, principalmente aqueles com histórias da nossa região e suas figuras populares, já pode recorrer à Biblioteca Municipal Lobivar Matos, que teve as portas reabertas na rua Delamare, entre a Major Sertório e a Firmo de Matos, no centro de Corumbá. Na verdade, a biblioteca está de volta às origens, pois desde sua inauguração, em 1948, aquele prédio lhe pertencia.

Lá dentro podem ser consultados os dois únicos e raros livros publicados por Lobivar: Areôtorare (1935) e Sarobá (1936), este com poesias e personagens sobre uma favela de negros formada em Corumbá no período pós-abolição. Só essas duas obras bastam para agregar um rico acervo, mas há muitas outras. O acervo contém 30 mil itens, entre livros, revistas e jornais.

Sarobá e Areôtorare, obras de Lobivar no acervo
A biblioteca foi reaberta ao público neste começo de agosto, após seis meses sem funcionar. Nela, além das obras de Lobivar, podem ser encontrados livros referências na história regional de autores como Manoel de Barros, Pedro de Medeiros, Valmir Corrêa, Augusto César Proença, Benedito C.G.Lima. Há um raro exemplar de Sopa Paraguaia, livro de crônicas e poesias do escritor ladarense João Lisboa de Macedo, além de jornais e revistas do século passado.

Com as cada vez mais constantes anomalias econômicas, políticas e sociais destes tempos nebulosos, os livros, acreditem, foram deixando de ser prioridade para uma certa classe dominante, e a biblioteca acabou perdendo seu espaço. O salão passou a ser destinado a outros setores administrativos ligados à Educação, e ficou conhecido como Espaço Educacional. Foi sede do Cartório Eleitoral e passou uns tempos nas mãos da IFMS. Enquanto isso, a cidade ficava com uma biblioteca municipal sem-teto, provisória e itinerante.

A biblioteca chegou a funcionar no andar térreo do Grande Hotel de Corumbá, onde se instalou por um período a Fundação de Cultura, presidida por Helô Urt. Os demais blocos do Grande Hotel estavam desabitados e interditados pela Defesa Civil.

Meu primeiro contato com as obras de Lobivar Matos foram por meio de Helô, uma apaixonada pelo poeta corumbaense e grande incentivadora da biblioteca fundada em 1948. O acervo ganhou o nome de Biblioteca Municipal Lobivar Matos em 1975, por meio de lei estadual no então Mato Grosso, portanto, antes da divisão do Estado. 

Helô me contou que seu sonho era ver o Grande Hotel um dia revitalizado para se tornar a grande sede da cultura no centro de Corumbá, assim como são o Centro Cultural Luiz Otávio Guizzo e o Centro Cultural da avenida Fernando Correa em Campo Grande.

Quando o prédio inteiro do Grande Hotel foi interditado pela Defesa Civil, por questões de segurança, a biblioteca passou uma temporada em uma sala do prédio da Missão Salesiana, na rua Dom Aquino. Seguindo sua peregrinação, foi transferida para o prédio histórico do Instituto Luiz Albuquerque, na esquina da rua Antônio Maria com a Praça da República. Um dos primeiros conjuntos arquitetônicos construídos em Corumbá, há 148 anos, o ILA já necessitava naquela época de uma revitalização, mas faltavam projetos e recursos para isso.

Em 2014 o prédio do ILA passou por uma reforma emergencial no telhado, que estava caindo. Outros reparos foram feitos nas instalações elétricas. Mesmo deteriorado, o prédio abrigou por longo tempo a sede da Fundação de Cultura, com salas ocupadas pela Biblioteca Municipal Lobivar Matos e o Museu Regional. Durante o Carnaval e o Banho de São João as salas serviam como oficinas de montagem. Ali costuravam-se as fantasias do Bloco dos Palhaços e da Ala das Pastorinhas.

E enquanto isso o teto desabava gradativamente, o piso apodrecido de madeira das salas e escadas cedia, num caminho sem volta para a deterioração. O ILA é um dos prédios históricos contemplados para revitalização completa com recursos da União do PAC Cidades Históricas. Mas até este mês de agosto de 2019, acreditem, o projeto de revitalização ainda não foi concluído pelos órgãos públicos responsáveis – Estado, Prefeitura e IPHAN – e, portanto, os recursos não foram liberados pelo governo federal.

O resultado foi a interdição do prédio, por decisão da Prefeitura de Corumbá, após Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF). Na verdade, o MPF quis acelerar o processo, exigindo da administração pública que fossem tomadas medidas urgentes em atenção à segurança do prédio, seu acervo e funcionários. Com tanto material inflamável, era constante o risco de incêndio e de desabamentos do teto.

Dessa forma, o acervo da Biblioteca Lobivar Matos é agora transferido para o Espaço Educacional, que por sua vez precisa passar por readequações e reformas – os dois aparelhos de ar-condicionado estão quebrados - constatamos isso nesta semana ao entrar na biblioteca.

Serviço – Biblioteca Municipal Lobivar Matos, rua Delamare, 1557, Centro, prédio do Espaço Educacional, entre as ruas Major Gama e Firmo de Matos. Aberta ao público de segunda a sexta das 8h às 17h.

quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Juventude despedaçada: homicídios crescem entre jovens e negros


O equilíbrio do Pantanal também corre riscos diante da economia de mercado 
Nelson Urt
Navepress

Esta é uma imagem que captei na BR-262 no momento em que regressava pelo Pantanal do Mato Grosso do Sul, no caminho que liga a capital Campo Grande à minha cidade natal, Ladário, à beira do rio Paraguai, na linha de fronteira com a Bolívia. O fato é que há uma tênue linha invisível separando o que se vê e o que se sente neste pôr do sol e o que a sociedade de consumo nos impõe externamente. Mesmo o Pantanal, com sua beleza que parece infinita, corre tantos riscos quanto a Amazônia de perder seu equilíbrio e sua harmonia, e os que dependem dele para sobreviver também são passíveis de ameaças - há mineradoras trabalhando por perto.

Nesse sentido, a economia de mercado, com todos os seus tentáculos, visando o acúmulo de capital e o lucro a qualquer preço, tornou-se uma máquina muito cruel contra os homens e a natureza. E o preço maior está sendo pago pelas camadas mais pobres da população. Negros, jovens e pobres, mais precisamente.

Vejam os números do Atlas da Violência 2019, divulgados neste começo de agosto pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Números oficiais, científicos, nada de achismo, propaganda ou especulação política. 

O Brasil atingiu pela primeira vez em sua história o índice de 31,6 homicídios por 100 mil habitantes, correspondente aos 65.602 homicídios registrados em 2017.  São 179 mortes por dia. O correspondente a uma guerra a cada ano.

E, mais uma vez, a pesquisa comprova que o homem jovem, negro, com até sete anos de estudo, compõe o perfil das pessoas mais sujeitas a esse tipo de morte violenta intencional. A taxa de negros vítimas de violência cresceu 33% entre 2007 e 2017, em dez anos. Em 2017, eram pretas ou pardas 75,5% das pessoas vítimas de homicídio.

Quase 5 mil mulheres mortas violentamente no ano

O ano de 2017 registrou, também, um crescimento dos homicídios femininos no Brasil, chegando a 13 por dia. Ao todo, 4.936 mulheres foram mortas, o maior número registrado desde 2007 – sendo que 66% delas eram negras. Entre 2007 e 2017, houve um crescimento de 30,7% nos homicídios de mulheres no Brasil. 

O Ipea leva em conta um fator crucial para tanta disparidade: há um abismo de desenvolvimento humano entre os municípios mais violentos e os mais pacíficos do Brasil. E o que fazer para encurtar essa diferença? Esta é a questão que muitos preferem responder e combater de modo simplista, elegendo o tráfico e o consumo de drogas como maiores vilões da sociedade. Dentro desse raciocínio, basta aumentar as forças militares, aumentar o número de presídios e colocar mais polícia na rua para buscar a solução. Mas houve solução?

Muitos outros, como nós, defendem outro ponto de vista e dentro de uma nova postura. Uma educação de qualidade para todos, o acesso de todas as classes sociais  às moradias e aos bens de consumo e culturais, a preservação do meio ambiente, o culto às tradições históricas e patrimoniais e o respeito aos direitos civis no Brasil – são princípios chaves que precisamos cultivar para reverter esses números constrangedores que colocam nosso País como um dos mais violentos do planeta.

Campo Grande, a segunda capital mais segura

Se é que isso possa servir de conforto para a gente do Mato Grosso do Sul, Campo Grande ocupa hoje o posto de segunda capital menos violenta do País, com 18,8 homicídios por 100 mil habitantes, atrás apenas de São Paulo. Entre as cidades com mais de 100 mil habitantes em MS, Corumbá é a segunda menos violenta, vindo logo atrás da capital, com 29,6 homicídios por 100 mil, com 30 mortes violentas em 2017, apesar de se localizar na linha da fronteira. Ladário ficou com taxa estimada de 20,6, com 4 homicídios em 2017. 

Os municípios mais violentos de MS ocupam a faixa da fronteira com o Paraguai: são eles Paranhos (índice de 91,3), Antônio João (90,8), Ponta Porã (48) e Itaquiraí (67,8).  
Para se ter uma ideia desse abismo de desenvolvimento humano, entre os dez municípios menos violentos do País, todos do interior de São Paulo, os índices vão de 2,7 de Jaú até 8,5 de Sertãozinho.

Leia mais sobre o tema nesta reportagem do Universa:

https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2019/08/08/mulheres-com-filhos-mortos-pela-policia-vivem-medo-pelos-que-estao-vivos.htm



quarta-feira, 17 de julho de 2019

‘Azul dentro do banheiro”, o livro que comoveu Manoel de Barros

Peninha relançou "Azul" na Casa de Memória Dr. Gabi em Corumbá
Nelson Urt
Navepresss 
Lançado na noite desta quarta-feira, 17 de julho, na Casa de Memória Dr. Gabi, em Corumbá, Pantanal de Mato Grosso do Sul, o livro "Azul dentro do banheiro" leva a assinatura de Marzinha, um dos pseudônimos da poeta e artista plástica Marlene Mourão. 
O livro é uma reedição da obra publicada em 1976 e  traz uma carta que o poeta Manoel de Barros escreveu para Marzinha em 16 de agosto de 1976, pouco depois de ler a primeira edição. “Não sei dizer nada de sua poesia, senão que ela me deu um sacolejão e me jogou no cansanção e me buleversou, desbarrancou, me floresceu, frutificou e me deixou debaixo de um trilho de trem onde eu morri de amores por Marzinha”, escreve Manoel. ‘Louvo o Azul dentro do banheiro, que não tem destinatário, que não pretende nada, que não tem prefácio nem orelha, que não tem padrinho e nem mesmo não tem o nome do autor – mas é um legítimo livro de poesia”, acrescentou.
Marlene, também conhecida como Peninha, se tornou íntima de Manoel de Barros em Campo Grande porque era amiga de uma de suas sobrinhas. “Gosto de ir ao banheiro pra conversar. É o lugar onde eu posso ser eu”, escreve Peninha no livro que funde a poesia com a prosa em um estilo conhecido como prosa poética. 
Ela usa o azul metaforicamente para expressar a neutralidade e a paz que encontra entre as quatro paredes do banheiro. “Eu quero ser eu, eu tenho que ser eu...isso eu preciso”, repete seguidamente nas páginas do livro escrito nos anos 1970, no início dos movimentos feministas que proporcionaram o empoderamento das mulheres – nem todas, é claro – nos dias atuais.
Azul dentro do banheiro é uma obra intimista, capaz de revelar muito da personalidade livre, humilde, pura e despojada da escritora, alguém que – como bem observou o mestre Manoel de Barros – não tem pretensões, e por isso mesmo consegue produzir uma poesia legítima. "Você é uma criança andando perdida no meio das ruínas. É o que me comove em sua poesia, que é legítima, inventiva, despreza as convenções, as falsas ladainhas", resumiu Manoel.

domingo, 23 de junho de 2019

Feira do Imigrante traz poesia, música, sabores e história de pioneiros

Grupo de dança da Bolívia brilhou na Praça Independência
Nelson Urt
Navepress
A Feira do Imigrante reuniu na Praça Independência, neste sábado, 22 de junho, grupos de música, poesia, teatro, artesanato e culinária que traduziram a cultura de povos que aqui chegaram no século passado e contribuíram para a formação de Corumbá, Ladário, Puerto Quijarro, Arroyo Concepción e Puerto Suarez. 
Esta foi a primeira edição da Feira do Imigrante, organizada pelo Circuito Imigrante (CI), Comitê de Atenção do Imigrante, Refugiado e Apátrida e pela Pastoral da Mobilidade Humana, com apoio da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Ministério Público Federal (MPF) e Prefeitura de Corumbá. A coordenação do CI é do professor Marco Aurélio Machado de Oliveira, neste ano com três grupos de ação: Cultura, Institucional e da Mulher.
Bolivianos de Puerto Suarez trouxeram a dança
Os organizadores estudam a possibilidade de tornar o evento mensal, com a proposta de dar voz ao Circuito Imigrante, coletivo internacional criado em 2015 com o objetivo de integrar os órgãos que trabalham diretamente com o imigrante, o refugiado e o apátrida em Corumbá. Ao mesmo tempo busca dar foco à cultura dos países de origem dos povos imigrantes. 
Um dos pontos altos do evento foi a apresentação do Coral do Moinho Cultural contando com crianças bolivianas de Puerto Quijarro, que comoveram os pais e os visitantes ao cantarem o Hino das Américas. Eles vieram acompanhados dos pais e a maioria se apresentava pela primeira vez em Corumbá. O coral contou com a regência do maestro venezuelano Jesus Zacarias, professor de música do Moinho Cultural. Outra apresentação muito aplaudida foi o grupo de dança de Puerto Suarez.
Os poetas foram representados pelo escritor Benedito C.G. Lima, que recitou o Poema do Imigrante, por uma performance dos parceiros Anibal Monzon e Virgilio Miranda, integrantes do Grupo Argos de Teatro, e por Marcos Gonzaga, integrante do grupo Resiliência de poesia social. 
A Cia. de Teatro Maria Mole, dirigida pela produtora cultural Bianca Machado, contou com uma performance da atriz Aline Galvarro revivendo a chegada de uma imigrante a Corumbá no século passado. 
Nações tiveram representantes no encontro
Dois personagens reais dessa bela história compareceram neste sábado à Praça Independência: os bolivianos Herman e Consuelo Zapata, casal radicado há 35 anos em Corumbá, com três filhos e quatro netos corumbaenses. “Pátria é aquela que dá o pão”, lembrou Herman, citando frase de um pensador argentino. “Somos muito gratos a Corumbá, que para nós foi como encontrar o paraíso”, acrescentou.
Os palestinos tiveram como porta-voz o comerciante e pecuarista Antar Mohamed, que chegou a Corumbá em 1968, fugindo da Guerra dos Seis Dias, no confronto entre Palestina e Israel. “Vim para Campo Mourão, no Paraná, onde já estava o meu pai, e depois a Corumbá, onde fui muito bem acolhido e me estabeleci”, lembrou.
O agricultor Rubem Alonso, do Assentamento 72, de Ladário, trouxe suas verduras e legumes sem agrotóxicos, dando início à proposta de tornar a feira também um ponto de venda de produtos naturais que já são comercializados nas sedes da UFMS (avenida Rio Branco) nas manhãs de terça, na IFMS às quintas e na Embrapa Pantanal às sextas.
A culinária paraguaia contou com saboroso cozido Vory-Vory preparado por dona Anúncia, enquanto a cozinha boliviana trouxe as deliciosas salteñas de Arturo Ardaya. Também não faltaram o arroz de carreteiro e o risoto. E o Grupo de Mães da Cidade Dom Bosco, coordenado por Lindivalda dos Santos.
Três migrantes haitianos compareceram ao evento e um deles, Tomás Gregoly, com documentação regularizada e domínio do português, busca emprego na cidade como eletricista. Eles estão na Casa de Passagem, na rua Edu Rocha, um dos pontos de apoio aos migrantes que cruzam a fronteira, administrada pela Prefeitura de Corumbá.






sexta-feira, 24 de maio de 2019

Da prensa de Gutemberg ao jornal escolar em Ladário


Projeto Jornal Escolar: professor Stefani e jornalista Nelson Urt na abertura
Jota Etcheverria
Navepress

Esta terra, que viria a ser chamada Brasil, nem havia sido dominada pelas tropas portuguesas quando o alemão Johannes Gutemberg, em 1455, criou na Europa a prensa de tipos móveis que revolucionou o método de se produzir informação em todo o mundo. É o que chamamos hoje de impressão, que deu origem à denominação Imprensa. 
O jornal, agora quase todo eletrônico, agilizou a publicação e multiplicou a informação, tornando seu acesso mais rápido e barato. Hoje a sensação é de que temos o mundo em nossas mãos diante de uma tecla e uma tela de computador ou smartfone. Estamos na era das redes sociais, com a notícia automatizada. Mas e como fica, nesse cenário pós-moderno, o papel do jornal impresso, a origem de tudo, que sempre teve o poder de traduzir a história do nosso cotidiano, da nossa rua, do nosso bairro, da nossa cidade? 

Em Ladário, a resposta a esse questionamento está sendo dada por um projeto de Jornal Escolar criado pelo professor Alex Stefani dos Santos. O projeto tem como tema “Narrativas e histórias populares, escrevendo o cotidiano na Escola Municipal Profº João Baptista". Abre um novo campo de discussões, aprendizado e conhecimento para os alunos do ensino fundamental I e II. 
Na abertura da Oficina do Jornal Escolar, coordenada pelo jornalista Nelson Urt, os alunos foram incentivados a propor os assuntos a serem abordados em suas reportagens. Assim, nos primeiros números, conforme as propostas deles, o jornal vai trazer, além de informações básicas sobre o cotidiano da escola, matérias sobre música, esportes, história, ciências, poesias, crônicas e desenhos (história em quadrinhos, HQ). A periodicidade será mensal, com a impressão inicial de 100 exemplares. 
Na introdução da oficina, Nelson Urt ministrou palestra e apresentou um vídeo sobre a criação da prensa móvel por Gutemberg e tudo o que ela representou para a ampliação do conhecimento universal. Os alunos receberam exemplares de todos os jornais impressos em circulação hoje em Ladário e Corumbá – Pérola News, Correio de Corumbá, Folha de Corumbá, Diário Corumbaense, Jornal da Mulher e até um número do Correio de Ladário, hoje inativo. 
Alunos tomam contato com jornais impressos na região
O objetivo principal, conforme o professor Alex Stefani dos Santos, é tornar o aluno protagonista da história de sua escola, de sua comunidade e sua cidade, despertando o sentimento crítico durante o fazer e escrever o jornal. “O jornal escolar deve ampliar as formas de comunicação já existentes, além de trabalhar internamente a interdisciplinaridade, aproximando as diferentes áreas do conhecimento através da participação integral dos docentes e alunos”, define o autor do projeto. 
O brilho nos olhos dos alunos foi a melhor resposta na abertura da oficina do Jornal Escolar na manhã desta sexta, 24 de maio, no JB, a maior escola pública de Ladário. O resto dessa história será contada em breve nas páginas do jornal.

quarta-feira, 15 de maio de 2019

Com apoio do MPF, luta pela Educação cresce em MS

Manifestantes na rua Frei Mariano: "Não somos balbúrdia, somos solução"
Nelson Urt
Neste 15 de maio de manifestações contra os cortes de 30% de recursos da Educação, o presidente do País estava em Dallas, nos Estados Unidos que "ama desde a infância", com recursos bancados pelo contribuinte. E de lá usou a expressão “idiotas úteis” para se referir aos manifestantes brasileiros. “Inteligentes” seriam então os americanos de Dallas, tudo o que é eficiente está nos Estados Unidos, tudo o que é ruim está no Brasil. Este é o velho e verdadeiro complexo de vira-latas que ainda domina certas cabeças daqueles que ainda nos enxergam como ex-colônia herdeira do patrimonialismo. Continuamos, como bem configurou Jessé Souza em A Elite do Atraso (Editora Leya, 2017), sendo tratados como idiotas e imbecis. O corte na Educação é mais um golpe truculento daqueles que querem manter o País no abismo cultural e educacional, como massa de manobra, impedindo que o brasileiro aprenda a pensar, refletir e escolher o que é melhor para seu futuro. Contra essa decisão inconstitucional e arbitrária surge agora a rejeição e a interferência do Ministério Público Federal (MPF), que decretou neste 15 de maio o Dia D em Defesa da Educação. Dois inquéritos foram instaurados pela Procuradoria Regional de Direitos do Cidadão para avaliar os impactos causados à Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e ao Instituto Federal (IFMS) pelo contingenciamento e bloqueio orçamentários. Assim também foi feito em outros 20 Estados. O mesmo MPF que acaba de ajuizar na Justiça uma ação em que pede a suspensão imediata e integral do decreto que flexibilizou as regras para o porte de armas no País. Na ação, divulgada neste 15 de maio, os procuradores afirmam que o decreto extrapola o poder de regulamentação privativo do Executivo, desrespeita normas previstas no Estatuto do Desarmamento e "coloca em risco a segurança pública de todos os brasileiros". 
"O governo é contra a Educação porque a Educação derruba desgovernos"
O MPF de um lado, os estudantes e professores do outro, nas ruas, estas são as nossas “armas” para conter a onda de destruição que ameaça sucatear a Educação, a cidadania e os direitos constituídos no País - como mostram essas fotos da Navepress na rua Frei Mariano, em Corumbá-MS.  Em retribuição àquele que me elogiou de "idiota útil" (eu também fui à rua Frei Mariano, neste 15 de maio, data em que completava 65 anos de vida e luta), ofereço estes versos nutridos pela mais pura ironia do poeta pantaneiro Manoel de Barros, em Tratado Geral das Grandezas do Ínfimo: 
"Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado.
Sou fraco para elogios".




quarta-feira, 1 de maio de 2019

Ataques a indígenas são crimes contra a humanidade


Jovens da aldeia Jaguapiru, de Dourados, na Praça Independência, Corumbá
Nelson Urt
Navepress

Entre os anos 2000 e 2016, foram registrados 24 ataques contra indígenas Guarani-Kaiowá na região sul de Mato Grosso do Sul. Nove indígenas morreram em decorrência direta dos confrontos e dois desapareceram. Todos os casos tratam-se efetivamente de crimes contra a humanidade, enquadrados legalmente pelo Ministério Público Federal (MPF) em MS.

O estudo e o parecer foram solicitados pela força tarefa Avá Guarani do próprio MPF ao Núcleo de Direitos Humanos da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Crimes contra a humanidade são crimes internacionais que os Estados têm o dever de punir.

Entre as características que permitem afirmar que os ataques armados se qualificam juridicamente como crimes contra a humanidade, destacam-se:

1 - A motivação. Todos visam à expulsão forçada dos índios das fazendas que incidem sobre terras reconhecidas como indígenas e “retomadas” pelas comunidades afetadas.

2 - A autoria. Os autores intelectuais e, às vezes, diretos dos crimes são os donos das fazendas ocupadas e seus vigilantes com participação, muitas vezes, de políticos locais.

3 - O elemento discriminatório. Os autores enxergam suas vítimas – “índios” - como seres humanos inferiores e não merecedores de respeito.

O envolvimento de sindicatos rurais ou cooperativas nestes incidentes é bastante frequente, o que demonstra que os ataques são parte da política de um grupo de pessoas unidas por um mesmo propósito.

O parecer destaca que os ataques são ultrajantes e humilhantes, acontecem de surpresa, contra população desarmada, crianças e idosos que têm que sair correndo pelos campos e matos para se esconder dos tiros.

Os indígenas muitas vezes são espancados, carregados à força em carrocerias de caminhões.

O MPF em Dourados, Naviraí e Ponta Porã realizou investigação criminal em todos os casos analisados neste estudo e, até agora, ofereceu denúncia criminal em 11 deles.

Em alguns casos, a Justiça Federal decretou prisão preventiva ou temporária dos acusados. Mas até hoje nenhum acusado cumpriu pena.

Apenas uma sentença foi prolatada em primeiro grau, absolvendo o acusado, da qual o MPF recorreu ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Os demais processos aguardam decisão. (Fonte: MPF/MS)



sábado, 20 de abril de 2019

Os Guarani-Kaiowá lembram 519 anos de resistência


Sábado de resistência indígena na Praça Independência em Corumbá-MS
O “dia do índio” surgiu com mera data comemorativa, em decreto assinado pelo presidente Getúlio Vargas em 1943. Até ali pensava-se que a questão indígena estava jogada na lata do lixo da história, assunto encerrado, depois de muitas lutas, ocupações e massacres, durante a invasão portuguesa neste território a partir de 1500. 
Estavam enganados. Com o passar do tempo, os movimentos étnicos e culturais se avolumaram, cresceu a conscientização dos povos indígenas e hoje não se celebra mais um irrelevante dia do índio, mas a Resistência dos Povos Indígenas neste Abril Indígena. São 519 anos de resistência, desde que o primeiro índio tombou morto na sua própria casa. 
Com esse propósito representantes da Aldeia Jaguapiru da etnia Guarani-Kaiowá, de Dourados, sul de Mato Grosso do Sul, vieram a Ladário-MS e a Corumbá-MS nestes dias 19 e 20 de abril. Um tanto isolados, sufocados e oprimidos na aldeia, só agora esses adultos, jovens e crianças brasileiros tiveram a oportunidade de conhecer o rio Paraguai – e se banharam nele. 
E pensar que até antes da invasão portuguesa e espanhola todo esse vasto território, com sua imensa e generosa natureza, pertencia a eles e outras nações – em Mato Grosso do Sul e Mato Grosso são muito fortes os traços e raízes dos Guaicuru, dos Bororo, dos Terena e dos Guató, além dos Guarani. 
A luta de todos os homens honestos e íntegros deste País continental, de vastas terras, é pelo refortalecimento e defesa dessas etnias, já que estamos diante de uma onda oficial de desqualificação da Funai (Fundação Nacional do Indio), das culturas indígenas e de um retrocesso nas demarcações das terras, cujos processos encontram-se paralisados ou sendo revisados depois da PEC 215. 
Este é um momento crucial para abraçarmos nossos irmãos indígenas, aldeados em um limite de terras que não expressa suas necessidades, com um sistema de saúde precário, conforme me relatou o líder indígena Nelson “Cabrito” Ávila, universitário do curso de Biologia da Universidade Federal da Grande Dourados. Ele deve ser um dos representantes da etnia no movimento indígena Terra Livre, de 22 a 25 de abril, no Congresso Nacional em Brasília.
No projeto Passa na Praça que a Arte te Abraça, na Praça Independência, em Corumbá, neste sábado, 20 de abril, os Guarani-Kaiowá apresentaram suas danças, cantos e artesanatos, e se integraram aos poetas, escritores, professores, enxadristas e admiradores desta causa indígena. Dançamos juntos na praça...e nossa dança é por uma causa justa.

quinta-feira, 28 de março de 2019

A coisificação da mulher


Todos querem saber o que há por trás da violência contra a mulher
Nelson Urt
Navepress
A execução a tiros da vereadora Marielle Franco, no Rio, há um ano, e o assassinato a facadas da professora Nádia Sol, neste dia 10 de março, em Corumbá, escancaram um Brasil cada vez mais violento e que coloca a mulher como ponto vulnerável. Marielle por motivação política e Nádia com causa passional, não importa, o que se vê é uma  naturalização da violência contra a mulher que começa dentro de casa e ganha as ruas, com o assédio e casos de estupro. Levando-se em conta o papel da mulher como mãe, como trabalhadora, como base da formação da família, estaremos então diante de uma situação assustadora. Que modelo de sociedade estamos oferecendo para as futuras gerações? Toda essa violência não estaria agora sendo reproduzida pelos estudantes nas escolas?
“Há uma coisificação da mulher”, alertou o promotor do Ministério Público Estadual (MPE), Marcos Martins Brito, durante palestra na Mesa Redonda com o tema “Assédio não é sedução, é falta de educação”, nesta quarta, 27 de março, no Anfiteatro Salomão Baruki, no Campus Pantanal da UFMS em Corumbá. Brito se fundamenta na tese da socióloga brasileira Heleieth Saffioti para concluir que a violência contra a mulher tem como causa o “modelo de sociedade patriarcal” surgido com a industrialização e o capitalismo. De uma maneira geral, o homem vê a mulher como posse, obrigando-a a seguir suas ordens em todos os aspectos. Trata-se de uma relação de poder.
Promotor do MPE apresenta números assustadores
O auditório do Campus Pantanal recebeu tanta gente que na porta havia um aviso: lotação esgotada. Lá dentro, sentados até nos degraus do corredor, estudantes universitários e secundaristas participaram das discussões e ouviram o promotor do MPE revelar números assustadores: 1011 ações processuais correm na Justiça de Corumbá hoje por conta de casos de violência doméstica contra a mulher. Nos três primeiros meses do ano já são 110 medidas protetivas de urgência concedidas a mulheres vítimas de violência. Pesquisas apontam a ocorrência de 5 casos de feminicídio por dia no Brasil.
Durante o evento, prestou-se homenagem à ex-aluna da UFMS Nádia Sol assassinada no dia em que completava 38 anos. O encontro contou com o apoio da UFMS, cursos de Letras e Pedagogia. Sobre o tema também falou a professora Jane Contu, assessora da Secretaria Especial de Cidadania e Direitos Humanos de Corumbá. A UFMS apoiou a ação e foi representada pelas professoras Cláudia Araújo, do curso de Pedagogia, Heloisa Portugal, curso de Direito, representando o diretor do CPAN, e pela mediadora Rosângela Villa, professora pesquisadora do curso de Letras e do Mestrado em Estudos de Linguagens.

domingo, 17 de março de 2019

E enquanto isso, no Brasil, 5 milhões passam fome


Nelson Urt
Navepress

Para onde caminha este modelo capitalista em que uma minoria acumula fortunas em detrimento de milhares que passam fome ou correm atrás do prejuízo nas filas de desemprego? Vejam o resultado de um sistema que leva a humanidade para o fundo do poço, explora todas as reservas naturais do planeta sem reposição – muito pelo contrário, provocando mais desastres e tragédias como Mariana e Brumadinho – e prega o discurso do ódio, distanciando-se cada vez mais da verdadeira mensagem cristã de amor e solidariedade ao próximo. O resultado é a fome de muitos - quase todos invisíveis, parte de uma sociedade que ninguém quer ver ou mostrar.
Os números divulgados no Relatório “O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo-2018” da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) mostrou que a fome aumentou no mundo. 821 milhões de pessoas passavam fome em todo o planeta em 2017. Pelo terceiro ano consecutivo, este número aumenta, segundo a FAO. 
O relatório cita como as principais causas do avanço da subnutrição os conflitos armados, as crises econômicas e fenômenos naturais extremos, como secas e enchentes. 
No Brasil, 2,5% da população passou fome em 2017. Isso corresponde a 5,2 milhões de pessoas. O Brasil só saiu do mapa da fome em 2014, quando o índice de pessoas ingerindo menos calorias que o recomendado caiu para 3% da população. Para que um país saia do Mapa da Fome, de acordo com a ONU, é necessário que a quantidade de pessoas ingerindo menos calorias do que o recomendado seja inferior a 5% da população. Trata-se, na verdade, de uma questão de direitos humanos - palavra sobre a qual certas autoridades sentem aversão, até pavor. O estudo aponta como riscos para o aumento da fome no País o avanço da pobreza, o congelamento dos investimentos sociais por 20 anos, a alta do desemprego e o corte de pessoas beneficiadas pelo Bolsa Família. (Fonte: Observatório do Terceiro Setor)


domingo, 3 de março de 2019

Escritora luta para transformar vidas na fronteira


Vivi Mendez lançou livro de poemas na Bienal de São Paulo em 2018
Nelson Urt
Navepress

Para celebrar o Dia Internacional da Mulher, 8 de março, o encontro deste blog é com a escritora, poeta e professora Vivi Mendez, uma argentina por nascimento, boliviana por casamento e brasileira por coração. Na linha da fronteira Brasil-Bolívia, Alicia Viviane Mendez Rosales é uma imigrante pendular, com atividades em Corumbá e Puerto Quijarro. Representa a linha de frente na luta pelos direitos humanos, do empoderamento das mulheres e na defesa de minorias, com atuação em comunidades indígenas. É uma mulher em incessante busca pela transformação da sociedade por meio da arte, da literatura, da educação. Um trabalho de formiguinha, como diz.

Atua como professora, escritora, médica e terapeuta. Detém o título de doutora honoris causa em Direitos Humanos concedido em 2018 por uma universidade da Espanha. Seu primeiro emprego como professora foi em uma aldeia indígena na fronteira da Argentina com a Bolívia, onde além de ensinar tinha de resolver conflitos nas comunidades. Um enorme aprendizado.

Ela passou parte da infância e adolescência em Córdoba, interior da Argentina. Casou-se com Bismarck de Rosales, boliviano que conheceu na Universidade Nacional de Salta, na Argentina. Percorreram alguns países antes de se estabelecer em Corumbá para criar os dois filhos, Daniel Matías e Adrián Emanuel, que hoje fazem graduação na Europa. Pensando em guia-los para um futuro melhor ela escreveu “10 deseos para mis hijos”, livro em espanhol também lançado na Argentina, onde moram suas irmãs.

Alicia Viviana Mendez, aos 47 anos, está sempre com um pé do outro lado da fronteira, em Puerto Quijarro, onde comanda projetos de educação, e outro pé em Corumbá. Mas jamais esquece suas raízes da cidade argentina onde nasceu, Tucumán, mesma terra natal da imortal Mercedes Sosa, consagrada como a voz da América do Sul. “Gosto muito de cantar as músicas de La Negra (como Mercedes Sosa era conhecida devido sua ascendência indígena)”, diz. “Criei-me no deleite da arte, fazia teatro e tinha um programa de tevê na Argentina”, conta.

Em Corumbá, Vivi conheceu o poeta e ativista cultural Benedito C.G.Lima, logo que chegou, aos 24 anos, amizade longa que floresce atualmente em ações como o Passa na Praça que a Arte te Abraça, encontro de poetas, contistas, romancistas, artesãos e outros multiplicadores da cultura na Praça Independência, nas manhãs de sábado.

Em 2018, ela lançou os livros de poemas “Poetize-se” na FLIP (Festa Literária Internacional de Paraty-RJ) e “Inspiração em Verso” na Bienal de São Paulo, pela Editora Futurama. Publica seus livros em português e espanhol, e consegue lançá-los alternadamente em Corumbá, na Bolívia, na Argentina, Espanha e até na Inglaterra, onde estudam os filhos.

Na Bolívia, Vivi Mendez estudou Administração Educativa na Universidade Católica. Cursou pedagogia, psicopedagogia, arte-terapia, fotografia e Medicina, com atuação na Cruz Vermelha.

Poucas mulheres como ela tem a capacidade de integrar os jovens bolivianos e brasileiros por meio da arte e educação na fronteira, apesar de tantos entraves. Em Puerto Quijarro, como professora, mantém um Clube de Leitura e promove intercâmbio com poetas corumbaenses. Em Corumbá ela apoia o projeto Novo Olhar, com 83 alunos que saíram da situação de vulnerabilidade.

Na FLIP de Parati em 2018: "Poetize-se"
A poesia de Vivi carrega toda a influência da mãe, que gostava de compor e cantar, e do pai, que tocava violão e “adorava escrever cartas e poesias” em um período de chumbo da ditadura argentina, nos anos 1970, em que quase tudo era censurado ou proibido.

“Meu pai escrevia poesias secretas, ninguém podia ouvir, só a gente, era como se fosse um tesouro, mas também podia ser uma bomba. Nesse tempo a poesia era a única válvula de escape dele. Ele era operário, metalúrgico, viu mortes, sabia onde enterravam os corpos, era um pavor, e não poder se manifestar o levou a escrever poesias. Esse é o peso da poesia que carrego”, conta.

Para Vivi, a luta deve ir muito mais além da defesa dos direitos das mulheres. “Temos que construir uma nova identidade como humanidade porque isso é que está por trás do machismo. Cadê a dignidade da humanidade? Esta é uma área que invisto muito na minha vida”, diz. “Outro aspecto é a justiça, o acesso do cidadão à justiça. Tudo passa pelo poder, nem todos tem dinheiro para se defender. Se você estuda tanto é para semear conhecimento na sociedade, e quando não consegue se angustia", conclui. 

Comentários
Obrigada pelo carinho Nelson Urt, e para esclarecer, ainda continuo estudando, na verdade nunca parei... pois acredito que e o estudo e a única revolução possível por nos mesmos e pelos demás tentando juntos transformar nossa realidade! Se você enxergou essa esperança utópica em mim foi por que você a carrega também! Juntos somos mais! Abraços! (Vivi Mendez, 06/03/2019)

Só quem conhece essa linda mulher, sabe como ela tem um coração lindo, sempre pensando no próximo!! Que Deus a abençoe sempre. Saudades de vocês e dos meus amados sobrinhos. (Irami Maeda, 06/03/2019)

Parabéns nobre amiga Embaixadora da Paz Profª. Dra. Vivi Mendez pelos relevantes serviços prestados as causas Humanitárias e Culturais em defesa de um Povo que precisa de apoio logístico, acessória Jurídica e cumprimento das Leis que amparam e protegem as famílias.(Iguaci Luiz de Gouveia, 06/03/2019)

Tem o dom de ensinar e encantar. Parabéns, mulher!!! (Arlene Inez Costa, 06/03/2019)

Nota do Editor
Os mais de 300 acessos a esta publicação tiveram como origem o Brasil (140), Bolívia (44), Argentina (30), Estados Unidos (6), Inglaterra (4), Austrália, Portugal, entre outros países.